Essencialmente políticas, elas obrigam a uma revisão de conceitos sobre o que significa ocupar esse 'cargo'
Fábio Zanini
Há 60 anos, o Brasil discutia o janguismo, agora é a vez de debater o janjismo. A primeira-dama, Janja Lula da Silva, exerce um fascínio sobre a política e a imprensa, a qual não sabe muito bem como lidar com uma personalidade inédita no cenário nacional. Não é ministra nem assessora, mas tem mais poder e causa mais barulho do que a maior parte da equipe formal do marido.
A ela se soma Michelle Bolsonaro, pronta para exercer o papel de Winnie Mandela dos trópicos no mais que provável cenário de prisão de Jair, cônjuge e ex-presidente.
Não é difícil visualizá-la chegando para visitar o marido na cadeia, com semblante fechado, levando sacolas com roupas e alimentos, e na saída dando uma entrevista em tom desafiador. O impacto político e eleitoral é imprevisível, mas pequeno não será.
Michelle aparece em alta nas bolsas de apostas para substituir Jair lá por setembro de 2026 (ou antes), quando a mentirinha da candidatura do ex-presidente finalmente cair por terra.
No mandato do marido, ela não sofreu 10% dos ataques que Janja aguenta hoje, porque fazia o figurino tradicional das primeiras-damas.
Desabrochou como política apenas na campanha de 2022, mais especificamente na convenção que lançou a candidatura à reeleição de Bolsonaro, no Macaranãzinho, no Rio de Janeiro, com um discurso eloquente que surpreendeu até os seus marqueteiros. Desde então, não parou mais, e sua oratória de pastora é ponto alto de qualquer manifestação bolsonarista.
Sempre que se fala em primeiras-damas com luz própria vem à tona o nome de Ruth Cardoso, mas o precedente é imperfeito. Mal comparando, ela se comportava como uma ministra de uma pasta técnica no mandato de Fernando Henrique Cardoso, restrita à sua área de atuação, o programa Comunidade Solidária, e sem abrir a boca, ao menos em público, sobre mais nada.
Janja e Michelle, por outro lado, são essencialmente figuras políticas e despontam como herdeiras dos dois principais líderes do país nos últimos 50 anos.
Um homem com um casaco amarelo acena para a multidão, sorrindo. Ao seu lado, uma mulher com uma camiseta verde que tem a palavra 'Brasil' estampada sorri e também acena. Ao fundo, várias pessoas estão segurando celulares, registrando o momento. O ambiente parece ser um evento ao ar livre.

É inevitável notar que outros países já avançaram muito mais na evolução desses conceitos. Na Argentina, Cristina Kirchner foi uma presidente mais influente que seu marido, Néstor. Nos Estados Unidos, Hillary Clinton chegou muito perto da Casa Branca. O Brasil inevitavelmente seguirá o mesmo caminho.
Goste-se ou não delas, Janja e Michelle inauguraram um novo período nessa função exótica que é o primeiro-damismo, e estarão cada vez mais expostas a críticas e cobranças.
Não é difícil imaginá-las duelando na tribuna do Senado daqui a uma década -se alguma não se eleger presidente antes, claro.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/fabiozanini/2025/05/janja-e-michelle-sao-aliadas-involuntarias-na-mudanca-do-que-e-ser-primeira-dama.shtml