O 'Faz de Conta' na Política, por João Antonio da Silva Filho

O 'Faz de Conta' na Política, por João Antonio da Silva Filho

Por João Antonio da Silva Filho

Em linguagem popular, o "faz de conta" é uma brincadeira simbólica da infância. A criança cria mundos e personagens com a força da imaginação, transforma o irreal em possível e, por instantes, habita o que não existe. É um exercício de fantasia e criação - uma forma inocente de aprender sobre o mundo real. No universo lúdico, o "faz de conta" é expressão da liberdade, da curiosidade e da invenção.

Na política, entretanto, o "faz de conta" ganha outro significado - menos ingênuo, mais calculado. É quando o jogo simbólico da infância dá lugar à encenação do poder. Políticos "espertos" fingem agir em nome do bem comum, mas movem-se, na verdade, por interesses particulares. Proclamam virtudes, mas praticam conveniências. É um teatro em que os gestos são ensaiados, as palavras são medidas e o discurso se transforma em performance. Nesse palco, a aparência substitui a essência, e a imagem vale mais do que a verdade - um espetáculo em que o público, muitas vezes, aplaude sem perceber que também faz parte da encenação.

A esse jogo de ilusões, poderíamos associar dois conceitos clássicos: simulação e dissimulação. Simular é fazer parecer o que não é; dissimular é esconder o que é. A primeira cria uma máscara; a segunda, um véu. Ambas se alimentam do mesmo impulso - o de manipular a percepção alheia. Assim, a política do "faz de conta" se constrói sobre o artifício: a promessa que não se cumpre, o discurso que não corresponde à prática, o gesto público que esconde a intenção privada.

Nesse contexto, a verdade torna-se perigosa. Dizer o que se pensa, de modo direto e sem cálculo, passa a ser visto como imprudência. Surge então o termo "sincericídio", uma confissão sincera demais para a lógica da política. Quem fala a verdade sem medir as consequências corre o risco de se isolar, de ser excluído do jogo, de cavar a própria sepultura eleitoral.

Vivemos, assim, em um cenário em que a franqueza é punida e a encenação, recompensada. O "faz de conta" se institucionaliza como método e sobrevive disfarçado de estratégia. Vence a esperteza, a sagacidade, o talento de quem domina a arte da aparência. Muitos se apresentam fantasiados, criando uma verdadeira ilusão de ótica - onde o real desaparece aos olhos dos iludidos e, em seu lugar, surge apenas o belo, o conveniente, o que agrada à plateia.

Mas a política não pode ser um palco de ilusões. Uma democracia madura não se sustenta sobre o engano. É urgente resgatar a política como espaço da verdade concreta - não uma abstração do real, mas aquela que nasce da coerência entre palavra e gesto, entre promessa e ação. Somente quando o discurso reencontrar a ética e a transparência voltar a ser compreendida como virtude, a política poderá recuperar sua legitimidade. Nesse dia, o "faz de conta" sairá de cena e, enfim, a política retomará o seu verdadeiro papel: ser instrumento de composição das diferenças e de combate às desigualdades materiais, pavimentando o caminho da justiça.


João Antonio da Silva Filho - Mestre em Filosofia do Direito e Doutor em Direito Público, Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e Vice-Presidente da Atricon. Atuou em diversas funções públicas e é autor de obras voltadas à democracia, ao Estado e ao controle institucional.

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