Giorgio Armani na passarela durante desfile de sua coleção feminina primavera-verão 2025 em Nova York - Foto: Bloomberg |
Em reviravolta, testamento de Armani instrui herdeiros a vender fatia de 15% da empresa

Em reviravolta, testamento de Armani instrui herdeiros a vender fatia de 15% da empresa

Estilista morto na semana passada, que sempre refutou ofertas de fusão, ainda definiu 'eleitos' para a compra: LVMH, L'Oréal ou EssilorLuxottica. E seus sobrinhos terão 18 meses para cumprir determinação


Morto na quinta-feira da semana passada, dia 4, aos 91 anos, o estilista Giorgio Armani instruiu os herdeiros a vender gradualmente a grife que criou há 50 anos ou buscar uma abertura de capital na bolsa de valores, segundo seu testamento.

Nos documentos publicados nesta sexta-feira, Armani determinou que seus herdeiros vendam dentro de 18 meses uma participação inicial de 15% na Giorgio Armani SpA a um dos gigante do setor definidos pelo próprio estilista -LVMH, L'Oréal ou EssilorLuxottica -, ou a outro grupo de "igual prestígio" identificado por uma fundação criada pelo estilista para preservar seu legado, com o aval de seu parceiro de negócios e de vida, Leo Dell'Orco.

O documento ainda prevê que, entre três e cinco anos após a morte do estilista, seja transferida uma participação adicional de 30% a 54,9% para esse mesmo comprador, que terá assim a possibilidade de assumir o controle majoritário da grife.

A decisão contrasta com a postura que Armani manteve ao longo de toda a vida. Embora tenha chegado a flertar com a ideia de vender a empresa em vida, Armani optou por seguir de forma independente, sempre resistindo a ofertas de aquisição dos grandes conglomerados de luxo.

Como estilista, era reconhecido tanto pela independência como por seu rigor estético, dando atenção meticulosa aos detalhes, e o testamento reflete isso, estabelecendo um roteiro preciso para a venda da empresa - algo surpreendente após décadas defendendo sua autonomia.

"Armani representa uma oportunidade rara", escreveram os analistas do Berenberg, Nick Anderson e Harrison Woodin-Lygo, em uma nota de pesquisa, estimando que a empresa tenha um valor entre ? 5 bilhões (US$ 5,9 bilhões) e ? 7 bilhões (US$ 8,2 bilhões).

A Armani mantém parcerias de longa data com a EssilorLuxottica e a L'Oréal, e o fundador tinha proximidade com Bernard Arnault, presidente da LVMH, com quem chegou a discutir uma aliança. A L'Oréal e a Armani mantêm um contrato de licenciamento, para a venda de produtos que incluem o popular perfume Acqua di Giò, desde 1988. A gigante de óculos EssilorLuxottica produz e distribui a linha de óculos da Armani.

A EssilorLuxottica afirmou que a empresa "avaliará cuidadosamente" uma possível compra de participação na Armani, disse um porta-voz da fabricante de óculos em comunicado à Bloomberg.

"Vamos avaliar cuidadosamente, junto com o conselho, essa perspectiva evolutiva, que merece uma análise aprofundada à luz dos laços estreitos que já unem os dois grupos. Temos orgulho da confiança que o Sr. Armani depositou em nosso grupo e em nossa gestão."

Procurados pela Bloomberg, representantes da LVMH e da L'Oréal recusaram-se a comentar.

Momento desafiador

Como alternativa à venda para um grande grupo, a Armani também poderia considerar uma oferta pública inicial (IPO) em Milão ou em outro mercado relevante, segundo os documentos.

A LVMH seria o encaixe estratégico mais adequado para a Armani, afirmaram os analistas do Berenberg, acrescentando que o grupo francês "tem histórico de ser um investidor minoritário paciente, de longo prazo e de apoio".

A Armani, empresa de capital fechado, ficou nas mãos da fundação do estilista, de membros da família e de seu parceiro Leo Dell'Orco. Um papel central caberá, por ora, a Dell'Orco, a quem o magnata italiano se referia como seu "braço direito". De acordo com o testamento, ele recebeu 30% das ações da empresa e 40% dos direitos de voto.

