Ex-presidente do PT votou contra medidas de ajuste fiscal e disse que 'não é funcionário do governo'
Por Lauriberto Pompeu - Brasília
As votações dos projetos que fazem parte do pacote fiscal elaborado pelo governo expuseram uma divisão interna no PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio à disparada do dólar e a pressão pelo ajuste nas contas, o partido registrou algumas defecções. O principal recado veio, porém, do deputado Rui Falcão (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado e influente quadro da sigla. Após votar contra a alteração de regras como a do abono salarial, ele disse que não é "funcionário do governo" e, portanto, não é obrigado a aderir às iniciativas. A pauta indigesta para a esquerda também gerou desgaste do governo com o PSOL, cujos parlamentares fizeram questão de discursar de forma contrária em plenário. A legenda faz parte da base e abriga o deputado Guilherme Boulos, que foi o candidato apoiado por Lula a prefeito de São Paulo.
O pacote inclui um Projeto de Lei (PL) que muda a forma de reajuste do salário mínimo e faz ajustes na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), relatado pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL); um Projeto de Lei Complementar (PLP) que permite o bloqueio de emendas, com relatoria de Átila Lira (PP-PI); e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda regras do abono salarial, sob a responsabilidade do relator Moses Rodrigues (União-CE).
Os relatores fizeram mudanças nos textos para atenuar algumas das medidas, mas o acordo não foi suficiente para conquistar os votos de toda a esquerda.
Nenhum deputado do PSOL votou a favor da PEC nem do PLP. Na bancada do partido, foram 12 votos contrários e uma ausência nas duas iniciativas. Para efeitos de comparação, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro entregou 18 votos favoráveis à PEC relatada por Moses e 11 votos no PLP que tem Átila Lira como relator.
No PT, a maioria votou a favor das iniciativas, mas também houve dissidências. Além de Rui Falcão, Natália Bonavides (RN) e Marcon (RS) se posicionaram contra a PEC.
Na votação do PLP, apenas Rui Falcão votou contra. O parlamentar é ex-presidente do PT e tem diálogo direto com o presidente Lula.
- Eu sou do PT, não sou funcionário do governo. O Diretório Nacional tinha questionado as medidas de austeridade, a (presidente do PT) Gleisi (Hoffmann) tinha até dito que é uma política austericida. Nunca votei para reduzir direitos - disse o petista.
No texto do salário mínimo, o relator Isnaldo Bulhões mudou o texto para amenizar os critérios mais duros de liberação do BPC estabelecidos inicialmente pelo governo, mas Falcão disse que a iniciativa ainda não ficou boa. Ele e mais cinco petistas foram contra, junto com a bancada do PSOL.
- Pode falar que o salário mínimo continua com ganho real, é verdade, mas com menos. O abono salarial também. E a redução relativa do salário mínimo implica sobre todos os outros, sobre o BPC, sobre a Previdência e assim por diante. São medidas que sequer são aceitas pelo mercado, que quer mais, que diz que é muito pouco. Foi por isso que votei contra - disse Rui Falcão.
Apesar das queixas, o deputado declarou que continua apoiando o governo e que deseja que Lula seja reeleito.
O ex-presidente do PT reclamou ainda do fato de não ter sido enviado ainda o projeto que vai fazer uma reforma no Imposto de Renda, com isenção para quem ganha até R$ 5 mil e que propõe maiores cobranças para quem tem renda superior a R$ 50 mil mensais, incluindo salário, aluguel e dividendos, por exemplo.
- Eu já tinha avisado todo mundo que ia votar contra. Já tinha exposto meus argumentos. Inclusive eles tinham ficado de mandar para cá o projeto do Imposto de Renda, que era para dar discurso para quem quisesse dizer: "Olha, estão tirando daqui, mas estão pondo lá". Mas não só não veio, como hoje estou vendo nos jornais o (ministro da Fazenda Fernando) Haddad dizendo que vão mandar depois que votar (o pacote fiscal) aqui, até porque isso (reforma do IR) só vai ser votado ano que vem - apontou.
Procurado, o deputado Marcon disse que votou contra a PEC que muda o abono "por convicção política".
Já a deputada Natália Bonavides disse que não apoia "propostas que diminuem o poder do governo de mudar a vida de nosso povo". Ela ainda afirmou que o pacote seria uma agenda relacionada ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
- A especulação financeira chantageia o governo para fazer com que ele não dê certo e para sequestrá-lo. Querem fazer com que a agenda que foi derrotada nas urnas seja adotada pelo nosso governo. Ao contrário do que querem, o governo conquistou êxitos colocando em prática o programa eleito nas urnas de garantia de direitos e de combate às desigualdades. Nós precisamos continuar com essa agenda.
Por sua vez, o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), disse que ia conversar sobre o assunto internamente na bancada, mas que não daria declaração sobre os votos divergentes.
Além de votar integralmente contra as propostas, o PSOL foi um dos partidos que mais discursou contra o pacote e que tentou trabalhar na opinião pública para desgastar a iniciativa do governo.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) chegou a reclamar que o governo demorou meses para terminar o pacote e que, por outro lado, o Congresso teve pouco tempo para discutir as iniciativas.
- Toda a postura do PSOL aqui ontem, e o será hoje, está baseada em dois valores fundamentais para a vida política e para a vida cotidiana: coerência e transparência. Nós achamos que o governo errou profundamente, ficou discutindo três meses, quatro meses o pacote fiscal e a nós restou a celeridade absoluta - disse ele: - Entendemos que, até aqui, o tal ajuste só está fazendo cortes que atingem quem mais precisa de equilíbrio orçamentário e tributário, o povo, os mais de 6 milhões de brasileiros que precisam do Benefício de Prestação Continuada - acrescentou Alencar.
O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/12/20/pacote-fiscal-gera-crise-interna-na-bancada-do-pt-e-desgasta-relacao-do-governo-com-psol.ghtml