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Entenda o leilão de segurança energética previsto para junho e que derrubou ações da Eneva

Entenda o leilão de segurança energética previsto para junho e que derrubou ações da Eneva

Por Fábio Couto, Valor - Rio

O leilão de segurança energética que o governo pretende realizar no dia 27 de junho tem como objetivo contratar usinas termelétricas e hidrelétricas para estarem à disposição do sistema elétrico brasileiro, para acionamento quando necessário. O Ministério de Minas e Energia (MME) editou uma portaria, publicada na edição desta quinta-feira (2) do Diário Oficial da União, com as diretrizes do certame.

A publicação da portaria derrubou as ações da Eneva em 9,3% no pregão da B3 nesta quinta-feira (2), uma vez que a empresa não poderá colocar duas usinas térmicas (Paranaíba 1 e Paranaíba 3) para disputar contratos no certame. O motivo dessa vedação é que as termelétricas possuem contratos de energia que vencem no fim de 2027 e as regras do leilão de capacidade impedem a entrada de empreendimentos existentes que estejam contratados até esta data.

O leilão de segurança energética, também conhecido como leilão de potência ou de reserva de capacidade, difere dos certames que eram realizados anteriormente e as diretrizes, que foram divulgadas nesta quinta-feira (2), eram aguardadas pelo mercado ao longo do segundo semestre de 2024. O leilão será realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A iniciativa é vista como uma evolução dos atuais leilões de energia nos quais as distribuidoras projetavam o consumo de energia para os próximos anos, de modo que o governo pudesse planejar a entrada de novas usinas.

Esse leilão também tem como foco a expansão do fornecimento, mas as mudanças envolvem o modelo de remuneração e a forma de operação das usinas. Confira abaixo como o leilão será realizado e por que ele é considerado importante pelo setor elétrico.

Qual é a diferença entre o leilão de capacidade e o de energia realizado para as distribuidoras?
Os leilões regulados, que ainda continuam previstos para realização anual, negociam contratos de volumes de energia elétrica das usinas, em megawatts (MW) médios, por um prazo de fornecimento definido em edital, em função da fonte de energia que está sendo ofertada e do prazo para início de suprimento.

Em geral, usinas existentes negociavam energia em leilões do tipo "A-1" ou "A-2", ou seja, o início do fornecimento se dá em um ano ou dois após o certame. Por exemplo: um leilão A-1 ou A-2 em 2025 significa que o contrato começa a valer, respectivamente, a partir de 2026 ou 2027.

Usinas novas negociavam em leilões que variam de "A-3" a "A-6", ou seja, as usinas deveriam ser construídas e iniciar operação comercial de três a seis anos após a realização do leilão. Esses prazos variam de acordo com o tipo de usina. Por exemplo, uma usina solar poderia negociar energia num leilão A-3, ao passo que uma hidrelétrica só entra num leilão A-5 ou A-6, por ser mais complexa.

O leilão de capacidade tem o mesmo princípio, mas remunera a potência das usinas (em MW). Neste caso, em tese, usinas novas e existentes disputam o mesmo contrato, sem diferenças práticas. No entanto, o leilão pode separar usinas ativas de novos projetos, dependendo do início da vigência dos contratos.

Por que esse leilão é considerado importante para o setor elétrico?
O certame é um dos mais importantes para o setor elétrico por duas razões. A primeira é de ordem financeira: muitas usinas, especialmente térmicas, estão encerrando contratos de energia firmados em leilões passados.

Além disso, a lei que tratou da privatização da Eletrobras reverteu o modelo de cotas de hidrelétricas que renovaram as concessões a partir de 2013 - elas eram remuneradas por todos os consumidores regulados, ligados às distribuidoras. Logo, elas podem negociar.

Como muitas distribuidoras estão sobrecontratadas, sem espaço para firmar novos contratos, e nem sempre o mercado livre está em condições favoráveis, térmicas e hidrelétricas enxergam neste certame uma oportunidade para garantir uma receita fixa para as usinas.

A segunda razão é o horário de ponta, no fim do dia, quando as usinas solares saem do sistema com o pôr-do-sol. A capacidade de energia solar que "some" é da ordem de 50 GW, entre usinas de grande porte e centrais instaladas em telhados. Isso exige que hidrelétricas e térmicas "de partida rápida" (que levem poucas horas para estar funcionando a pleno) estejam no sistema para substituir a energia solar, evitando risco de sobrecarga.

Quem poderá participar do leilão de capacidade?
O leilão de reserva de capacidade poderá contratar potência de térmicas a gás natural, biocombustíveis e hidrelétricas existentes. Podem participar também ampliações de hidrelétricas, isto é, aquelas que já estão em operação, mas vão aumentar o número de turbinas para geração.

