Jair e Michelle Bolsonaro durante funeral da rainha; Janja e Lula durante coroação de Charles III - Foto: Reprodução |
Era só o que faltava, por Merval Pereira

Era só o que faltava, por Merval Pereira

Janja e Michele são ativistas políticas, embora de polos distintos, por isso muitos consideram uma possibilidade que se enfrentem um dia eleitoralmente


Por Merval Pereira

O que muitos temíamos está acontecendo. A disputa entre a primeira-dama, Janja da Silva, e sua ex-confreira Michelle Bolsonaro domina a cena política pátria, embora nenhuma das duas seja oficialmente candidata a nada. Por enquanto, é bom ressalvar. Mas, que as duas sabem tirar proveito político de suas imagens, isso sabem. Janja foi tão criticada pela intervenção sobre o TikTok na China, diante do líder chinês Xi Jinping, que tem conseguido reverter a situação, pelo menos entre grupos petistas. Não há dúvida de que o establishment do partido do governo, especialmente ministros e assessores mais próximos de Lula, não gostam da intromissão dela nos temas governamentais, muito menos de seu privilégio de ser a interlocutora favorita do presidente.

A divulgação do entrevero na China teve, evidentemente, a intenção de diminuí-la, mas, passado o primeiro instante, ela vem congregando apoiadores. Sua posição antiprotocolar, reafirmada ontem, agrada à parcela da esquerda mais revolucionária. Uma misoginia atribuída às críticas também ajuda. Mas dá vazão também a outras críticas vindas da direita, vocalizadas com gosto pela ex-primeira-dama bolsonarista. Michelle, que vende a imagem de ser uma evangélica radical, critica o que chama de "gosto de viajar" de Janja e gastos dispendiosos.

Janja já criticara indiretamente o ex-casal presidencial ao mostrar à imprensa o que ela alegava ser descaso com os móveis do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Michelle respondeu insinuando que o sumiço de móveis apontado por Janja era apenas desculpa para gastar dinheiro em móveis novos. Nesse ponto, Michelle teve uma vitória, pois os móveis foram encontrados num depósito do governo.

Assim como Janja tem desenvoltura para falar em público, mesmo que não seja grande oradora, também Michelle se apresenta bem ao microfone, como se pôde constatar nas várias manifestações públicas convocadas por Bolsonaro nos últimos meses para tentar salvá-lo da condenação pela tentativa de golpe. Os temas caros a Janja são também pontos importantes de um programa de governo progressista: meio ambiente, animais, proteção a crianças.

Michelle fala também em outras línguas, não necessariamente idiomas oficialmente reconhecidos. Para comemorar a nomeação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF), foi filmada falando glossolalia, que não é uma língua no sentido tradicional, mas uma manifestação espiritual, uma forma de expressão do Espírito Santo em algumas tradições religiosas, como o pentecostalismo. São palavras e sons colocados aleatoriamente, incompreensíveis, que não pertencem a nenhuma língua conhecida.

As duas são ativistas políticas, embora de polos distintos, por isso muitos consideram uma possibilidade que se enfrentem um dia eleitoralmente. Sempre bom lembrar nossos hermanos, que tiveram Evita e Isabelita Perón, esta presidente da República, a outra uma "santa popular". Michelle já está a meio caminho, pois hoje é considerada a mais provável escolha de Bolsonaro para fazer parte de uma chapa à eleição presidencial. A ideia seria colocá-la como vice de Bolsonaro, uma chapa puro-sangue, até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vete formalmente a candidatura.

No prazo fatal, um mês antes da eleição, ele indicaria Michelle para substituí-lo na cabeça da chapa, como fez Lula em 2018. Não deu certo. Ou, pelo menos, não elegeu Fernando Haddad presidente. Talvez fosse mesmo essa a intenção de Lula, manter a aura de que só ele é capaz de derrotar o mal. Talvez seja essa a intenção de Bolsonaro, sem dar chance de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cresça à sua sombra.

Mas, e se Michelle vencer? Parece aquele filme "O rato que ruge". Ganhou a guerra, que fazer com a vitória? Culminando a tragicomédia, poderíamos ter mais um fato daqueles que só acontecem no Brasil: Bolsonaro, condenado pela tentativa de golpe, vai para prisão domiciliar devido à idade e à saúde debilitada. Seu domicílio seria o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República. Era só o que faltava.

O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/merval-pereira/coluna/2025/05/era-so-o-que-faltava.ghtml