Quando o papel dos influenciadores financeiros se sobressai, para o bem e para o mal

Quando o papel dos influenciadores financeiros se sobressai, para o bem e para o mal

Em recente artigo publicado no jornal Valor, voltado para o mercado financeiro e intitulado "Influenciadores financeiros e o mercado de capitais", os advogados Pierpaolo Cruz Bottini, Tiago Rocha e Pablo Naves Testoni , de São Paulo, alertam que "é preciso atenção e buscar formas de enfrentar o uso das redes sociais para distorcer dados e manipular o mercado". Segundo eles, com base em dados da B3, a bolsa brasileira, "o número de brasileiros que aplicam seus recursos em renda variável vem aumentando no país", e já são cerca de 4,6 milhões de pessoas físicas investindo em renda variável (ações na bolsa).

"Não há dúvida de que esse crescimento está vinculado à educação financeira e à segurança jurídica, garantida por um marco legal consistente que prevê, dentre outras coisas, o crime de manipulação de mercado de capitais e de uso de informação privilegiada. A ideia é que todos os participantes do mercado negociem com base nas mesmas informações, sem que alguns tenham acesso a dados exclusivos sobre fatos relevantes de empresas e suas perspectivas de negócio", escrevem os juristas.

Sobre a prerrogativa de que todos negociem com base nas mesmas informações, os juristas não citam, mas é provável que tenham se lembrado de um grande escândalo ocorrida no Bolsa de Valores de São Paulo, no final dos anos de 1980. Naquele episódio, em lance de grande disputa entre um megainvestidor e a diretoria da então Bovespa, a casa foi acusada de usar de "inside information", ou seja, informações privilegiadas, para manipular ações. O escândalo abalou o prestígio da bolsa paulista, que acabou perdendo milhares de investidores e levou até à quebra da Bolsa do Rio.

Hoje, porém, há mais controle na própria bolsa e também fiscalização por parte da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM. E há também a figura dos influenciadores digitais. Com a multiplicação do número de corretoras, a popularização das ações e o surgimento de dezenas de aplicativos fáceis de usar em smartphones, mais gente procurou conhecer os investimentos em renda variável, facilitando assim o aparecimento dos "influencers", ou aqueles que usam com grande habilidade as redes sociais para disseminar suas opiniões para o mercado, indicando investimentos, sugerindo operações, criticando e elogiando ativos mobiliários ou empresas.

Nas palavras dos autores do artigo do Valor, "são pessoas capazes de influenciar comportamentos, fomentar ideias e servir de fonte de informações para os seus seguidores em determinado assunto ou área. Quando bem-intencionados, contribuem para a popularização do setor e para a diversificação dos investimentos. Quando mal, podem ser instrumentos de manipulação de mercado, em especial se usam suas redes e influência para propagar informações falsas, incompletas ou distorcidas a um número grande de pessoas em pouco tempo, prejudicando incautos e beneficiando operadores que já conheçam as opiniões que serão apresentadas ao público em geral".

Segundo a CVM, prosseguem os advogados, "cerca de 75% de investidores que passaram a operar no mercado de valores mobiliários deram início a essa empreitada depois que assistiram a canais de youtubers e a outras formas de conteúdo disponibilizados por influenciadores financeiros. E não têm sido poucos os casos de pessoas que perderam grande parte do patrimônio familiar em razão de investimentos malsucedidos em operações materializadas no mercado de renda variável, como o de ações, depois de receber informações de pessoas desprovidas de conhecimento apropriado para explicitar com clareza e segurança a modalidade de investimento propugnado livremente em suas redes sociais."

Ficar atento à carreira e ao histórico desses influenciadores é a primeiro cuidado que o investidor deve tomar quando for seguir um conselho de compra de ações ou até mesmo das criptomoedas - as moedas digitais que concentram o maior número de boletins de ocorrência feitos por pessoas que passaram pela amarga experiência de um mal aconselhamento.

Para coibir esse tipo de ação, a CVM fiscaliza o mercado brasileiro, onde a manipulação de mercados é crime, com pena de 1 a 8 anos de prisão. Para fiscalizar os influenciadores digitais e identificar a possível prática do delito, existe um convênio entre essa autarquia e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Esta entidade mantém cursos de certificação que são exigidos dos corretores, e que atestam as qualificações necessárias a esses profissionais para aconselhar com maior propriedade clientes de corretoras e bancos.



A SEC condenou a atriz e digital influencer Kim Kardashian a pagar uma multa de US$ 1,26 milhão (cerca de R$ 6,3 milhões)


Nos Estados Unidos, a correspondente da CVM é a a Securities and Exchange Commission (SEC), que tem combatido e punido alguns influenciadores, inclusive famosos da internet, artistas de TV e desportistas. Aqui é necessário uma diferenciação. Se os influenciadores financeiros mostram certas habilidades no uso dos termos e de números do mercado acionário, os "famosos" apenas emprestam sua imagem para divulgar criptomoedas, ações e imóveis ao redor do mundo. Não raras vezes, entretanto, esses dois players andam de mãos dadas nos anúncios que veiculam na internet.

Este ano, a SEC condenou a atriz e digital influencer Kim Kardashian a pagar uma multa de US$ 1,26 milhão (cerca de R$ 6,3 milhões), para celebrar um acordo em ação civil após a estrela de reality shows divulgar um criptoativo até então desconhecido, o EthereumMax, na sua conta do Instagram. A entidade denunciou Kardashian por não revelar que recebeu US$ 250 mil (cerca de R$ 1,25 milhão) para publicar um post no Instagram. Além de pagar a multa, ela concordou em cooperar com a investigação da SEC em andamento e também se comprometeu em não promover nenhum outro criptoativo em suas redes pelo prazo de três anos.