Raphael Di Cunto
Primeira-dama fez bem ao tratar com presidente chinês da influência das redes sociais sobre os jovens
A primeira-dama Janja da Silva tem cometido muitos erros ao longo do mandato de seu marido, que lhe renderam a fama de deslumbrada e atrapalham o próprio governo, mas a fala sobre a necessidade de regulação das redes sociais num jantar com o presidente da China, Xi Jinping, não se enquadra em um desses episódios.
As críticas da oposição à quebra de protocolo são, no mínimo, descabidas. A conversa foi muito, mas muito menos grave do que os ataques públicos e reiterados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao governo chinês, que até derrubaram o seu ex-chanceler.
"Ah, mas ela não deveria falar num jantar desses." Desculpe, mas se ela foi ao jantar, não é esperado que usasse a boca apenas para mastigar.
A preocupação com o conteúdo recebido por crianças e adolescentes nas redes é meritória e deve ser levada às autoridades, que podem fazer algo contra a extensa e conhecida lista de problemas causados pelas mídias sociais, a começar por casos de depressão e suicídio.
A ficha corrida do "Hitler da Bahia" é a prova disso. Preso desde 2024 sob acusação de crimes digitais, como estupro virtual, incentivo à automutilação, comercialização de imagens de pedofilia, cyberbullying, stalking e violência psicológica contra mulher, ele não agia sozinho. Liderava 600 jovens, num dos milhares de grupos espalhados na internet.
As empresas por trás das redes sociais pouco se importam, desde que o conteúdo engaje o suficiente para que você e seu filho sejam bombardeados com publicidade. Amparadas pela lei brasileira, dizem que a culpa é de quem produz e se eximem de qualquer responsabilidade, como se não fossem elas os veículos capazes de distribuí-lo.
O governo Lula é minoritário no Congresso e incapaz de mudar essa lei. Faz sentido, portanto, que Janja e o Brasil tratem do assunto em todas as instâncias possíveis e cobrem da China uma postura mais ativa sobre o que o TikTok faz fora de suas fronteiras.
O que não faz sentido é Lula pedir que "uma pessoa de confiança" do governo chinês venha ao Brasil "discutir a questão digital". Tomar como "experiência" o que é simplesmente censura só dá munição a quem lucra, financeira ou politicamente, com a falta de regulação das redes.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/raphael-di-cunto/2025/05/janja-desta-vez-esta-certa.shtml