Em entrevista exclusiva, primeira-dama diz que petista escreveu ao santo padre quando neto de sete anos morreu e afirma que fechou rede social depois que leu mensagens de ódio dirigidas a Francisco
Mônica Bergamo
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, teve que segurar o choro diversas vezes ao conversar com a coluna sobre a relação dela e de Lula (PT) com o papa Francisco, morto na segunda (21).
A lembrança mais dura, diz, foi de quando o presidente e o santo padre trocaram cartas na época em que o petista estava na prisão.
Arthur, neto do presidente, acabara de morrer, aos sete anos. "Ele [Lula] decidiu escrever ao líder espiritual", relata. Em pouco tempo, recebeu uma carta com a resposta do papa. Era um momento de desesperança que o acolhimento do santo padre o ajudou a superar.
Ela conta que, em um dos encontros que teve com o pontífice, Francisco pegou em sua mão e disse que uma pessoa só pode olhar de cima para baixo a outra quando a ajuda a se reerguer do chão. "Vou guardar para sempre em minha memória", diz Janja, que chorou também ao se recordar do dia em que viu o rosto de sua mãe, vitima da Covid, pela última vez
NOTÍCIA DA MORTE
Como vocês receberam a notícia da morte do papa Francisco?
Era feriado, então a gente acordou um pouco mais tarde, umas 7h30, 8 horas. Eu sempre deixo o meu telefone [no modo] "não perturbe" à noite. E não vejo as mensagens que chegam.
O meu marido se levantou e foi ao banheiro. Eu, ainda na cama, desativei o "não perturbe". E começaram a entrar algumas mensagens do AJO [ajudante de ordens]. Eu achei estranho, né, às 7h da manhã?
Vi então também uma mensagem da embaixatriz Luciana, esposa do embaixador [do Brasil em Roma, Renato] Mosca [de Souza]. E na hora eu já pensei: "O papa faleceu". Levantei rápido, avisei o meu marido e já liguei a televisão para ver as notícias.
E um filme foi passando na minha cabeça porque, em fevereiro, eu tive um encontro com ele, bastante emocionante, que ocorreu depois que ele tinha saído do hospital.
Nós chegamos a fazer uma celebração pela saúde do papa [no dia 26 de fevereiro, depois que Janja voltou da viagem]. E estávamos acompanhando [as notícias sobre a saúde do pontífice].
Quando, no domingo (20), ele apareceu [na sacada da Basílica de São Pedro] para celebrar a Páscoa, ainda que com muita dificuldade, deu um ânimo vê-lo ali. Ele tinha essa missão ainda a cumprir, e é muito simbólico ele ter partido no domingo da ressurreição.
Vocês estavam em Brasília?
Sim. Estávamos na Granja do Torto. A gente se sentou para tomar café [da manhã] e eu não consegui segurar as lágrimas. O meu marido fica olhando para mim porque eu começo a falar e choro.
Agora mesmo [na manhã de terça, 22] rezamos pela memória do papa Francisco, e eu já comecei a chorar pensando no tanto que ele vai fazer falta para o mundo, sabe? Porque ele não era só um guia espiritual, um líder da Igreja Católica. Ele era um líder mundial.
A palavra de solidariedade de que o mundo precisa hoje em dia estava condensada nas mensagens dele sobre as mulheres, sobre a justiça social, sobre a paz.
Quando visitei a embaixada da Palestina em Brasília, ganhei de presente das funcionárias um casaco bordado pelas mulheres artesãs palestinas.
Eu usei esse casaco na reunião do G7 em que eu e o presidente Lula nos encontramos com o papa [em junho de 2024]. Eu não preciso falar nada quando eu visto aquele casaco, porque ele traz toda essa mensagem contra a guerra, contra o genocídio, principalmente de mulheres e de crianças, na Faixa de Gaza.
O papa Francisco falar no Domingo de Páscoa, em sua última mensagem, sobre Gaza foi muito importante.
A gente precisa honrar esse legado do papa Francisco e seguir na luta por um mundo mais solidário. É isso o que precisamos levar para dentro dos nossos corações. E eu não sei se vocês sabem: eu fechei o meu Instagram.
Por quê?
Tomei essa decisão depois que postei uma imagem do papa Francisco rezando, e em que eu pedia pela saúde dele.
As meninas [que a assessoram] sempre me dizem para não ler os comentários [postados por internautas]. Mas eu leio. Quando vi comentários de gente desejando a morte do papa Francisco, eu falei "não". Não dá.