Armani não teve filhos, e seus outros herdeiros incluem as sobrinhas Roberta e Silvana Armani, que trabalham na empresa, além do sobrinho Andrea Camerana, membro do conselho da companhia, e da irmã Rosanna. Junto com os demais herdeiros, Dell'Orco decidirá qual grande grupo poderá adquirir a maior parte da casa de moda.

O plano de venda da Armani surge em um momento desafiador para as marcas de luxo. Tarifas e incertezas geopolíticas têm prejudicado a confiança dos consumidores após os anos de boom pós-pandemia. Apesar dos desafios enfrentados em seu negócio principal de moda masculina em um mercado cada vez mais casual, o testamento de Armani reflete a confiança do fundador no valor de longo prazo da marca.

A empresa teve resultados mistos ao lidar com as mudanças nos hábitos de consumo: perfumes como o Acqua di Gio, licenciados para a L'Oréal, tiveram bom desempenho em um mundo cada vez mais dominado pelas vendas on-line. Em 2018, as empresas renovaram o contrato de licenciamento até 2050. De forma semelhante, a parceria em óculos com a EssilorLuxottica foi renovada em 2022 por mais 15 anos.

A alfaiataria masculina clássica e elegante - marca registrada da Armani em seu auge - mostrou-se uma aposta menos confiável no ambiente mais informal de hoje.

Consolidação de marcas

A transição da Armani da independência para a integração em um grupo maior também reflete uma tendência mais ampla. Empresas lideradas por fundadores vêm dando lugar a proprietários institucionais, e o mercado de luxo está se concentrando em poucos conglomerados globais, como a LVMH e a Kering, dona da Gucci. A disputa pela Armani pode estimular novas negociações no setor, à medida que concorrentes consideram estratégias para acompanhar a concorrência.

Nos últimos anos, a LVMH ampliou sua presença na Itália, investindo na holding do fundador da Moncler SpA, Remo Ruffini. A LVMH também possui 10% da Tod's SpA, que fechou o capital no ano passado em parceria com a L Catterton, fundo de private equity apoiado por Arnault.

Em entrevista concedida à Bloomberg News em abril de 2024, Armani já havia dado pistas sobre seus planos, dizendo que não queria descartar nenhuma possibilidade para o futuro. Na época, acrescentou que caberia a seus herdeiros avaliar as oportunidades que surgissem. Embora a independência ainda pudesse gerar valor para a marca, "o que sempre caracterizou o sucesso do meu trabalho foi a capacidade de me adaptar aos tempos em mudança".

Moda e cinema na trajetória de Armani

O designer ficou conhecido por sua moda minimalista, rigorosa e colaboração com o cinema. Incentivado por seu companheiro, Sergio Galeotti, morto em 1985, o estilista fundou a Giorgio Armani em 24 de julho de 1975, dias após o seu 41º aniversário (ele nasceu em 11 de julho de 1934). Tarde para os padrões da indústria.

Natural de Piacenza, no norte da Itália, Armani, filho de um contador, chegou a estudar Medicina (era fascinado por anatomia), mas não concluiu o curso. Passou pelo Exército e teve sua primeira experiência no métier como comprador na loja de departamentos La Rinascente, em Milão.

Na sequência, foi contratado para desenhar a linha masculina de Nino Cerruti e não parou mais. Em voo solo, estourou com uma ideia audaciosa: a desconstrução do terno. Armani revolucionou o guarda-roupa masculino.

O cinema teve papel-chave na escalada de Giorgio Armani. O filme "Gigolô americano", de 1980, estrelado por Richard Gere vestindo a alfaiataria do estilista, é considerado um divisor de águas em sua trajetória: Após o filme, Armani colaborou com outras 250 produções, como "Os intocáveis, de Brian de Palma, e "Beleza roubada", de Bertolucci.

O Globo
https://oglobo.globo.com/ela/moda/noticia/2025/09/12/giorgio-armani-testamento-pede-que-parte-da-marca-de-grife-seja-entregue-a-rival-entenda.ghtml