País da Copa, Catar pulsa cultura em museus e mercados

País da Copa, Catar pulsa cultura em museus e mercados

Com seus arranha-céus e estádios modernos, Doha tem o mérito de sediar a Copa do Mundo de 2022 em uma única cidade. Mas a capital mostra também a cultura tradicional do pequeno país que traz consigo mostras de arte paralelas às coleções dos notáveis museus nacionais. É o que nos mostra Daniela Filomeno em seu "Viagem & Gastronomia', na CNN.

Daniela Filomeno no corredor do Parisa, um dos restaurantes do Souq Waqif, tradicional mercado da capital do Catar


É inevitável que a Copa do Mundo de 2022 no Catar tenha direcionado nossa atenção para a cultura, os costumes e o povo deste país árabe, em especial também para sua capital, Doha.

Principal porta de entrada do Catar, a cidade de mais de 2,3 milhões de habitantes é fascinante já nos primeiros momentos, quando saímos do Aeroporto Internacional de Hamad.

Eleito o melhor do mundo em 2021 e 2022 ao concentrar luxo, sofisticação, tetos altos, mais de 30 opções gastronômicas, e por aí vai, ele é um prenúncio do que encontraremos pela frente.

Recentemente estive em solo catari para acompanhar a primeira partida entre Brasil e Sérvia, onde magistralmente nosso time venceu o adversário por dois gols a zero.

Na rápida passagem pelo país, além de todo o clima de festa instaurado pelos milhares de ávidos torcedores das nacionalidades mais distantes, pude notar que Doha transpira uma cultura autêntica e muita arte, fato que é potencializado pelos seus grandes e arrojados museus.

Assim, a imagem dos ultratecnológicos arranha-céus, que de fato impressionam, é apenas uma parte que compõe a capital.

Mercado tradicional que pulsa cultura e arquitetura original catari, com um labirinto de lojas com produtos da Oriente Médio, e ainda enormes instituições de arte com agendas intensas de mostras e exposições fixas garantem que Doha olhe para o futuro mas ainda honre suas tradições.

Logo, é certeza que esta projeção mundial continuará mesmo com o fim da Copa.


Dhow Harbour é um dos pontos turísticos mais antigos de Doha; cais tem vista panorâmica do horizonte de Doha e do Museu de Arte Islâmica - Crédito: Daniela Filomeno

Museus: onde passado e futuro se encontram

Além dos jogos, a realização da Copa trouxe para Doha uma agenda paralela de incríveis exposições de arte e, por consequência, jogou luz às instituições culturais que a capital inaugurou ao longo das últimas décadas.

São construções grandiosas e arrojadas que dispõem de coleções importantíssimas para mergulharmos em culturas do Oriente Médio, na Arte Islâmica e também para entrarmos em contato com mostras de nível mundial - que digam as instalações da japonesa Yayoi Kusama e da suíça Pipilotti Rist.

Meus destaques vão para a arquitetura, as coleções e as exposições temporárias do Museu Nacional do Catar, do Museu da Arte Islâmica e também para o hub de inovação M7, que abriga uma interessante mostra sobre a marca de moda italiana Valentino.

Museu Nacional do Catar




De frente para as águas do Golfo Pérsico e próxima ao Corniche, calçadão à beira-mar de sete quilômetros de extensão, fica esta que é uma das construções mais surpreendentes de todo o país.

O complexo do Museu Nacional do Catar tem a forma de uma rosa do deserto, planta encontrada nas regiões áridas do país, e foi concebida pelo francês Jean Nouvel - o mesmo que projetou a Torre Mata Atlântica do hotel Rosewood em São Paulo.

Assim, o próprio prédio é uma obra de arte com suas curvas meticulosas. Interessante é que foi concluído em 2019 e erguido em torno da peça central do palácio original do Sheikh Abdullah bin Jassim Al Thani - que foi a casa de sua família e sede do governo por 25 anos.

Vale ressaltar que foi em 1975 que o palácio foi convertido no Museu Nacional do Catar. E se engana quem pensa que a estrutura original foi destruída: construído no século 20, o Antigo Palácio ainda pode ser visto por aqui.

Além da arquitetura única, o museu ainda possui um auditório com 220 lugares, dois restaurantes, um café e fórum de comida tradicional.

Dentro dele, 11 diferentes galerias apresentam exposições permanentes destinadas a jogar luz à história do Catar e de seu povo. Para isso, ferramentas imersivas e arquivos digitais com milhares de vídeos, imagens e documentos ficam lado a lado das obras de arte.

