No dia em que o dólar bate o recorde de R$ 6,30, o provável futuro presidente do PT diz que é 'hora de uma trégua'
Por Lauro Jardim
Desde o início deste mês e, de modo mais profundo, desde segunda-feira, o dólar está batendo recordes em cima de recordes em sua valorização sobre o real. Hoje, chegou a alcançar R$ 6,30, sob uma nuvem de desconfiança em relação ao controle do endividamento público. O cenário preocupa o provável futuro presidente do PT a partir de julho de 2025, o ex-ministro e prefeito Edinho Silva.
Conhecido como um político moderado e conciliador, Edinho acha que é "hora de uma trégua". E de uma união em torno do ministro Fernando Haddad.
Em meio ao dia tenso no mercado financeiro, em que o BC já vendeu US$ 8 bilhões para tentar conter a alta do dólar, Edinho deu esta entrevista:
O mercado financeiro está indicando claramente nas últimas semanas que perdeu a confiança sobre o governo fazer um ajuste fiscal que consiga conter o rombo crescente das contas públicas nos próximos anos e que, portanto, consiga minimamente cumprir as metas fiscais. Como reverter essa situação?
Edinho Silva - Acho que é hora de pensarmos no Brasil. Essa guerra estabelecida na economia vai derrotar o país. É hora de uma trégua e de fortalecermos o caminho proposto pelo ministro Haddad. Ele propõe um caminho, isso tem de ficar claro. É um caminho. E isso tem de unir quem aposta no Brasil. A hora é de união e total respaldo ao ministro Fernando Haddad. Nenhum analista bem informado, e bem-intencionado, colocaria como uma tarefa simples reduzir o rombo das contas públicas no curto prazo. Só o governo Bolsonaro deixou mais de R$ 700 bilhões de estouro. É importante não perdermos esse referencial, caso contrário o peso sobre o governo Lula seria muito injusto. Não é nem um pouco razoável considerar que o governo Lula apresentaria um pacote para produzir um superávit primário capaz de estabilizar a relação dívida/PIB no curto prazo.
E o que seria razoável, então?
Edinho Silva - O que está sendo proposto é um caminho. Temos de construir unidade na construção desse caminho. O Brasil é um país como muitas injustiças e desigualdades, impor o impossível significa caminharmos para uma escalada de aprofundamento da miséria, da violência. Por isso que o caminho sinaliza os objetivos, e eles precisam ser alcançados, mas com racionalidade, tranquilidade e estabilidade. É urgente e necessária uma trégua nessa polarização. Na construção desse caminho temos de garantir que quem aposta no Brasil tenha seus ganhos garantidos. Quem apostar contra o país, tem de ser perdedor.
Mas dada a deterioração das expectativas, o governo não teria de dar mais garantias em relação ao equilíbrio fiscal?
Edinho Silva - Sem a busca do equilíbrio fiscal não tem perspectiva de futuro. Não há segurança de inflação baixa e nem de redução da taxa de juros. O presidente Lula é um defensor do poder de compra dos salários, portanto, inimigo da inflação, e é um desenvolvimentista, o que é antagônico com juros altos. Só temos de construir o caminho da busca do equilíbrio, sem atalhos, buscar a construção de um equilíbrio que seja perene. Ninguém nega que temos problemas nas contas públicas que vêm de longa data, como eu já disse. Eu sempre digo que a economia é como na saúde: se errar no diagnóstico, vai errar no medicamento, no tratamento. O receituário está pronto, o que está sendo construído é a dosagem. Todos temos de ajudar nessa construção. Tem de ser uma construção coletiva, governo, Congresso e "os atores do bem", aqueles que apostam no Brasil. As medidas que estão sendo votadas no Congresso são o início da construção de um caminho, não o fim. São passos importantes na busca do equilíbrio, da justiça fiscal, e da estabilidade. Em um governo que preza pela democracia, o debate para o ritmo da busca dos objetivos está sendo feito pelo Congresso, com ampla participação dos atores. O importante é sabermos que a construção do caminho que levará ao equilíbrio fiscal perene e estável não pode ser ter atalhos. O mais importante agora é a aprovação das medidas para que possamos caminhar na busca dos objetivos. A construção do equilíbrio das contas públicas tem de ser permanente. Agora o foco é aprovar as medidas enviadas pelo presidente Lula. Aprovadas, segue o esforço na direção do equilíbrio das contas públicas. Não há bala de prata, essa é uma concepção que não deveria existir, temos de acreditar nos processos. O governo tem o diagnóstico e se move na direção correta, na velocidade que a democracia e a realidade brasileira permitem. É hora de unirmos o Brasil. Chega de apostar contra o país. Está na hora de sairmos dessa polarização do "perde perde". Temos de dar garantias para quem aposta no Brasil. No mercado tem quem ganha e tem quem perde. Os ganhadores têm de ser sempre quem aposta no país. O presidente Lula é um homem pragmático. Ele sabe que a dinâmica do capitalismo no século XXI é dada pelo capital financeiro - é também com ele que temos de construir um projeto de Brasil forte. Só não podemos aceitar que sejam exigidas medidas irreais.
Ainda em relação ao presidente Lula, o senhor não acha que declarações como a que ele deu ao "Fantástico" de que "a única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%" não sugerem falta de preocupação com o crescimento do endividamento público como deveria?
Edinho Silva - O presidente Lula é quem mais defende que se "gaste o que se ganha", ele sempre foi defensor da austeridade. Mas é um erro querer "pôr para dentro no curtíssimo prazo" um déficit gerado no longo prazo. Temos de conversar mais, dialogar mais, construir mais em conjunto as saídas para o Brasil. Nós temos de ter um projeto de país que seja maior que os interesses mesquinhos. Vamos aprovar as medidas no Congresso, vamos começar a caminhar, vamos buscar o equilíbrio fiscal. E vamos garantir que ele seja a busca permanente. Vamos garantir que ele seja uma realidade do Estado brasileiro, acima dos governos. Mas para isso não podemos permitir que os vitoriosos sejam aqueles que apostam contra o Brasil.
O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2024/12/edinho-silva-essa-guerra-estabelecida-na-economia-vai-derrotar-o-pais.ghtml