A cervejaria do grupo teve queda de 35% nas vendas de janeiro a setembro e prejuízo líquido de R$ 933 milhões - Foto: Divulgação |
Banco da J&F financia R$ 328 mi à Petrópolis para sua continuidade

Banco da J&F financia R$ 328 mi à Petrópolis para sua continuidade

Cervejaria teve R$ 933 mi de perdas até setembro, valor superior a 2023; 'DIP' entrou para grupo comprar insumos, diz juíza

Por Adriana Mattos - De São Paulo

O grupo Petrópolis, do empresário Walter Faria, fechou um financiamento no modelo DIP - "debtor-in-possession" (devedor em posse, em tradução literal do inglês) com o Banco Original, controlado pela J&F Participações, da família Batista, no valor de R$ 328 milhões, apurou o Valor.

A transação com a J&F é chamada pela Justiça de "imprescindível para manter a continuidade dos negócios e a oxigenação do caixa", e foi finalizada na virada do ano, para que fosse possível a compra de insumos para não perder a venda no alto verão - o grupo é dono das cervejas Itaipava e Petra.

A cervejaria do grupo teve queda de 35% nas vendas de janeiro a setembro e prejuízo líquido de R$ 933 milhões, acima do ano anterior, segundo levantamento da reportagem em relatórios de desempenhos mensais. No grupo, a perda é de pouco mais de R$ 1 bilhão.

O DIP é uma operação comum em negócios em recuperação judicial, como o da Petrópolis, e pode ser fechado com acionistas de uma empresa, credores ou terceiros - neste caso, foi fechado com um banco que passa a ser credor de dívida extraconcursal da cervejaria. Balanço mostra endividamento total (circulante e não circulante) de R$ 9,8 bilhões em setembro.

O Valor teve acesso à cédula de crédito bancário (CCB) que lastreia a transação com o Original, e que tem entre os avalistas Walter Faria e outros membros da família. Trata-se de uma CCB tradicional de mercado, e a operação não tem como forma de pagamento eventual participação na Petrópolis, ou troca de ações.

Ontem, o colunista Lauro Jardim, do jornal "O Globo", noticiou que a JBS negocia a compra de 50% do grupo Petrópolis.

Segundo advogado que acompanha o caso, as projeções do plano de recuperação acertadas com credores e Justiça não aconteceriam como se esperava se não entrasse o DIP. Por isso, precisaram de uma nova linha, para ter insumos e conseguir produzir, afirma ele.

Segundo alegou a Petrópolis à Justiça, as projeções de fluxo de caixa em que foi baseado o modelo econômico-financeiro do plano não se materializaram "na extensão necessária", e o plano prevê a possibilidade de captação de novos recursos nessa situação.

A informação do DIP é citada no processo de recuperação judicial da Petrópolis, em decisão de liberação feita a pedido da cervejaria junto à 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, em 19 dezembro.

Os R$ 328 milhões entraram na aquisição de malte e maltose, em razão de um "desencaixe" por conta da liquidação de uma operação de debêntures, diz a ação judicial.

A entrada de capital irá liberar uma expressiva parcela do caixa para pagamento de um saldo das debêntures já emitidas. E com isso, ficarão liberadas as garantias a elas atreladas, possibilitando que parte dos ativos passem a garantir a CCB emitida em favor do Original.

Na garantia ao banco estão direitos creditórios de empresas do setor de energia, Tamboril Energética, Carnaúba Geração de Energia e Abranjo Geração de Energia, esta em recuperação judicial, além de uma aeronave, imóveis, máquinas e equipamentos da cervejaria.

Pelo cronograma de pagamento, a taxa de juros será 100% do CDI mais 6,93% ao ano. O pagamento será mensal, com liquidação total em 48 meses (4 anos).

"O DIP Financing revela-se imprescindível para que as recuperandas realizem a captação de novos recursos para manter a continuidade dos seus negócios, a oxigenação do seu caixa e a realização de novos investimentos na operação, como reconhecido pela administração judicial", disse a juíza substituta do caso, Elisabete Franco, da 5ª Vara.

Segundo ela, "a questão se revela ainda mais urgente ao se considerar a proximidade da estação do verão, festividades de fim e início de ano, bem como o feriado do Carnaval que se aproxima, tornando ainda mais importante a manutenção sadia das atividades das recuperandas e a preservação do seu fluxo de caixa", diz Franco.

Procurado, o grupo Petrópolis, diz que o DIP é um instrumento previsto na legislação, e que permite injeção de recursos para despesas correntes, e possibilita que sejam honrados compromissos financeiros, sem afetar a operação.

Sobre uma eventual negociação com a J&F, o grupo não afirma se há ou não conversas. Diz que é constantemente apontado como alvo de grupos nacionais e internacionais interessados em entrar no mercado. E isso mostra como o negócio é bom, formado por uma empresa que "mais aumentou sua capacidade produtiva nos últimos 15 anos", diz

A J&F não se manifestou.


A companhia entrou em crise, na visão de analistas, porque perdeu vendas, após ser menos competitiva em preços e ações do que os rivais, como Ambev e Heineken. Endividamento alto também afetou a operação. Na visão da empresa, ela perdeu mercado porque seus concorrentes têm incentivos da Zona Franca de Manaus, e se beneficiaram de um "planejamento tributário abusivo".

O grupo, que inclui diversas atividades, como bebidas, imóveis e logística, teve R$ 5,9 bilhões em vendas líquidas de janeiro a setembro de 2024, recuo de 28% frente a 2023, quando pediu recuperação, segundo levantamento do Valor nos relatórios financeiros.

O prejuízo líquido dos negócios da família de Walter Faria não diminuiu no ano do plano já homologado. De janeiro a setembro de 2024, a perda foi de cerca de R$ 1 bilhão, mesmo valor do período anterior.

Apenas na Cervejaria Petrópolis S/A, a receita líquida caiu 35%, para R$ 5,5 bilhões até setembro, e o prejuízo foi de R$ 933 milhões, acima dos R$ 903 milhões do mesmo intervalo de 2023. No grupo, eram cerca de R$ 580 milhões em caixa e contas a receber em setembro e endividamento total de R$ 9,8 bilhões.

No plano homologado, em outubro de 2023, foi fechado a venda de frota de 2,9 mil caminhões da empresa ao grupo Vamos (a frota será locada à cervejaria) por R$ 575 milhões e o acordo para pagamento das dívidas em até 10 anos, com deságio médio de 70%.

Valor
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/01/21/banco-da-j-f-financia-r-328-mi-a-petropolis-para-sua-continuidade.ghtml