Quanto vale um clube de futebol (sem contar a paixão do torcedor)

Quanto vale um clube de futebol (sem contar a paixão do torcedor)

Não é só no Brasil, com as negociações envolvendo Cruzeiro e Botafogo, que o mercado da bola está à toda. Na Inglaterra, a imprensa acaba de anunciar a venda do clube inglês Southampton por 100 milhões de libras esterlinas - algo próximo dos R$ 800 milhões.



Dragan Solak - Divulgação

Por esse valor, o bilionário sérvio Dragan Solak, empresário do setor de comunicação e da Sport Republic, levou 80% do time que pertencia ao chinês Gao Jisheng. Os outros 20% permaneceram nas mãos da suiça Kathalin Liebherr, herdeira do antigo dono. O Southhampton disputa a Premier League inglesa mas é apenas o 14º colocado, longe de pertencer à elite comandada hoje pelo Manchester City, líder do campeonato.

Quanto custa um clube e como avaliar isso? Para o torcedor, vale dezenas de milhões ou talvez bilhões, pois ele considera a história de seu clube, às vezes centenária, ou o tamanho da torcida, que pode ultrapassar alguns milhões quando pensamos em Corinthians, Flamengo, São Paulo, Palmeiras e Atlético Mineiro. Tem também o valor da marca a se considerar, pois ela é capaz de atrair patrocínios e grandes investidores. Tudo isso é válido, mas é na ponta do lápis das finanças que as discussões vão tomando corpo, rumo ao desejado acerto final.

Lembram-se do "valuation"? Um dos termos mais usados em lançamentos das ofertas iniciais públicas, os IPOs, que mostra o quanto as empresas entrantes no mercado de ações pretendem valer a partir da venda de seus papéis nas bolsas? O valuation significa o valor dos ativos de uma companhia, que são as suas estruturas que geram valor e receitas.

Em recente artigo redigido para o site InfoMoney, o economista Cesar Grafietti, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte, elenca algumas maneiras de se atingir essa valuation e, a partir dele, chegar ao "Enterprise Value" e finalmente ao "Equity Value", que é a mensuração que vem sendo utilizada na negociação dos clubes.

Segundo o autor, é possível usar o tradicional Fluxo de Caixa Descontado, uma projeção de longo prazo em que se apura quanto esses ativos gerarão de valor no tempo. Mas ele alerta para as dificuldades específicas do futebol, como risco de rebaixamento, mudanças contratuais de transmissão e negociações de atletas, entre outros. Pode-se também usar o Markham, um modelo teórico, específico para o futebol, que mistura receitas, lucro, salários, ativos líquidos e até taxa de ocupação dos estádios.

Outra opção levantada pelo colaborador da InfoMoney é usar múltiplos, como fazem algumas indústrias em que o valor de um ativo é definido por um múltiplo de Ebitda (a geração de caixa, formada pelas receitas, menos as despesas e custos, desconsiderando a depreciação e a amortização).

Nas negociações de shopping centers, por exemplo, ele lembra que se utiliza o "múltiplo de NOI (Net Operation Income)" como referência de valor. No futebol, utiliza-se o múltiplo sobre a receita, pois nem todos os clubes geram Ebitda - ou, quando geram, ele costuma ser muito instável.

Utilizando-se um desses métodos, ou talvez mais de um, chega-se ao esperado "Enterprise Value", ou o valor da firma. Aqui já estamos quase nos aproximando do preço, na prática, que poderia ser pago por um clube. Mas calma. Ao atingir o "Enterprise Value", a partir do valuation, o cálculo seguinte será o do "Equity Value", ou o valor do patrimônio líquido, a parte de capital próprio que sustenta o ativo.

Em uma negociação, o Equity Value é o quanto o vendedor receberá efetivamente pela negociação. A conta será: Enterprise Value - Dívida = Equity Value. Traduzindo, o clube vendedor receberá a diferença entre quanto vale o negócio e as dívidas líquidas com terceiros.

O quadro abaixo mostra uma relação de clubes que recentemente foram negociados na Europa, ou estão com alguma chance de serem negociados, além de dois clubes de capital aberto.




O autor também providenciou os cálculos relativos a Botafogo e Cruzeiro, avaliando a receita média dos últimos cinco anos desses times. As dívidas, conforme já divulgado pela imprensa, são de R$ 717 milhões (Fogão) e R$ 821 milhões (Raposa). Segundo ele, as contas indicaram que a dívida é maior que o valor dos ativos. Na prática, os clubes brasileiros acabam valendo menos do que a dívida (e muitos estão bem endividados).

A conclusão é que os clubes foram negociados considerando basicamente o valor da dívida. Os R$ 400 milhões dos aportes de Ronaldo Fenômeno e John Textor são recursos para tocar a operação, sem os quais os times provavelmente teriam sérias dificuldades para administrar o operacional ou mesmo manterem-se em suas atuais divisões, as Séries A e B. Lembrando que, cair para a Série C, é perder as transmissões nacionais das partidas. Ou seja, quase uma sentença de morte.

Assim, Botafogo e Cruzeiro não saíram "de graça", como já foi aventado por alguns torcedores e cartolas. Ambos entram agora em uma fase de recuperação que pode lhes trazer resultados financeiros, jurídicos e esportivos favoráveis dentro e fora de campo, reduzindo dívidas, contratando novos jogadores por valores mais condizentes com a realidade brasileira e, o mais almejado, disputando títulos brasileiros e até sul-americanos.

Um fato, porém, deve ser considerado. Não há fórmula pronta, "receita de bolo", para negociações que começam a entrar na órbita do futebol a partir da aprovação da Lei das SAFs. Os casos de Cruzeiro e Botafogo podem ser parecidos, em função do montante das dívidas, mas outros clubes, principalmente da Série A mas também da Série B, estão em melhor situação financeira. Ou então, valem mais pelo patrimônio que possuem, pelo tamanho das torcidas - que consomem todo tipo de produtos a começar das camisas oficiais -, pelo porte de seus elencos e por títulos obtidos recentemente.