Para deputado, não existe nenhum sucessor natural de Lula para a Presidência
Mônica Bergamo
Catia Seabra
Ex-presidente do PT, Rui Falcão afirma que renunciar unilateralmente à polarização, ou oferecer uma trégua ao mercado financeiro, é desarmar a militância. " Os caras estão com os dentes arreganhados, estão indo para cima de nós, ameaçam matar o Lula e você acena a bandeirinha branca para pedir uma trégua para eles? Eles vão passar o trator em cima da gente".
Nesta segunda parte da entrevista, concedida no fim do ano passado, Falcão, que hoje atua como deputado federal (PT), discorre também sobre o futuro da sigla e diz que não existe candidato natural à Presidência do país no lugar de Lula. Leia aqui a primeira parte da conversa.
Tem risco de o PT desaparecer no médio prazo, como aconteceu com o PSDB, com os outros partidos?
Não dá para comparar o PT ao PSDB.
É que o senhor falou que nenhum partido é eterno.
Mas o PT tem muita capilaridade. Tem o chamado lulismo também, sobre o qual André Singer escreveu muito bem nos livros dele. Ou seja, aquela história de "o Lula é maior que o PT, o Lulismo é maior que o PT". A gente precisava ligar as duas coisas. Às vezes, o lulista não vota com a gente.
Recentemente, Singer mostrou duas tabelas sobre a popularidade do Lula e a eleição de São Paulo. Diz o seguinte: essa faixa de dois salários mínimos, que é o nosso público social principal, é pragmática. É sensível a melhorias e é também vulnerável ao discurso do empreendedorismo, do individualismo. Com qualquer política nesse período que reduza direitos, estaremos fadados a perder a eleição de 2026.
Isso é uma lição também para o PT. Ou o PT se reengaja, participa da luta cotidiana da população -não faz só luta institucional no Parlamento- , ou com o tempo, com médio prazo ou longo prazo. Outros partidos já tiveram isso. Antes do PSDB. O próprio partido comunista italiano. Foi o maior partido do ocidente, não alinhado a Moscou, que, de uma hora para outra, foi mirrando, mudou de nome e é praticamente residual hoje na Itália.
Edinho Silva, que é o candidato apoiado pelo Lula à presidência do PT, defende a política de austeridade em entrevistas. Isso é o que se espera para o PT que idealiza?
Não quero personificar no Edinho. Acho que o perfil do novo presidente ou presidenta não pode ser porta-voz do governo de frente ampla ou de conciliação com a direita liberal. A gente precisa ter um quadro, um líder político, que faça disputa política e ideológica na sociedade, que represente e organize um partido que se apresenta como alternativa de esquerda para o povo. Por isso, não acho que devemos ter essa ideia de acabar com a polarização, que é uma das ideias que o Edinho vem defendendo, com todo o direito. Porque a polarização não é uma escolha. A polarização é resultado de projetos e interesses que são antagônicos.
O projeto do mercado financeiro, do grande capital, é antagônico com o projeto do PT, que quer um outro tipo de sociedade, de bem-estar. Então, renunciar unilateralmente à polarização que existe, ou oferecer uma trégua ao mercado financeiro, ao grande capital, equivale a renunciar à disputa da hegemonia das ideias. É desarmar a nossa militância. Os caras estão com os dentes arreganhados, estão indo para cima de nós, ameaçam matar o Lula e você acena a bandeirinha branca para pedir uma trégua para eles? Eles vão passar o trator em cima da gente. Então, esse é o perfil que eu vejo. Também tem que ter um programa, um programa concentrando o que o PT vai definir no seu próximo congresso.
O senhor diz que não quer personificar, mas todo mundo que defende o nome do Edinho fala em perfil mais conciliador do que a Gleisi, por dialogar mais com o centro.
Não sou contra dialogar e fazer alianças com o centro. o que não pode é querer deslocar o programa do PT para o centro. É diferente.
O senhor acha que alguns movimentos do presidente, como escolher o Haddad para anunciar o pacote, são sinais de que ele não deseja concorrer em 2026?
É tudo questão de interpretação. Quando o Haddad fez aquele pronunciamento edulcorado sobre as medidas do pacote que não apareceram ali, o pessoal falou "o Lula já indicou o sucessor". Eu tenho a sensação que ele botou o Haddad para anunciar porque ele é o ministro da Fazenda, autor da proposta. Segundo, que era notícia ruim, embora não aparecesse como tal no pronunciamento. Recentemente Lula falou 'eu quero entregar o país em 2026 todo arrumado, todo equilibrado'. O pessoal falou, 'opa, quer dizer que em 2026 ele vai passar o bastão'. É uma figura de linguagem. Acho que ele não tomou essa decisão de não ser candidato. Ao contrário, tem reiterado sempre que perguntam, às vezes até sem perguntar, que não tem nem muita vontade, mas se ele perceber que é o único capaz de derrotar a extrema-direita, ele estará como candidato. Precisa ver as declarações do Lula: ele dá um sinal para cá, outro sinal para lá.
Quem é o sucessor natural do Lula? É o Haddad, apesar de ter anunciado más notícias?
São muitos pretendentes. A escolha vai ser prerrogativa do partido, do Lula e dos partidos, das forças políticas e sociais que convergirem.
Haddad não se impôs ainda, portanto?
Ele [Lula] é o candidato. Como ele vai ficar escolhendo alguém para o lugar dele?
A pergunta é se a liderança do Haddad ainda não se impôs naturalmente como uma pessoa que vai sucedê-lo.
Vocês mesmos da imprensa apontam vários pretendentes.
Não, mas a gente quer saber o que o senhor acha. Existe um candidato natural?
Não tem candidato natural.
O Haddad não é o candidato natural?
Não. Acho que não tem nenhum candidato natural.
Há quem fale no ministro Flávio Dino, do STF.
Sim, já ouvi falar.
O que senhor acha dele, por exemplo, hoje?
Acho uma boa liderança. Está cumprindo um bom papel no Supremo Tribunal Federal. Inclusive nessa questão das emendas, eu acho que ele foi muito eficiente.
Tem gente no governo que diz que atrapalhou a vida deles, né?
É. Outros dizem que foi combinado com o Lula. A gente nunca sabe, né?
Houve ministro que comemorou o resultado eleitoral de partidos do centrão como se fosse uma vitória do governo, por serem aliados.
Isso é o jogo do contente. Discordo desse tipo de avaliação. Por essa lógica, nós teríamos sido vitoriosos aqui em São Paulo, onde Lula fez campanha para outro candidato [Guilherme Boulos, PSOL]. O prefeito reeleito [Ricardo Nunes] é do MDB, que é da nossa base. Mas fomos vitoriosos em São Paulo? Evidente que não.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2025/01/presidente-do-pt-nao-pode-ser-porta-voz-de-conciliacao-com-a-direita-diz-rui-falcao.shtml