O ELEITO - O ex-prefeito vota em SP: apoio de três em cada quatro petistas (@edinhosilvapt/Instagram) |
Com partido dividido e estagnado, Edinho Silva enfrenta desafios no comando do PT

Com partido dividido e estagnado, Edinho Silva enfrenta desafios no comando do PT

Novo presidente da sigla tem missões complexas: articular a campanha de 2026, levar o petismo ao centro e preparar o pós-Lula


Por Isabella Alonso Panho, Heitor Mazzoco, José Benedito da Silva

Em outubro de 2000, aos 35 anos, o sociólogo Edinho Silva foi eleito prefeito de Araraquara (SP) em uma disputa municipal que colocou vários petistas no comando de grandes e médias cidades pelo país, como Marta Suplicy (São Paulo), Tarso Genro (Porto Alegre) e Antonio Palocci (Ribeirão Preto), todos depois alçados à condição de caciques da legenda. A onda petista antecipava de certa forma o que seria o maior movimento da história do partido: a chegada inédita à Presidência da República, em 2002, com Luiz Inácio Lula da Silva. Um quarto de século depois, Edinho, eleito presidente nacional do PT, alcança o topo da sigla pela qual milita desde 1985, mas em situação bem diferente. Com um partido dividido e estagnado, um governo pressionado e confuso e um cenário pré-eleitoral adverso, ele tem como objetivo superar esses desafios e, como ocorreu em 2022, quando coordenou a campanha presidencial, ajudar Lula a obter seu quarto mandato no Palácio do Planalto.

O trabalho de Edinho deve ser facilitado pela esmagadora vitória que obteve (quase 75% dos votos) e pela cara do PT que emergiu das urnas. O escrutínio terminou com a predominância, na ampla maioria dos estados, de dirigentes convencidos de que é preciso dar um passo ao centro e ampliar as alianças estratégicas da legenda. Essa foi não só uma das prioridades de Edinho, como um diferencial seu na campanha. Na semana da eleição, os adversários Rui Falcão, Valter Pomar e Romênio Pereira divulgaram uma carta em que afirmavam que "parlamentares de direita querem governar o Brasil, esvaziando os poderes que o povo delegou ao presidente Lula" e defendiam que o PT optasse por quem não tivesse medo de ir para o "embate" - Edinho, claro, não assinou o documento. "Não tem problema o PT ter as suas posições e defender a sociedade, o PP ter as suas posições e defender a sociedade, o MDB, o PSD e assim por diante. Os partidos têm o direito de ter a sua agenda. Agora, em algum momento nós temos que sentar à mesa", disse em entrevista logo após a vitória. Uma de suas prioridades é tentar reaproximar do projeto eleitoral governista as legendas que têm espaços na Esplanada dos Ministérios, como PP, União Brasil, Republicanos e PSD, mas dão sinais de que estarão na canoa da oposição no ano que vem.

PRIORIDADE - Lula na cúpula do Brics: reeleição vai pautar a agenda do partidoPRIORIDADE - Lula na cúpula do Brics: reeleição vai pautar a agenda do partido (Ricardo Stuckert/PR)

Não será tarefa fácil, mas alguns fatos recentes aumentaram o otimismo. A imposição de tarifas de 50% aos produtos nacionais feita por Donald Trump em carta na qual o americano critica o processo contra Jair Bolsonaro, em curso no STF, deu novo fôlego à disputa contra a direita, que vinha pleiteando uma medida dura do governo dos Estados Unidos. Antes disso, a campanha do Planalto na base de pobres contra ricos, que tem como combustíveis o aumento do IOF, a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5?000 reais por mês e a tributação de bets, bancos e bilionários, já havia ganho tração nas redes sociais, abrindo perspectiva para uma melhora nos índices de popularidade. "Se isso acontecer, a aproximação com outros partidos, mesmo esses que se afastaram agora, se refaz", acredita o senador Humberto Costa, presidente interino do PT até a posse de Edinho, no início de agosto.

Prioridade na gestão do novo presidente da sigla, a recuperação de pontes com os partidos que se afastam do governo é fundamental para reeleger Lula. Pesquisas recentes mostram que, mesmo sem o ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível, o petista teria dificuldades contra vários nomes da direita, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Paraná, Ratinho Junior (PSD), ou membros do clã Bolsonaro, como a ex-primeira-dama Michelle. Atrair siglas grandes como PP, União Brasil, MDB e PSD envolveria, porém, ceder espaços importantes nas chapas nos estados. "O desafio é trabalhar pela reeleição de Lula, juntando partidos do campo progressista e o centro democrático para evitar o retrocesso, como já vivemos de 2019 a 2022", prega o deputado federal Alencar Santana (PT-SP).

