Lula corre atrás do prejuízo depois de megaoperação contra traficantes no Rio, por Luiz Carlos Azedo

Lula corre atrás do prejuízo depois de megaoperação contra traficantes no Rio, por Luiz Carlos Azedo

Cláudio Castro apresentou-se como um governador "em guerra", cercado por armas e cadáveres, e retratou sua ação como defesa do "povo abandonado pelo Estado"

A megaoperação policial realizada pelo governo do Rio de Janeiro, sob comando de Cláudio Castro, expôs o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma das situações políticas mais delicadas de seu terceiro mandato. Retornando da Malásia, onde havia participado de uma cúpula diplomática e se reunido com Donald Trump, Lula foi surpreendido por uma operação que resultou em mais de 120 mortos - o maior número da história do país - e reacendeu a tensão entre o discurso federal de respeito aos direitos humanos e a escalada de combate ao "narcoterrorismo" defendida por governos estaduais e forças de segurança pública.

O governador fluminense não apenas conduziu uma operação de grande envergadura militar, mas transformou-a em ato político. A reunião de governadores da oposição no Rio de Janeiro, Nesta quinta-feira, sinaliza que a pauta da segurança pública, sensível e popular, foi apropriada pela oposição como eixo de confronto direto com o governo federal. A proposta de tratar facções, como o Comando Vermelho e o PCC, como organizações terroristas reforça essa guinada discursiva, buscando ocupar o espaço deixado pela ausência de maior protagonismo federal na área.

Cláudio Castro apresentou-se como um governador "em guerra", cercado por armas e cadáveres, e retratou sua ação como defesa do "povo abandonado pelo Estado". Sua retórica, "ou soma, ou suma", não foi casual: traça uma fronteira entre os que combatem o crime e os que, em nome dos direitos humanos, supostamente seriam coniventes com ele. A narrativa foi absorvida por governadores do eixo Sul-Sudeste que enxergam na crise fluminense uma vitrine eleitoral e uma trincheira ideológica.

Surpreendido e, sem instrumentos de coordenação imediata, Lula reagiu apenas dois dias depois, sancionando uma lei de endurecimento penal de autoria do senador Sergio Moro (União-PR), o ex-juiz da Lava-Jato que o condenou à prisão. A medida cria os crimes de "obstrução de ações contra o crime organizado" e "conspiração para obstrução" e foi publicada no Diário Oficial desta quinta-feira, quando poderia ter sido sancionada antes da viagem de Lula.

Adversário direto de Moro, símbolo da Operação Lava-Jato, Lula foi pragmático. Entretanto, o Palácio do Planalto corre atrás do prejuízo, tenta recuperar espaço diante de uma agenda que foi capturada pela oposição. Lula e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foram coadjuvantes de um episódio que mobilizou a mídia internacional, dividiu o país e colocou o tema da segurança de volta ao centro da disputa político-ideológica.

Desde 2003, Lula tenta equilibrar uma visão social de segurança - baseada em prevenção, cidadania e inclusão - com a pressão por medidas repressivas. A operação no Rio, porém, impôs uma saia justa: diante da imagem de 120 mortos, o presidente precisava escolher entre condenar o método ou reconhecer a gravidade do inimigo. Optou por uma resposta ambígua: "Precisamos atingir a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco". Tenta conciliar duas agendas que se opõem: a humanista e a militarizada.

Protagonismo


O problema é que, no plano político, o discurso da ponderação raramente vence o da força quando o narcotráfico é um fator catalisador das opiniões. A exibição de armas e cadáveres valoriza quem demonstra ter o controle, no caso, Cláudio Castro. Diante da hesitação de Lula, o governador fluminense emergiu como "homem da ação", enquanto o presidente parecia distante do problema.

A operação foi duramente criticada pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e por organizações brasileiras, que a classificaram como "chacina de Estado". A ausência de informações sobre as câmeras corporais, a adoção do "muro do Bope" e a alta letalidade colocam o Brasil sob escrutínio internacional. Para um governo que se esforça para reconstruir a imagem do país como defensor dos direitos humanos - e que planeja sediar a COP30 sob a bandeira da sustentabilidade e da inclusão -, é uma péssima situação. O Itamaraty prega o "multilateralismo dos direitos", e a operação afronta parâmetros definidos pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF das Favelas).

A expressão "narcoterrorismo" - até então restrita a círculos de segurança - ganhou centralidade no debate nacional. Ao propor que as facções sejam tratadas como organizações terroristas, a oposição tenta redefinir o inimigo interno e criar um consenso repressivo. A estratégia tem inspiração explícita na política trumpista de "law and order", reforçada pela aproximação simbólica entre Castro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a direita norte-americana.

Para Lula, a narrativa é perigosa. Ao fundir criminalidade com terrorismo, o discurso desloca o debate da segurança para o campo da guerra - em que a lógica do direito é substituída pela da exceção. Se o governo federal adere a esse enquadramento, legitima a política do confronto e abdica da agenda dos direitos humanos; se a rejeita, é acusado de proteger bandidos.

O governo ainda tenta articular a aprovação da PEC do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), porém, o projeto está sendo sequestrado pela oposição. A resistência dos governadores à centralização da política de segurança pela União enfraquece o projeto e impede a coordenação nacional que o Planalto defende. No vácuo deixado pela falta de protagonismo federal, os estados ocupam a cena com operações espetaculares, legitimadas por um sentimento de medo coletivo, com licença para matar.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/lula-corre-atras-do-prejuizo-depois-de-megaoperacao-contra-traficantes-no-rio/