A minha saúde mental estava ficando abalada. E é um desrespeito também às pessoas que me seguem e que querem saber das coisas que eu falo e faço.
Você fechou o perfil para comentários?
Fechei para comentários e para novos seguidores. Temos que fazer uma limpeza [para retirar seguidores e robôs] porque precisamos de um ambiente saudável, para mim e para quem me segue.
Você entra [no perfil de Janja no Instagram] e tem milhares de comentários de ódio? É desgastante. É para dizer "meu Deus, que mundo realmente é esse?". Enquanto estão me xingando, ok. Mas desejar a morte do papa, para mim, foi demais.
Ele ficou pensando o dia inteiro, sabe, que perdeu um amigo querido, um companheiro de caminhada. Que o mundo perdia um líder importante, não apenas espiritual, mas político, de ação voltada para o bem de todos.
Ontem a gente viu diferentes imagens do papa Francisco, com uma criança autista, com um cachorro. Mas a imagem que mais me impacta é a dele caminhando sozinho na Praça São Pedro, no Vaticano, durante a pandemia.
Por quê?
Talvez porque a minha mãe morreu de Covid. Apesar de a praça estar vazia, milhões estavam ali com ele em oração.
Eu já falei para o meu marido que, quando algumas pessoas falam daquela época [de forma negacionista], eu fico muito irritada. E com razão, né? A minha mãe agonizou numa cama de hospital antes de ser intubada.
A última imagem que eu tenho da minha mãe é de ela abrindo um saco preto para que eu pudesse ver seu rosto pela última vez na UTI do hospital. E depois não pude fazer mais nada. As pessoas que morreram naquele momento partiram sem que a família pudesse se despedir, sem nada.
[chorando] Desculpa falar disso. Ainda é difícil. Ser obrigada a ficar no mesmo espaço com essas pessoas [que negam a gravidade da pandemia], para mim, é uma profunda falta de respeito à memória da minha mãe e às de milhares que morreram.
[Nesses momentos] Volto sempre à imagem do papa Francisco para lembrar que o lugar em que eu estou hoje também exige um pouco dessa paciência, compreensão e tranquilidade.
primeira-dama do Brasil
[interrompendo] Tem uma coisa aqui para te mostrar, e que eu estava até mostrando para o meu marido agora. É justamente a carta que ele escreveu ao papa, e a resposta do papa a ele.
[Ergue um documento para a câmera] O papa falava bastante sobre a prisão política [de Lula]. Não por acaso, a primeira viagem que meu marido fez ao sair da prisão foi para ir ao encontro do papa.
Qual foi o impacto da carta do papa sobre Lula, do ponto de vista pessoal?
Ele passou por diferentes momentos naqueles 580 dias [de prisão]. Houve momentos de desesperança. E aquele era o momento em que o Arthur [neto de Lula de 7 anos] tinha morrido.
Ele [Lula] estava realmente bastante abalado, e talvez por isso escreveu uma carta ao líder espiritual.
[Janja se emociona] Para que ele pudesse também, né... por mais que as pessoas estivessem ali fora na vigília [referindo-se a apoiadores que acamparam na entrada da Superintendência da Polícia Federal], a mensagem do papa Francisco naquela circunstância foi fundamental para ele saber que estava no caminho certo, da busca [pelo reconhecimento] da inocência.
Foi a mensagem de um líder espiritual, para [Lula] saber "Deus está contigo". Eu acho que isso deu muita força para ele. [Chorando] Falar desses momentos da prisão do meu marido, e da morte do Arthur... Mas, enfim [Janja tira os óculos para limpar as lágrimas].
Naquele momento não havia perspectiva de que Lula poderia sair da prisão, não é?
Não, não. Foi um momento bem difícil. De dúvida. Mas em que ele sabia que estava no caminho certo, e que a dignidade dele era maior do que tudo.
Esses dias eu falei pra ele: "Você me ensinou uma coisa muito importante, que é [o sentido da] palavra dignidade". Não tinha perspectiva [de liberdade]. Acho que tudo o que aconteceu... o mundo caminhou muito rápido. Algumas coisas acontecem só por Deus mesmo, né? Porque a gente tenta, mas não encontra explicação.
primeira-dama do Brasil
Depois da eleição [para Presidente da República], tivemos dois encontros reservados com o papa Francisco. E era possível sempre perceber a afetuosidade que existia entre os dois [Lula e o papa]. O respeito, o carinho e a amizade construída por trilharem o mesmo caminho, da justiça social, da solidariedade, da igualdade e do combate à fome.
