Operadoras vão além do tradicional pacote de ligações e dados de conexão. Novas ofertas já somam 30% da receita do setor
Por Bruno Rosa
Empréstimos bancários, seguro de vida, cursos de educação, energia elétrica e até internet. É assim que as principais empresas de telecomunicações vêm diversificando cada vez mais seus serviços no país, bem além do tradicional pacote de ligações e dados de conexão. De olho no aumento das receitas, Vivo, Claro, TIM, Sky e Algar estão se transformando em hubs com uma cesta variada de produtos para os milhões de usuários que atendem.
A estratégia envolve ainda a busca de licenças em órgãos reguladores e parcerias com empresas especializadas nos setores elétrico, financeiro e educacional.
Segundo especialistas, a estratégia das teles é a busca pela sobrevivência a médio e longo prazos. Os chamados SVAs (sigla para Serviços de Valor Agregado) vêm crescendo e hoje já respondem por 30% das receitas totais, de acordo com dados da consultoria Teleco.
Em alguns casos, o avanço no número de clientes nestes segmentos supera os 200% somente no último ano. É o caso do serviço de saúde da Vivo, que atingiu 370 mil assinaturas, alta de 217% em relação ao ano passado. Na TIM, a parceria para a área educacional aumentou 75%, de 400 mil para 700 mil usuários neste ano.
Eduardo Tude, presidente da Teleco, diz que a iniciativa visa compensar a queda nas receitas em telecomunicações, em um movimento que começou com a retração na telefonia fixa e, mais recentemente, com a internet se tornando uma espécie de commodity em meio à maior oferta de empresas regionais.
- Então, as maiores empresas passaram a reforçar seus pacotes com mais serviços para vender mais e reter mais clientes, de forma a buscar maior fidelidade - afirma Tude.
Segundo Rodrigo Gruner, diretor-executivo de Inovação, Novos Negócios e Consumer Electronics da Vivo, a estratégia é atender à demanda dos usuários além dos serviços tradicionais de telecomunicações.
Por isso, diz ele, a companhia vem ampliando a oferta de serviços justamente por ter contato com o cliente final e conhecer seus hábitos de consumo. Somente nos nove primeiros meses deste ano, os novos serviços apresentaram crescimento entre 17% e 30%, enquanto o faturamento total avançou 7%.
Aposta em parcerias
Na área financeira, por exemplo, a Vivo obteve uma licença no Banco Central (BC) para oferecer crédito pessoal, cuja linha vai até R$ 50 mil. Hoje, já tem Pix parcelado e linhas como antecipação do saque-aniversário do FGTS, além de seguros. Somente nos últimos 12 meses, até setembro deste ano, as receitas com serviços financeiros cresceram 16%, totalizando R$ 450 milhões.Além disso, o montante total de empréstimos pessoais concedidos via Vivo Pay alcançou R$ 823 milhões entre outubro de 2020 e setembro deste ano. Mas Gruner diz que a companhia está ampliando o portfólio. Uma das ideias é aumentar as apostas em consórcios, hoje restritos à compra de smartphones.
Em saúde, a tele criou um serviço com assinatura mensal que dá acesso a descontos de até 80% em consultas médicas, exames e medicamentos. Em educação, são 72 mil que fazem cursos em parceria com a Ânima. Na área de venda de produtos, a Vivo vem ampliando sua operação de marketplace. Recentemente, fez parceria com a Samsung para a venda de televisores.
- O aumento das receitas da empresa vem naturalmente dessas novas avenidas que funcionam como alavancas de crescimento adicional. Queremos criar uma proposta melhor de valor e permitir que o cliente fique mais tempo na Vivo - diz Gruner, lembrando que a empresa formou recentemente uma parceria para ofertar energia no mercado livre para empresas.
A TIM já tem parcerias com o Descomplica, na área de educação, o Cartão De Todos, com descontos em consultas, exames e medicamentos, e C6 Bank (serviços financeiros). Fabio Avellar, vice-presidente de Receitas da TIM, lembra ainda que recentemente fechou parceria com a Eletrobras para a criação de plataforma de negócios em energia.
O executivo explica que contabiliza essa receita dentro do que chama de plataforma de clientes. Somente no terceiro trimestre, o faturamento chegou a R$ 40 milhões no segmento.