Os temas vão desde os primórdios do país, como a formação do território no âmbito natural e arqueológico, assim como discorre sobre seu povo, sobre a colheita de pérolas até a construção da nação, a indústria e os dias de hoje.

Mais interessante ainda é a mostra temporária da suíça Pipilotti Rist, cuja instalação "Your Brain to Me, My Brain to You" segue até julho de 2023 e nos convida a mergulhar numa viagem multissensorial que nos leva a uma introspecção.

É lindo - e certamente fotogênico - estar entre as mais de 12 mil luzes LED amarradas por cabos que descem por toda a galeria e que simbolizam o inconsciente coletivo.

Elas representam neurônios e foram programadas em coreografia em conjunto com uma paisagem sonora e uma instalação de vídeo com imagens das paisagens do país.

A entrada para o museu sai por volta de 100 rial catariano - cerca de R$ 142. Vale destacar ainda que um parque público aberto 24 horas fica na frente do museu e dispõe de playgrounds, artes públicas, lago e quiosques com cômodos para reza, lavatórios e cafés.

Museu da Arte Islâmica



Daniela Filomeno junto da obra Dancing Pumpkin (2020), uma das instalações em larga-escala de Yayoi Kusama nos jardins do Museu da Arte Islâmica - Crédito: Acervo pessoal

Considerado a "joia da realeza" dos museus do Catar e de Doha, o Museu de Arte Islâmica já é um cartão-postal em meio à paisagem da capital. Inaugurado em 2008, ele fica numa pequena ilha construída ao lado da Corniche, o calçadão à beira-mar.

É de se esperar então que tanto o museu quanto o parque público logo em frente nos garantam vistas fenomenais para o mar da Arábia e para o skyline de Doha - o parque ainda concentra piqueniques, caminhadas e até aulas de ioga ao ar livre.

Antes de adentrar a coleção, vale falar sobre a construção, que, assim como o Museu Nacional do Catar, já é em si uma maravilha arquitetônica.

O museu foi projetado por I.M.Pei, o mesmo por trás da pirâmide de aço e vidro do Louvre, e possui quatro andares de exposições permanentes e temporárias, assim como um restaurante de alta gastronomia com assinatura de ninguém menos do que o chef Alain Ducasse, no quinto andar.

Uma vez dentro da construção, podemos apreciar uma vasta coleção de arte islâmica que abrange cerca de 1.400 anos com direito a livros islâmicos antigos, exemplos de caligrafia árabe, assim como trabalhos em cerâmica, vidro, marfim, joias, têxteis e trabalhos em madeira.

No museu, pude ver o Manuscrito Shahnameh, escrito há mil anos pelo poeta persa Ferdowsi, assim como uma das primeiras ferramentas de navegação do mundo, o Astrolábio Planisférico, e ainda a Placa de Esmeralda Esculpida, uma grande esmeralda do século 16. É, no mínimo, incrível.

Além disso, um dos pontos altos, para mim, foi a mostra temporária "My Soul Blooms Forever", da renomada artista japonesa Yayoi Kusama.

É simplesmente a maior mostra do tipo realizada ao ar livre na costa do país, em que apresenta uma coleção de enormes esculturas e instalações espalhadas por todo o jardim do museu e ainda na Galeria dos Museus do Qatar, o Al Riwaq, que fica anexo ao prédio principal.

Por aqui podemos ver de perto a grande escultura Dancing Pumpkin e seu famoso trabalho Jardim Narciso, que também temos em solo brasileiro em Inhotim, em Minas Gerais.

A exposição apresenta nove conjuntos de grandes obras de arte, incluindo a sua conhecida coleção "The Infinite Room of Mirrors", que rodou o mundo e nos deixa sempre maravilhados.

É para lá de interessante pois a exposição me proporcionou uma oportunidade única sobre a visão singular da criatividade da artista. Se tiver a oportunidade, corra: vai até 31 de dezembro de 2022.

Há ainda outras mostras não-fixas rolando no espaço, como a que celebra Bagdá, a capital do Iraque, como uma das cidades mais importantes do mundo islâmico por meio de objetos emprestados do Louvre, do Museu do Vaticano e do MET de Nova York, por exemplo. Vai até 25 de fevereiro de 2023.

Até 23 de março do ano que vem há ainda uma mostra sobre a tradição viva de mais de 450 anos de cerâmica japonesa.