O primeiro dos encontros foi no Vaticano, em 2023. Foi um dos momentos mais especiais porque um ano antes, em 2022, depois do primeiro turno das eleições, eu tinha ido ao Círio de Nazaré [em Belém do Pará].
Era feriado, então a gente acordou um pouco mais tarde, umas 7h30, 8 horas. Eu sempre deixo o meu telefone [no modo] "não perturbe" à noite. E não vejo as mensagens que chegam.
O meu marido se levantou e foi ao banheiro. Eu, ainda na cama, desativei o "não perturbe". E começaram a entrar algumas mensagens do AJO [ajudante de ordens]. Eu achei estranho, né, às 7h da manhã?
Vi então também uma mensagem da embaixatriz Luciana, esposa do embaixador [do Brasil em Roma, Renato] Mosca [de Souza]. E na hora eu já pensei: "O papa faleceu". Levantei rápido, avisei o meu marido e já liguei a televisão para ver as notícias.
E um filme foi passando na minha cabeça porque, em fevereiro, eu tive um encontro com ele, bastante emocionante, que ocorreu depois que ele tinha saído do hospital.
Nós chegamos a fazer uma celebração pela saúde do papa [no dia 26 de fevereiro, depois que Janja voltou da viagem]. E estávamos acompanhando [as notícias sobre a saúde do pontífice].
Quando, no domingo (20), ele apareceu [na sacada da Basílica de São Pedro] para celebrar a Páscoa, ainda que com muita dificuldade, deu um ânimo vê-lo ali. Ele tinha essa missão ainda a cumprir, e é muito simbólico ele ter partido no domingo da ressurreição.
Vocês estavam em Brasília?
Sim. Estávamos na Granja do Torto. A gente se sentou para tomar café [da manhã] e eu não consegui segurar as lágrimas. O meu marido fica olhando para mim porque eu começo a falar e choro.
Agora mesmo [na manhã de terça, 22] rezamos pela memória do papa Francisco, e eu já comecei a chorar pensando no tanto que ele vai fazer falta para o mundo, sabe? Porque ele não era só um guia espiritual, um líder da Igreja Católica. Ele era um líder mundial.
A palavra de solidariedade de que o mundo precisa hoje em dia estava condensada nas mensagens dele sobre as mulheres, sobre a justiça social, sobre a paz.
REDES SOCIAIS
Em seu Instagram, você postou uma charge que mostra o papa sendo recebido no céu por crianças palestinas mortas em Gaza.Quando visitei a embaixada da Palestina em Brasília, ganhei de presente das funcionárias um casaco bordado pelas mulheres artesãs palestinas.
Eu usei esse casaco na reunião do G7 em que eu e o presidente Lula nos encontramos com o papa [em junho de 2024]. Eu não preciso falar nada quando eu visto aquele casaco, porque ele traz toda essa mensagem contra a guerra, contra o genocídio, principalmente de mulheres e de crianças, na Faixa de Gaza.
O papa Francisco falar no Domingo de Páscoa, em sua última mensagem, sobre Gaza foi muito importante.
A gente precisa honrar esse legado do papa Francisco e seguir na luta por um mundo mais solidário. É isso o que precisamos levar para dentro dos nossos corações. E eu não sei se vocês sabem: eu fechei o meu Instagram.
Por quê?
Tomei essa decisão depois que postei uma imagem do papa Francisco rezando, e em que eu pedia pela saúde dele.
As meninas [que a assessoram] sempre me dizem para não ler os comentários [postados por internautas]. Mas eu leio. Quando vi comentários de gente desejando a morte do papa Francisco, eu falei "não". Não dá.
A minha saúde mental estava ficando abalada. E é um desrespeito também às pessoas que me seguem e que querem saber das coisas que eu falo e faço.
Você fechou o perfil para comentários?
Fechei para comentários e para novos seguidores. Temos que fazer uma limpeza [para retirar seguidores e robôs] porque precisamos de um ambiente saudável, para mim e para quem me segue.
Você entra [no perfil de Janja no Instagram] e tem milhares de comentários de ódio? É desgastante. É para dizer "meu Deus, que mundo realmente é esse?". Enquanto estão me xingando, ok. Mas desejar a morte do papa, para mim, foi demais.