arte Edinho
Antes de ir em busca de outros partidos, no entanto, Edinho precisa curar as feridas no próprio PT. A legenda foi para a disputa interna bastante dividida, com quatro candidaturas a presidente e rachas em dezoito estados. Em cinco deles, haverá segundo turno no dia 27 de julho. O Paraná é um bom exemplo de encrenca. O deputado Zeca Dirceu, apoiado pelo pai, o ex-ministro José Dirceu, teve 7?600 votos contra 7?200 de Arilson Chiorato, apadrinhado da ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. O pano de fundo é 2026, já que, além de controlar o caixa de campanha, o dirigente estadual tem influência na definição de candidaturas - Gleisi e Zeca querem uma vaga ao Senado. No Maranhão, a apuração não havia acabado até quinta 10, com troca de acusações pesadas sobre fraudes. "Golpistas não passarão no PT", diz trecho de carta divulgada por um grupo liderado pelo deputado federal Rubens Júnior. Em Minas Gerais, foi pior: nem o primeiro turno houve depois que a deputada Dandara Tonantzin foi à Justiça para garantir a candidatura a presidente estadual, o que adiou a eleição para domingo 13.
RACHA - Gleisi Hoffmann e Zeca Dirceu: disputa apertada entre os dois grupos no Paraná deixa em aberto o futuro da sigla no estado
RACHA - Gleisi Hoffmann e Zeca Dirceu: disputa apertada entre os dois grupos no Paraná deixa em aberto o futuro da sigla no estado (Gil Ferreira/Ascom-SRI; Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Ministra da articulação política de Lula, Gleisi ficou com um gostinho de derrota por ver seu aliado, que tentava a reeleição, ser obrigado a disputar um segundo turno - mas houve ministros que perderam mais. O grupo de Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência) foi derrotado em Sergipe pela ala do senador Rogério Carvalho, que é próximo do governador Fábio Mitidieri (PSD). Anielle Franco (Igualdade Racial) e o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, amargaram reveses no Rio, onde triunfou Diego Zeidan, filho do prefeito de Maricá, Washington Quaquá. Zeidan é secretário municipal de Habitação de Eduardo Paes (PSD), pré-candidato ao governo. A ideia é ampliar alianças avançando no campo inimigo. "Quero parte da base do Cláudio Castro fazendo campanha para o Lula em 2026", afirma Quaquá, referindo-se ao governador do PL, ligado ao bolsonarismo e que apoia para seu sucessor Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Também saíram vitoriosos em seus estados os grupos ligados aos ministros Camilo Santana, no Ceará, e Wellington Dias, no Piauí. Na Bahia ganhou o candidato apoiado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner - o ministro Rui Costa não teve um nome seu na disputa.

Outro ponto fundamental para Edinho, como ele próprio insistiu na campanha, será oxigenar o partido. Fundado nos anos 1980, na ditadura, com o apoio de intelectuais, da Igreja Católica e do sindicalismo, a legenda tem hoje dificuldade com alguns temas e segmentos do eleitorado, como jovens e evangélicos. "A base com que o PT cresceu mudou. Uma parcela da população foi retirada da linha de pobreza e hoje tem preocupações diferentes. Não é só a sobrevivência, mas que o governo não interfira na sobrevivência que o cidadão conseguiu construir, seja nos impostos ou no suporte ao empreendedorismo", diz o cientista político Yuri Sanches, diretor da Atlas­In­tel. "Precisamos de um PT mais aberto a outros setores, que dialogue com classe média, que encante novamente a juventude", ecoa o deputado estadual Emidio de Souza. Um sinal de alerta veio da última pesquisa Datafolha, que mostrou que, pela primeira vez, o eleitorado que se diz "bolsonarista" empatou com o que se identifica como "petista" (veja o quadro).

VITORIOSOS - Diego Zeidan e o pai, Quaquá: triunfo sela aliança do PT com Paes
VITORIOSOS - Diego Zeidan e o pai, Quaquá: triunfo sela aliança do PT com Paes (@washington.quaqua.5/Instagram)


Edinho Silva é um sobrevivente dos anos em que o petismo enfrentou chumbo grosso da Lava-Jato. Ex-tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff em 2014, ele ficou no alvo de investigações sobre doações suspeitas da Odebrecht, UTC e JBS, mas conseguiu que todas fossem arquivadas. É descrito por aliados como alguém que tem capacidade para ouvir, que não deixa ninguém para trás ou de fora das discussões e que sabe dialogar com contrários, além de ter disposição para circular. A deputada estadual Thainara Faria (PT-SP), que foi vereadora em Araraquara, lembra que Edinho percorreu 643 dos 645 municípios paulistas quando era presidente estadual da sigla e que, agora, foi a 22 estados fazer campanha para liderar o PT. "Não tem preguiça, trabalha muito, debate para defender o que acredita", diz Faria. O primeiro trecho da caminhada será curto, até 2026, mas cheio de percalços e com final incerto. Jornada ainda mais difícil estará logo adiante: preparar o petismo para buscar o herdeiro de Lula. Sem dúvida, será um desafio estelar.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2025, edição nº 2952
https://veja.abril.com.br/politica/com-partido-dividido-e-estagnado-edinho-silva-enfrenta-desafios-no-comando-do-pt/