Quem ganha e quem perde com as regras do leilão de capacidade?
O leilão de reserva de capacidade abre espaço para usinas novas e existentes, portanto, projetos novos, com gás natural brasileiro e que sejam eficientes tendem sair com vantagem do leilão.

Entre as existentes, as usinas da Petrobras são competidoras com chances de vencer o certame, pois a maioria do parque da empresa, que soma cerca de 5 gigawatts (GW), está com contratos de energia perto do fim.

Outra empresa que pode entrar no leilão é a Âmbar Energia, que possui algumas usinas a gás sem contratos, operando com remuneração atrelada ao Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), usado como referência pelo setor elétrico. Uma usina sem contratos pode disputar qualquer produto.

Já quem perde é a Eneva, que possui duas térmicas (Parnaíba 1 e Parnaíba 3) com contratos firmados até o fim de 2027, o que a impede de incluir as usinas na disputa de todos os produtos voltados para empreendimentos existentes. Essa vedação derrubou nesta quinta-feira (2) os preços das ações da empresa em 9,3%.

As duas térmicas da Eneva também não podem, naturalmente, disputar contratos de produtos para início de suprimento em 2028, 2029 e 2030, criado exclusivamente para novas usinas.

O que é a inflexibilidade operativa e por que o governo não permite essa condição?
Termelétricas em geral passam por uma situação chamada inflexibilidade e isso tem relação com os contratos de gás natural firmados pelas usinas com seus respectivos fornecedores. Em geral, esses contratos são do tipo "take or pay" ou "ship or pay". Na prática, as usinas pagam pelo volume de gás natural contratado mesmo que elas não o consumam.

Por isso, as térmicas declaram ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que vão "queimar" o gás, mesmo que não seja necessário operar. Essa é a chamada inflexibilidade. No caso do leilão de capacidade, o governo quer usinas que tenham flexibilidade na operação de modo que possam atender a todos os despachos definidos na programação diária do ONS.

Quem não pode participar do leilão de segurança energética?
Entre outros empreendimentos, não podem participar do leilão usinas existentes que possuam contratos de energia em vigor nos anos de 2025, 2026 e 2027 - exceto em caso de ampliações de usinas hidrelétricas. Também não podem participar usinas existentes ou novos projetos movidos a carvão mineral, óleo diesel ou óleo combustível.

Também estão vedados empreendimentos térmicos com custo variável unitário (CVU), como é conhecido o custo do combustível, igual a zero. É o caso, por exemplo, de usinas a bagaço de cana-de-açúcar, cuja operação é sazonal, com maior produção de bagaço durante a safra.

A portaria também impede termelétricas com despacho antecipado, como é o caso das usinas movidas a gás natural liquefeito (GNL), importado. A ideia é evitar usinas que dependam de fornecimento de gás que pode ser interrompido por qualquer motivo.

O que é a receita fixa que vai remunerar as usinas do leilão de capacidade?
Entre outros pontos, a receita fixa, que será em reais por MW, vai abranger o custo e a remuneração do investimento; custos de conexão e uso de sistemas de transmissão e distribuição; custos fixos de operação e manutenção; tributos e encargos.

Que produtos serão negociados no leilão de capacidade?
Os produtos são os seguintes:

  • Potência termelétrica 2025 - para início de suprimento em 1º de setembro deste ano por térmicas existentes a gás natural, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de sete anos;
  • Potência termelétrica 2026 - para início de suprimento em 1º de julho de 2026 por térmicas existentes a gás natural, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de sete anos;
  • Potência termelétrica 2027 - para início de suprimento em 1º de julho de 2027 por térmicas existentes a gás natural, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de sete anos;
  • Potência termelétrica 2028 - para início de suprimento em 1º de julho de 2028 por térmicas novas a gás natural e a biocombustíveis, como biogás, biometano e biodiesel, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de 15 anos;
  • Potência termelétrica 2029 - para início de suprimento em 1º de julho de 2029 por térmicas novas a gás natural e a biocombustíveis, como biogás, biometano e biodiesel, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de 15 anos;
  • Potência termelétrica 2030 - para início de suprimento em 1º de julho de 2030 por térmicas novas a gás natural e a biocombustíveis, como biogás, biometano e biodiesel, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de 15 anos;
  • Potência hidrelétrica 2030 - para início de suprimento em 1º de julho de 2030 por hidrelétricas existentes ou ampliações de capacidade instalada, como por exemplo, novas turbinas, sem inflexibilidade operativa, com prazo de contrato de 15 anos.

Valor
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/01/02/entenda-o-leilao-de-seguranca-energetica-previsto-para-junho-e-que-derrubou-acoes-da-eneva.ghtml