SIMBOLISMO
O que o presidente Lula falou quando você deu a ele a notícia da morte de Francisco?Ele ficou pensando o dia inteiro, sabe, que perdeu um amigo querido, um companheiro de caminhada. Que o mundo perdia um líder importante, não apenas espiritual, mas político, de ação voltada para o bem de todos.
Ontem a gente viu diferentes imagens do papa Francisco, com uma criança autista, com um cachorro. Mas a imagem que mais me impacta é a dele caminhando sozinho na Praça São Pedro, no Vaticano, durante a pandemia.
Por quê?
Talvez porque a minha mãe morreu de Covid. Apesar de a praça estar vazia, milhões estavam ali com ele em oração.
Eu já falei para o meu marido que, quando algumas pessoas falam daquela época [de forma negacionista], eu fico muito irritada. E com razão, né? A minha mãe agonizou numa cama de hospital antes de ser intubada.
A última imagem que eu tenho da minha mãe é de ela abrindo um saco preto para que eu pudesse ver seu rosto pela última vez na UTI do hospital. E depois não pude fazer mais nada. As pessoas que morreram naquele momento partiram sem que a família pudesse se despedir, sem nada.
[chorando] Desculpa falar disso. Ainda é difícil. Ser obrigada a ficar no mesmo espaço com essas pessoas [que negam a gravidade da pandemia], para mim, é uma profunda falta de respeito à memória da minha mãe e às de milhares que morreram.
[Nesses momentos] Volto sempre à imagem do papa Francisco para lembrar que o lugar em que eu estou hoje também exige um pouco dessa paciência, compreensão e tranquilidade.
A imagem que mais me impacta é a do papa caminhando sozinho na Praça São Pedro, no Vaticano, durante a pandemia. A última lembrança que tenho da minha mãe é de ela abrindo um saco preto para que eu pudesse ver seu rosto pela última vez na UTI do hospital [onde se tratava de Covid]Janja
primeira-dama do Brasil
CARTA A LULA NA PRISÃO
Quando Lula estava preso, o papa enviou uma carta a ele que teve um impacto político enorme[interrompendo] Tem uma coisa aqui para te mostrar, e que eu estava até mostrando para o meu marido agora. É justamente a carta que ele escreveu ao papa, e a resposta do papa a ele.
[Ergue um documento para a câmera] O papa falava bastante sobre a prisão política [de Lula]. Não por acaso, a primeira viagem que meu marido fez ao sair da prisão foi para ir ao encontro do papa.
Qual foi o impacto da carta do papa sobre Lula, do ponto de vista pessoal?
Ele passou por diferentes momentos naqueles 580 dias [de prisão]. Houve momentos de desesperança. E aquele era o momento em que o Arthur [neto de Lula de 7 anos] tinha morrido.
Ele [Lula] estava realmente bastante abalado, e talvez por isso escreveu uma carta ao líder espiritual.
[Janja se emociona] Para que ele pudesse também, né... por mais que as pessoas estivessem ali fora na vigília [referindo-se a apoiadores que acamparam na entrada da Superintendência da Polícia Federal], a mensagem do papa Francisco naquela circunstância foi fundamental para ele saber que estava no caminho certo, da busca [pelo reconhecimento] da inocência.
Foi a mensagem de um líder espiritual, para [Lula] saber "Deus está contigo". Eu acho que isso deu muita força para ele. [Chorando] Falar desses momentos da prisão do meu marido, e da morte do Arthur... Mas, enfim [Janja tira os óculos para limpar as lágrimas].
Naquele momento não havia perspectiva de que Lula poderia sair da prisão, não é?
Não, não. Foi um momento bem difícil. De dúvida. Mas em que ele sabia que estava no caminho certo, e que a dignidade dele era maior do que tudo.
Esses dias eu falei pra ele: "Você me ensinou uma coisa muito importante, que é [o sentido da] palavra dignidade". Não tinha perspectiva [de liberdade]. Acho que tudo o que aconteceu... o mundo caminhou muito rápido. Algumas coisas acontecem só por Deus mesmo, né? Porque a gente tenta, mas não encontra explicação.