A entrada no museu custa cerca de 100 rial catariano - aproximadamente R$ 142.

M7, em Msheireb Downtown Doha



Visão de fora do M7 durante a mostra Christian Dior: Designer Of Dreams em 20 de novembro de 2021 / Cindy Ord/Getty Images para Qatar Museums

O centro de Doha também nos reserva algumas surpresas que valem a visita.

Próxima ao mercado tradicional Souq Waqif, a Msheireb é uma área em desenvolvimento com arquitetura contemporânea que nos apresenta construções antigas e museus em elegantes mansões de estilo árabe.

Um destes edifícios é o novíssimo M7, descrito como um núcleo de startups voltado para empreendedores do mundo da moda, do design e da tecnologia.

O hub criativo possui cinco andares, 29 mil metros quadrados e, de cara, demonstra que o Catar quer explorar sua própria herança, mas lança mão para alcançar novos lugares e culturas junto da tecnologia.

Inaugurado no ano passado, a primeira exibição foi uma mostra retrospectiva sobre a carreira do estilista Christian Dior.

Em consonância com a moda, uma das mostras temporárias que vale a pena visitar atualmente é a "Forever Valentino", que fica em cartaz até 1 de abril de 2023.

A exposição nos dá uma visão da história da marca italiana junto do cenário cultural e social de Roma a partir do final da década de 1950.

São mais de 200 peças de alta-costura e trajes pret-à-porter acompanhados de acessórios dispostos em uma cenografia para lá de envolvente.

Peças raras para nomes como Elizabeth Taylor, Jacqueline Kennedy e também Zendaya, junto de outras criações, podem ser vistas por aqui, como conjuntos da coleção particular de Sua Alteza Sheikha Moza bint Nasser, uma das três esposas do Emir do Catar, cliente de longa data de Valentino.

A mostra também coincide com as celebrações dos 90 anos de Valentino Garavani, fundador da marca.

Os ingressos devem ser adquiridos com antecedência no site e custam cerca de 100 rial catariano (R$ 142). Outras exibições temporárias também ocorrem pelo local e duram até os meses seguintes à de Valentino. Confira na programação.

Souq Waqif: o mercado tradicional



Daniela Filomeno no Souq Waqif, mercado tradicional em Doha - Crédito: Daniela Filomeno

Como provei aqui em cima, nem só de modernos arranha-céus e restaurantes internacionais grifados vive Doha. Aqui também surge o Souq Waqif, uma oportunidade para ver a cultura e a arquitetura original catari.

Creio que mercados tradicionais, sejam eles mais voltados às comidas ou até mesmo para outras mercadorias, são sempre uma ótima oportunidade para adentramos de cabeça na cultura local de um destino.

É dentro deles que podemos ter um gostinho e vislumbre de como se comportam as pessoas, o que compram, o que gostam e o que produzem.

E no Souq Waqif não é diferente: localizado no centro da cidade, o mercado tradicional de Doha é como um labirinto de lojas que oferecem produtos típicos do Oriente Médio, assim como perfumes, joias, roupas e tecidos.

A ordem aqui é barganhar!


Estar neste souq, como são chamados os mercados e bazares tradicionais do Oriente Médio, é como uma verdadeira viagem no tempo, em que lojas de antiguidades convivem lado a lado com banquinhas de especiarias e restaurantes de variadas cozinhas dos países árabes.

O prédio original data ao menos do século 20 e foi renovado na metade dos anos 2000 com uma arquitetura catari tradicional. Reza a lenda que a localização foi, por séculos, usada como mercado de trocas pelos beduínos.

Por ser um local tradicional de trocas, a área era contígua à água para permitir o fácil acesso e a descarga de barcos. Hoje, essa ligação direta é agora dividida por algumas vias.

E entre os cafés e restaurantes do entorno destaco o Parisa, uma experiência autêntica da culinária persa em um ambiente hipnotizante com obras de arte, afrescos pintados à mão de mitos e lendas, mosaicos de espelhos e vidros e lustres suntuosos - como mostra a imagem que abre esta matéria.

Curiosidade: milhares de pequenos espelhos escolhidos a dedo no Irã foram transportados e montados no interior do restaurante. O processo levou cerca de três anos e meio. É com certeza um local imperdível em meio ao centrinho comercial.

CNN Viagem e Gastronomia
https://viagemegastronomia.cnnbrasil.com.br/viagem/arranha-ceus-modernos-doha-catar-pulsa-cultura-em-mercado-tradicional-museus/