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O escândalo do trabalho escravo que abala a indústria do vinho no Brasil

O escândalo do trabalho escravo que abala a indústria do vinho no Brasil

Segmento teme agora penalização de toda cadeia produtiva, que envolve mais de 750 vinícolas, muitas centenárias e de fabricação familiar

O escândalo envolvendo três grandes vinícolas do Rio Grande do Sul manchou a imagem de uma indústria que vinha crescendo em todo o Brasil, em especial no sul do país. Apenas no estado que é o maior produtor nacional, são cerca de 20 mil famílias produtoras de uva, em uma área de 46 mil hectares, somando mais de 750 empresas, segundo dados divulgados pelo Canal Rural.

No final de fevereiro, uma operação da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Ministério do Trabalho e Emprego, se deparou com um cenário análogo à escravidão, com 207 trabalhadores alojados com péssimas condições de higiene e alimentação, no município de Bento Gonçalves (RS).




Contratados por uma empresa especializada em terceirização, a Fênix, esses operários vieram em sua maioria do estado da Bahia e, além de sofrerem com as condições de trabalho, foram vítimas de ameaças dos contratantes caso optassem por abandonar os alojamentos.

A primeira atitude dos grandes produtores envolvidos - Salton, Aurora e Garibaldi - foi divulgar notas à imprensa afirmando que desconheciam a relação terceirizada-trabalhadores. Longe de resolver a questão, tal medida só aprofundou a crise desses produtores ao procurarem se eximir de responsabilidade. A Associação dos Produtores do Vale dos Vinhedos (Aprovale) foi pela mesma linha equivocada, declarando que o ato foi praticado por um contratante e não pelas vinícolas.

A resposta foi insuficiente para a opinião pública e para o mercado. A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), suspendeu a participação das três vinícolas em feiras internacionais, missões comerciais e eventos promocionais. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) recomendou às igrejas que não comprem vinhos de marcas associadas ao trabalho escravo. Redes de supermercado e lojas especializadas retiraram vinhos das três marcas de suas prateleiras e sites.

O estrago, como se vê, foi e continua sendo grande. Ainda mais que a safra de uva está em plena colheita e deve alcançar 700 mil toneladas. Segundo a Secretaria de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, a indústria sulina de vinho e suco de uva movimenta cerca de R$ 3 bilhões ao ano.

Passando a agir com mais presteza, três dirigentes das vinícolas envolvidas no escândalo estiveram reunidos semana passada com o Ministério Público do Trabalho, para discutir o compromisso de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Um acordo foi divulgado na sexta-feira (dia 10), com as empresas se comprometendo a pagar indenizações que alcançam R$ 7 milhões para reparar danos de trabalho análogo à escravidão e aplicar mudanças em suas políticas de contratação e fiscalização.

No mesmo dia, o presidente da Vinícola Salton, Maurício Salton, concedeu entrevista ao jornal Valor, onde admitiu que os empresários envolvidos deveriam ter sido mais diligentes, e que agora vão trabalhar para corrigir a falha e honrar os compromissos.

O crítico Jorge Lucki, que escreve semanalmente no Valor, também abordou o assunto em sua mais recente coluna. Ele lembrou que, ao trabalhar como engenheiro em obras, nos anos de 1970 e 80, viu situações análogas no setor da construção. Houve então um movimento forte dos sindicatos e hoje os alojamentos das empreiteiras apresentam condições muito melhores.

Segundo o crítico e enólogo, as vinícolas terão que se adequar e procurar resolver o problema da falta de mão de obra para o pesado trabalho de colheita - algo que também acontece nos demais países produtores.

Jorge Lucki finaliza lembrando que na região da Campanha - faixa de fronteira com o Uruguai onde estão os municípios de Bagé e Aceguá -, a topografia é suave e os vinhedos foram implantados pensando em mecanização. Já há inclusive colheita mecanizada, com máquinas semelhantes a grandes tratores, utilizadas na produção de vinhos mais comerciais.