- O objetivo é ir além dos gigas ao oferecer serviços relevantes para o cliente. O foco é aumentar o engajamento e a fidelidade dos nossos clientes e também diversificar nossas receitas. A conectividade traz justamente novas possibilidades. É aí que entram as parcerias - destaca Avellar.
A Claro aumenta as apostas. Segundo Rodrigo Marques, vice-presidente de Estratégia e Gestão Operacional da Claro, a ideia é ir além da conectividade. Ele explica que, com a base de TV por assinatura, a empresa vem criando um hub de entretenimento, com streamings e games. O executivo lembra que, com a Nvidia, vai criar um console virtual de jogos com assinatura mensal.
Há ainda a criação de um centro de controle de automação de casa conectada acessada via app da Claro, que permite acessar câmeras e controlar fechaduras de portas.
- Temos notado que os clientes começam a usar e vão aumentando sua utilização mês a mês. Criamos o Claro Pay, para prover facilidade de serviços financeiros com carteira digital. Se a gente tem conectividade, agrega mais opções - afirma Marques.
Ele diz que a ideia é deixar de oferecer somente um serviço de internet, segmento no qual a competição é elevada:
- Queremos personalizar cada vez mais para agregar valor e ter sinergia com o nosso core business. Fazemos isso com nosso serviço de música e de livros.
O executivo destaca ainda os serviços que vêm sendo desenvolvidos para as empresas com base nas informações de seus usuários. Entram na lista, por exemplo, dados de geolocalização e informações para ajudar companhias a analisar o risco de crédito, no qual utiliza o histórico financeiro dos usuários.
- São usados IA e aprendizado de máquina, por exemplo, para entender a movimentação dos usuários. São dados valiosos para empresas de varejo, por exemplo.
Na Vrio.Corp, que comanda a marca Sky no Brasil, a estratégia envolve a criação de um portfólio completo de soluções, diz Dario Werthein, presidente do Grupo Werthein (GW), controlador da Vrio.Corp. Para ele, a diversificação dos serviços para além da telecomunicação busca se antecipar às necessidades dos consumidores, desde os mais jovens a chefes de família e empresas.
Ele cita a criação de novas frentes de negócios, como a SKX, que oferece serviços financeiros, e a Overlabs, com consultoria, serviços, desenvolvimento de softwares e aplicativos para empresas, com foco na redução de custos operacionais dos clientes.
- Com a expansão dos nossos serviços, agregamos ao nosso portfólio uma proposta integrada por conectividade, benefícios em seguros e energia renovável. O objetivo é oferecer aos nossos clientes atuais e futuros um portfólio diversificado. Por isso, trabalhamos com investimentos e produtos próprios e com alianças estratégicas com outras empresas, como é o caso de energia renovável, seguros e a chegada em breve da internet satelital.
Mudança de paradigma
Guilherme Rela, diretor de Negócios da Algar Telecom, diz que a meta é ter um cardápio completo de soluções, acessíveis e de fácil contratação, com opções em áreas como agro, indústria, entretenimento, saúde, educação e serviços financeiros.Uma das iniciativas da empresa envolve a criação da Algar Telecom Venture Builder, unidade de negócios focada em apoiar startups, para desenvolver soluções proprietárias e firmar parcerias estratégicas.
Ele lembra que a empresa, no caso da telemedicina, vai expandir o serviço para incluir acesso a medicamentos e outros benefícios.
- Observamos uma mudança de paradigma, onde a receita, antes baseada em serviços de voz, agora tem a conectividade como protagonista. Em breve, prevemos uma inversão completa: a conectividade será essencial, mas as operadoras precisarão ser provedoras de soluções completas para diferentes verticais - afirma Rela.
Entre os consumidores, a estratégia vem ajudando no dia a dia. Patricia Villar e Helena Gomes, que atuam na área de moda organizando eventos como o Bazar Beneficente do Horto e comandam o brechó Closet do Horto, não abrem mão de fazer o máximo de coisas possíveis pelo celular.
- O celular é vital para o sucesso do nosso negócio. Já acordo checando mensagens de clientes, passo o dia postando e fazendo fotos das roupas, cadastro peças no sistema de estoque e faço cursos de Gestão Financeira e Marketing pelo aparelho - diz Patrícia.
O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/12/29/teles-se-preparam-para-ir-alem-da-conectividade-veja-os-novos-servicos-que-elas-oferecem.ghtml