Nunca se falou tanto do assunto. O Brasil vive um momento de regulação do mercado de Cannabis medicinal - a conhecida maconha, droga estigmatizada desde os anos de 1970, quando passou a ser mais usada por estudantes, artistas e intelectuais que lhe conferiram um certo glamour mas resultaram em vários casos de prisões e processos judiciais. Ficaram conhecidos, entre vários outros, os episódios em que os integrantes dos Beatles fumaram maconha no banheiro do Palácio de Buckingham; ou da cantora Rita Lee, que foi detida durante um show por fazer apologia da droga.
Atualmente, cada vez mais médicos, das mais diversas especialidades, prescrevem fármacos derivados da planta para o tratamento dos seus pacientes. Estima-se que mais de 80 empresas atuem diretamente na área. O único mercado de cannabis regulamentado no país é o medicinal, apesar de haver movimentações em relação ao seu uso para pets e da semente de cânhamo para fins industriais.
A par dessa utilização comercial, há também uma variante polêmica do tema que surgiu há poucos dias, quando o ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Sílvio Almeida, disse ser favorável à descriminalização das drogas em entrevista à BBC Brasil, por acreditar que essa ação poderá diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro. Almeida também defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue um processo que está parado desde 2015 e que analisa a descriminalização das drogas.
Retomando o movimento do mercado, dados do site Kayamind, especializado no tema, dão conta que mais de 180 mil pessoas fazem tratamento à base de cannabis no Brasil. Esse contingente faz uso dos produtos para dores crônicas, inflamações diversas, esclerose múltipla, epilepsia, Alzheimer, autismo, cuidados paliativos para pacientes de câncer e casos de ansiedade, entre outras doenças.
Para o final de 2022, de acordo com o mesmo site, foi estimado que o mercado poderia chegar a R$ 363,9 milhões de faturamento. Em 2023, projeta-se um pouco menos que o dobro, totalizando R$ 655,1 milhões, e, no ano seguinte, R$ 917,2 milhões de movimentação financeira.
No dia 15 de março, especialistas de todo o país vão se reunir em Brasília para o Hemp Fair Experience, onde debaterão o uso da cannabis com vários segmentos do mercado e do governo federal. O evento tem o objetivo de discutir cannabis, regulamentação e legislação com parlamentares, técnicos, órgãos reguladores e fiscalizadores na capital federal.
O encontro é mais uma etapa da série de eventos realizados pela Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann) por todo o país antes da jornada maior, a Hemp Fair Brasil, que vai acontecer em São Paulo em abril. Além de dirigentes e técnicos da Associação, devem participar do encontro representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), e do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV)
Uma dessas 80 empresas regulamentadas no mercado nacional é a GreenCare, que revelou seus planos de crescimento esta semana para o jornal Valor. Fundada em 2018, a GreenCare está avançando no projeto de se consolidar como a principal farmacêutica especializada em cannabis medicinal do país e dona do maior portfólio disponível nas farmácias nacionais.
Com uma nova rodada de captação de recursos aberta, sob coordenação do Banco BR Partners, a companhia já destinou R$ 15 milhões para pesquisas de potencial terapêutico de seus produtos e estudos clínicos. Agora, planeja dobrar o volume investido, em busca do registro de medicamento para seus produtos, ao mesmo tempo em que amplia presença no varejo farmacêutico.
Como outras empresas que atuam no setor, a GreenCare começou seu negócio auxiliando pacientes na importação de produtos de cannabis para fins terapêuticos, mas já com planos de se converter em indústria. Hoje, tem três produtos, com diferentes concentrações, disponíveis em farmácias especializadas e nas principais redes de varejo farmacêutico do país.
Além de três autorizações sanitárias para comercialização de produtos à base de canabinoides no país, a GreenCare tem dois produtos na fila aguardando o aval da Anvisa; outros cinco serão submetidos ao órgão regulador nos próximos meses, totalizando 10 produtos até 2024.
Por enquanto, a produção para a GreenCare é feita por dois fornecedores na Colômbia, mas a empresa comprou uma fábrica em Vargem Grande Paulista (SP), que está sendo preparada para voltar a operar. A companhia informou à reportagem que tem 30 mil nomes na base de clientes e chega a cinco mil médicos prescritores no país.
Um dos entusiastas do uso da nova terapia é o médico Cláudio Lottemberg, presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira. Em sua página no Linkedin, ele, que vem participando de diversas discussões e lives sobre o tema, disse que o uso da cannabis medicinal é "um dos assuntos importantes do momento para tratamento complementar de diversas doenças. Como já sabemos, os benefícios do canabidiol (CBD) são inúmeros, sendo comprovados cientificamente. Novos empreendedores da área vêm surgindo, bem como educadores".