O papa falava bastante sobre a prisão política [de Lula]. Não por acaso, a primeira viagem que meu marido fez ao sair da prisão foi para ir ao encontro do papaJanja
primeira-dama do Brasil
LEGADO E FUTURO
Quantas vezes você esteve com o papa?Depois da eleição [para Presidente da República], tivemos dois encontros reservados com o papa Francisco. E era possível sempre perceber a afetuosidade que existia entre os dois [Lula e o papa]. O respeito, o carinho e a amizade construída por trilharem o mesmo caminho, da justiça social, da solidariedade, da igualdade e do combate à fome.
O primeiro dos encontros foi no Vaticano, em 2023. Foi um dos momentos mais especiais porque um ano antes, em 2022, depois do primeiro turno das eleições, eu tinha ido ao Círio de Nazaré [em Belém do Pará].
Eu não sei se você já foi. É muito impactante porque é a energia da fé de milhões de pessoas reunidas em torno de Nossa Senhora de Nazaré, a Nazinha, como ela é carinhosamente chamada.
Eu tinha ido agradecer porque tudo tinha dado certo. Eu tinha muito receio -não pelo resultado [eleitoral], mas pela segurança física do meu marido. Era uma preocupação que me atormentava todos os dias.
Fiz a promessa de que, se tudo terminasse bem, eu voltaria.
Ao encontramos o papa, no ano seguinte, levei a ele a imagem de Nossa Senhora. E nós o convidamos para ir ao Círio com a gente, o que não foi possível.
Depois [em junho de 2024] nos encontramos na reunião do G7, também na Itália. Foi um encontro rápido, ele estava super bem. E eu o encontrei sozinha em fevereiro deste ano, quando fui a Roma participar da abertura da reunião do FIDA, que é o Fundo de Desenvolvimento da Agricultura das Nações Unidas.
Como era o papa no trato pessoal?
Para a minha surpresa, antes de a nossa delegação entrar, o padre do cerimonial me chama e diz: "O Santo Padre quer ter uma conversa reservada com a senhora".
Ele já estava bastante debilitado. Tinha acabado de sair de uma crise de bronquite, estava com problema de audição por conta da inflamação. Eu tive que falar bem alto.
A primeira coisa que ele me perguntou foi "como está o meu amigo"? Eu disse "está muito bem, santo padre" [Lula tinha se recuperado de uma cirurgia na cabeça feita em dezembro de 2024]. Agradeci pelas orações. Ele ficou tranquilo. E a gente conversou sobre a minha agenda em Roma.
Expliquei que eu tinha trazido o tema da Aliança Global Contra a Fome para mim, ele me deu apoio. [Disse] "Precisamos que as mulheres estejam dentro dos lugares, precisamos que as mulheres falem".
Foi quando ele me deu essa escultura de metal que mostra uma pessoa ajudando outra a se erguer [do chão] e me disse: "Todos os homens deviam se olhar nos olhos porque todos somos iguais. O único momento em que uma pessoa pode olhar a outra de cima para baixo é quando estende a mão para ela se reerguer". Ele segurava a minha mão neste momento. Vou guardar para sempre em minha memória.
O presidente Lula é muito religioso? Eu soube que ele inclusive se confessa eventualmente, um rito que nem todos os católicos seguem hoje em dia.
Ele não frequenta a igreja sistematicamente, mas faz as coisas interiores, respeita muito os ritos.
Ele tem uma formação cristã forte, fazia cursilho. O próprio PT nasceu junto com o Movimento Pastoral Eclesial de Base. São coisas que nascem, caminham e crescem juntas. A religiosidade dele vem muito desse movimento que era também político naquele momento.
Vocês torcem por algum candidato a papa?
Eu espero que seja alguém que siga o legado do papa Francisco, de liderar uma Igreja voltada para os mais pobres, para um mundo mais solidário e sem guerra.
Há dificuldades dentro da Igreja Católica, mas o papa Francisco aumentou progressivamente a participação das mulheres religiosas, e eu espero que o próximo papa tenha esse entendimento.
Quando vocês viajam para o funeral do papa?
O funeral será no sábado (26), então eu acredito que vamos na quinta (24) à noite, por causa do fuso horário. Vai ser triste, mas vai ser uma despedida bonita, muito simples, do jeitinho que ele queria.
Eu e meu marido vamos levar neste momento de despedida o carinho dos brasileiros, de muitos que inclusive não são católicos mas que tinham muito respeito pelo papa. Ele deixa um vazio, mas temos que lembrar de suas palavras, de carinho e conforto.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2025/04/janja-chora-ao-falar-do-papa-e-diz-que-ele-ajudou-lula-a-superar-desesperanca-na-prisao.shtml