O chef Rafa Costa e Silva, do Lasai, restaurante com duas estrelas Michelin e o brasileiro melhor colocado no ranking Latin America's 50 Best Restaurants | Imagem: Leo Martins
Chef do melhor restaurante do Brasil adora queijo quente e tem um sonho: 'Quero ser presidente do Flamengo'

Chef do melhor restaurante do Brasil adora queijo quente e tem um sonho: 'Quero ser presidente do Flamengo'

Rafa Costa e Silva é reservado, não tem assessoria de imprensa, e diz que ampliar foco foi crucial para o premiado Lasai: 'Vi que precisava fazer outras coisas. A casa ficou melhor'


Por Carlos Albuquerque especial para O GLOBO


Chef consagrado, Rafa Costa e Silva, do Lasai, faz linhaça desidratada com ricota e beterraba, chuchu empanado com bluefin, flã de milho com ouriço e coco, peixe com abobrinha e acelga, porco com funcho, patacones com rabada, mochi de jabuticaba e creme fresco de amoras (a descrição é da crítica gastronômica do GLOBO, Luciana Fróes, após recente visita ao local). Mas longe dos holofotes e das estrelas Michelin (tem duas), ele faz também churrasco "clássico", com linguiça, coração, asinha de frango e costelinha de porco. E adora, gosta muito mesmo, queijo quente.

- Amo, é uma das coisas que mais gosto na vida. E com queijo prato mesmo, que derrete melhor - confidencia ele, com um sorriso amarelo, sentado no pequeno e aconchegante salão do seu restaurante no Humaitá, eleito o melhor do Brasil pela lista Latin America's 50 Best Restaurants 2024 e vencedor também do prêmio Rio Show 2024 como melhor contemporâneo da cidade.


O chef Rafa Costa e Silva, do Lasai, restaurante com duas estrelas Michelin e o brasileiro melhor colocado no ranking Latin America's 50 Best Restaurants - Foto: Leo Martins

Ao redor de Costa e Silva, a equipe do Lasai - pronuncia-se "Lassái" - se diverte com a resposta do chef, mas segue concentrada na mise en place, o importante processo de pré-produção de uma cozinha de ponta. É quando os ingredientes são conferidos (o frescor do peixe, por exemplo), as taças de vinho são cuidadosamente polidas (ali são usadas cerca de 80 por noite), os guardanapos dobrados, os talheres arrumados etc etc.

- Essa preparação é fundamental para que a gente possa cozinhar depois com segurança e prazer - explica ele, 45 anos, casado (com a também chef e florista Malena Cardiel, americana de origem mexicana) e pai de Emiliano, 6 anos. - Porque se der algum problema na hora em que a gente estiver servindo, a concentração vai por água abaixo.

Se a mise en place é o momento de "afinação" da cozinha do Lasai, o início dos serviços - às 20h, com exceção dos sábados, às 19h - marca a hora do show. Dali em diante, por aproximadamente duas horas e meia, Costa e Silva e equipe vão se apresentar para uma plateia de apenas dez cadeiras, "tocando" um menu degustação, "de produtos de nossas hortas, de feiras orgânicas, do mar e da terra", como explica o site do restaurante. São dez entradas, mais três pratos principais e duas sobremesas. Total: R$ 1.250, sem contar os R$ 638 da harmonização, assinada pela premiada sommelière Maíra Freire.


O chef Rafa Costa e Silva, do Lasai, restaurante com duas estrelas Michelin e o brasileiro melhor colocado no ranking Latin America's 50 Best Restaurants - Foto: Leo Martins

Experiência interativa


O tempero social fica por conta da falta de separação entre cozinha e bancada, que faz da degustação no Lasai, inevitavelmente, uma experiência interativa, na qual as conversas entre a equipe e o público acabam se misturando.

- As pessoas chegam na mesma hora e a gente começa a servir logo em seguida. É natural que perguntem isso ou aquilo. E, sinceramente, é melhor mesmo quando fica animado porque é um processo coletivo. No final, quase sempre as pessoas acabam conversando entre elas. Vira uma mesa só. Ou seja, o Lasai não é um lugar para um encontro romântico, nem para um jantar de negócios.

Nem sempre foi assim. Aberto em 2014, o Lasai funcionava em outro endereço (no mesmo bairro, onde fica agora o Lasai Eventos, de perfil corporativo) e com uma capacidade um pouco maior (45 pessoas). Mas já no seu primeiro ano de atividade, chamou a atenção por sua "cozinha artesanal, intelectual e sutil", como estampou a manchete do caderno Ela, do GLOBO, na época. No ano seguinte, o restaurante ganhou sua primeira estrela Michelin.

