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A pecuária que combate o aquecimento Global

A pecuária que combate o aquecimento Global

PROJETO CARBONO ARAGUAIA, REALIZADO DURANTE 5 ANOS EM MATO GROSSO, PROVA QUE A ATIVIDADE PODE REDUZIR EMISSÕES DE GASES DO EFEITO ESTUFA

"A gente, como criador de gado, já desconfiava que uma pecuária bem manejada não só emite menos gases do efeito estufa, como contribui para sequestrar as emissões", diz o pecuarista Caio Penido, da Fazenda Água Viva, em Cocalinho (MT). Depois de cinco anos, tanto a propriedade de Penido quanto outras 23 fazendas pecuaristas da região do Vale do Araguaia, em Mato Grosso, conseguiram provar isso em números, por meio do projeto Carbono Araguaia, realizado entre 2016 e 2020. A iniciativa demonstrou que a atividade pecuária consegue, além de armazenar volume considerável de carbono no solo, sequestrar as temidas emissões entéricas de gás metano da boiada. Isso, claro, se vários protocolos ambientais e de boas práticas de manejo do solo e dos animais forem adotados.

Como "brinde" à adoção desses cuidados, o pecuarista consegue maior produtividade, com abate de animais mais precoces, e lotação intensiva do pasto - o que reduz a pressão para a abertura de novas áreas. Como consequência, poderá também receber pagamento por serviços ambientais (PSA) e vender créditos de carbono.

Tudo se iniciou no ano da Olimpíada do Rio, em 2016, quando a Dow Química procurou os pecuaristas da Liga para levar à frente um projeto que contribuísse para mitigar as emissões de carbono do megaevento esportivo. A Liga do Araguaia, que reunia pecuaristas do Médio Araguaia interessados em regularização ambiental, topou a parada. "Foi uma parceria vitoriosa; a Dow acreditou na gente, pegou um grupo de pecuaristas querendo fazer um projeto e deu certo", conta Penido.

Para a iniciativa, foram chamados outros parceiros, como a Embrapa e a Pangeacapital, empresa de estratégia ambiental. No fim de abril, os resultados do projeto Carbono Araguaia foram apresentados em um evento online. Um dos números mais emblemáticos citados pelo sócio-diretor da Pangea, Roberto Strumpf, demonstra que, enquanto um pasto degradado (na região do Cerrado) emite até 99 toneladas de gás carbônico equivalente (Co²eq) por hectare/ano, uma pastagem recuperada e bem manejada consegue, em vez de emitir, sequestrar 1,98 tonelada de Co²eq/ha/ ano. Isso já se levando em consideração as emissões entéricas do gado, contabilizadas na média de 1,5 tonelada de Co²eq por animal/ano. "Este é o principal número do projeto, porque tem um grande impacto no resultado", comemora Strumpf.

Ou seja, se o pecuarista reformar o pasto, adubá-lo, cuidar para que os animais entrem e saiam dos piquetes na hora certa, de maneira a não afetar a capacidade de rebrota das plantas, o sistema passa a estocar carbono, em vez de emitir.

Outro importante indicador foi a capacidade de sequestro de carbono quando se utiliza o sistema de integração lavoura-pecuária (ILP) na área para reformar os pastos. Strumpf informa que, nesse caso, a retenção de carbono aumenta para 6,23 toneladas de Co²eq/ha/ ano. "Ressalto o potencial desse sistema como uma grande 'bomba de sucção' de carbono na atmosfera", diz.

O pesquisador da Embrapa Manoel Claudio Motta Macedo, que juntamente com os pesquisadores da mesma instituição Roberto Giolo de Almeida e Eduardo Assad acompanha as atividades da Liga do Araguaia, cita que estudos realizados em duas propriedades filiadas apuraram que só o carbono estocado em pastagens recuperadas há pelo menos dois anos tem o potencial de mitigar 66% das emissões de metano dos bovinos.

Macedo compara também o estoque de carbono entre um sistema com integração lavoura-pecuária (ILP) e uma floresta nativa de Cerrado. Na melhor das situações, um sistema de ILP consegue armazenar 36,88 megagramas de carbono equivalente por hectare/ ano, numa profundidade de 0 a 20 centímetros do solo. Já uma floresta nativa armazena 26,66 megagramas. Quando se vai à profundidade de 40 centímetros, o melhor sistema ILP pesquisado armazenou 58,17 megagramas e a floresta nativa, 48,96 megagramas.

Penido ressalta que o Brasil deve levar esses resultados para as esferas internacionais e mudar o discurso a respeito da pecuária. "Em fóruns no exterior só se fala das emissões entéricas do gado, que é uma situação típica dos rebanhos do Hemisfério Norte", diz, e argumenta: "O que acontece na pecuária tropical, porém, é emissão por parte do gado, mas também remoção por parte do sistema como um todo. Ou seja, o balanço desses dois fatores é que deve ser levado em conta e calculado".

A gente, como criador de gado, já desconfiava que uma pecuária bem manejada não só emite menos gases do efeito estufa, como contribui para sequestrar as emissões" Caio Penido, pecuarista da Fazenda Água Viva.

O Estado de S.Paulo