- A constância é uma das coisas mais difíceis de se atingir na cozinha. Isso requer muita vivência, conteúdo e maturidade - afirma a chef Roberta Sudbrack. - E o Rafa, uma das pessoas mais sérias que eu conheço, tem tudo isso de sobra.

A pandemia e o nascimento do filho, porém, contribuíram para Costa e Silva decidir "enxugar" o Lasai e, por tabela, seu próprio modo de vida.

- Era muito exaustivo cozinhar para 45 pessoas no padrão que fazíamos. Eu ficava quase 16 horas no restaurante. Botava muita pressão em mim mesmo. Às vezes, me trancava num canto e chorava. E aí veio a pandemia e vi que precisava ficar mais com meu filho e fazer outras coisas também - conta ele, que pratica crossfit, joga bola no Clube dos Macacos e nunca viu um episódio de "The Bear", cultuada série sobre o tenso coditiano de um restaurante de Chicago. - Hoje só me arrependo de não ter feito essa mudança antes. O restaurante ficou melhor, o serviço ficou melhor, a pressão ficou menor, temos mais calma para trabalhar. Enfim, a vida de toda a equipe melhorou.

Provolone à milanesa com molho inglês


Filho de advogados, Costa e Silva nasceu na Gávea e cresceu no Itanhangá ("Fui meio garoto de condomínio, muito privilegiado"). Chegou a se formar em Administração, mas a paixão pela gastronomia falou mais alto. Aos 23 anos, viajou para Nova York e entrou para a CIA (Culinary Institute of America), escola referência no ensino de Artes Culinárias. Ficou por lá três anos. Foi um teste de fogo que ele sentiu na pele.

- Vivia com os braços queimados de panela. Foi frenético, um aprendizado cultural muito intenso, convivendo com várias culturas. Foi onde aprendi a ser cozinheiro, mas o que trouxe mesmo de lá foi a disciplina. Sempre fui meio bagunçado. E na escola tinha uma coisa meio militar. Não podia estar com a barba malfeita, nem com o avental amassado. Sem esse aprendizado, a mise en place do Lasai, por exemplo, não seria tão precisa.

De Nova York, onde conheceu a mulher, Costa e Silva voou para o País Basco, na Espanha, onde refinou sua técnica trabalhando, durante cinco anos, no restaurante Mugaritz, do celebrado chef Andoni Aduriz, que considera seu grande "mentor". O respeito é mútuo.

- O Rafael é uma pessoa que tem uma convicção e uma atitude em relação ao que quer alcançar que é rara - conta Aduriz por telefone. - E isso vem acompanhado de um detalhe que não considero menor: é uma pessoa muito discreta, que não gosta de chamar a atenção num mundo com tanto glamour e tanto brilho. E isso torna-o ainda mais interessante. Só tenho lembranças boas dele no Mugaritz. É um talento que ainda vai dar muitas surpresas para o Brasil e para nossa própria profissão.

De fato, Costa e Silva é tão reservado que não tem uma assessoria de imprensa, algo incomum para um chef premiado ("Não sinto essa necessidade, sou cozinheiro, não sou celebridade"). Ele também diz ser muito tímido, mas parece à vontade posando para o fotógrafo ("Acho que estou me acostumando").

Determinado como dizem ser todos aqueles do signo de Áries, Costa e Silva tem um plano que não se harmoniza exatamente com o Lasai (que significa "tranquilo", no idioma euskera, do País Basco):

- Quero ser presidente do Flamengo daqui a uns dez, 15 anos. Juro. O Flamengo é uma das minhas maiores paixões. Vivo o ambiente do clube, sou sócio e quero poder contribuir um dia.

A mise en place vai chegando ao fim atrás da porta de madeira no Largo dos Leões. Daqui a pouco, o sofisticado espetáculo de cheiros, cores e sabores do Lasai vai recomeçar. Antes de assumir o comando da sua orquestra de gastronomia, o chef, pressionado, decide, enfim, revelar seus podrões.

- Adoro provolone à milanesa com molho inglês - conta ele, enquanto sua disciplinada equipe ri, baixinho, pelos cantos e segue trabalhando. - E coloco cappuccino diet no meu café da manhã todo dia. É ruim, mas é bom.

O Globo
https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/12/20/chef-do-melhor-restaurante-do-brasil-adora-queijo-quente-e-tem-um-sonho-quero-ser-presidente-do-flamengo.ghtml