Mina de minério de ferro Casa da Pedra, operada pela CSN Mineração em Congonhas (MG), no Quadrilátero Ferrífero Foto: Divulgação/CSN Mineracão |
CSN negocia venda da MRS logística com empresa de mineração do grupo para reforçar o caixa

CSN negocia venda da MRS logística com empresa de mineração do grupo para reforçar o caixa

Com dívida líquida de R$ 37,5 bilhões, empresa foi rebaixada pela agência de classificação de risco S&P pela alavancagem financeira; companhia pode levantar até R$ 4 bi com venda de ações na ferrovia MRS


Por Ivo Ribeiro

Pressionada por uma alavancagem financeira elevada e por dificuldade de liquidez frente a compromissos que vão vencer nos próximos anos, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) busca uma solução "dentro de casa" para levantar capital e poder equacionar sua estrutura de dívida. A empresa está negociando com seus sócios a venda de parte ou a totalidade de suas ações na ferrovia MRS Logística à própria controlada CSN Mineração (CMIN).

Atualmente, em porcentuais arredondados, a CSN tem 19% do capital social da MRS e a CMIN a mesma participação. A ferrovia, que tem mais três acionistas (Vale, Gerdau e Usiminas), é um ativo estratégico no transporte de minério de ferro da região produtora de Minas Gerais até o porto de Itaguaí (RJ). Os 1,7 mil quilômetros de trilhos acessam ainda os portos do Rio e de Santos com aço, cimento, carvão e outros itens de carga geral.

A CSN, apesar dos esforços anunciados ao longo do ano, não conseguiu um alívio no perfil de endividamento ao final do terceiro trimestre. O balanço publicado no início de novembro trouxe índice de alavancagem financeira de 3,14 vezes pelo critério de dívida líquida sobre lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês).

O indicador persiste acima de 3 vezes desde o primeiro trimestre de 2024. Não baixou mesmo com a injeção de R$ 4,4 bilhões da venda de 11% das ações da empresa na mineradora em novembro do ano passado para a sócia japonesa Itochu Corporation.

A situação da CSN ficou mais exposta há duas semanas, com a decisão da agência de classificação de risco S&P National Ratings de rebaixar seus ratings de 'brAA+' para 'brAA' e colocá-los em observação (CreditWatch negativo) por alavancagem elevada. Procurada, a CSN não se pronunciou sobre o assunto.

O mesmo procedimento foi feito na CMIN: a mineradora teve rebaixados os ratings de crédito de emissor e de emissão também de 'brAA+' para 'brAA', que ficaram também em observação. O rating de recuperação 'br3' (60%) da dívida da CMIN permaneceu inalterado.

Na avaliação dos analistas da S&P, a melhora do desempenho operacional da CSN em 2025, com resultados positivos nas divisões de mineração e cimento, não foi suficiente para uma melhora relevante na sua alavancagem, dados os expressivos pagamentos de juros pela empresa relativos à dívida. A companhia fechou o trimestre com dívida líquida de R$ 37,5 bilhões, após subtrair o caixa consolidado de R$ 18,8 bilhões. A empresa reportou ainda fluxo de caixa operacional negativo de R$ 815 milhões ao final do trimestre.

A CSN precisa de dinheiro e uma saída mais rápida é buscar "dentro de casa". A CMIN tem dinheiro - um caixa de R$ 13,6 bilhões e dívida líquida negativa de R$ 3,9 bilhões. Mas a controladora CSN, comandada por Benjamin Steinbruch, não pode pegar dinheiro dessa empresa para pagar suas dívidas.

A mineradora é independente, pois tem sócios japoneses, sul-coreano e chinês e está listada desde 2021 na B3. A saída, com aval dos sócios, é transferir para a CMIN a fatia acionária que tem na MRS, que leva o minério extraído em Congonhas (MG), da mina Casa de Pedra, para o mercado de exportação e para a própria CSN, em Volta Redonda (RJ).

A CSN, de Benjamin Steinbruch, tem dívida líquida de R$ 37,5 bilhões; agência S&P rebaixou os ratings da empresa devido á alta alavancagem financeira. Foto: Evelson de Freitas/Estadão
A CSN, de Benjamin Steinbruch, tem dívida líquida de R$ 37,5 bilhões; agência S&P rebaixou os ratings da empresa devido á alta alavancagem financeira Foto: Evelson de Freitas/Estadão

Validação de comitê independente

A operação de venda, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, tem de ser validada por um comitê independente, de forma a proteger os acionistas minoritários. Esse comitê vai definir o valor justo da transação de venda para a controlada de mineração.

Para chegar ao valor da MRS, um critério são os múltiplos de Ebitda. No setor de ferrovia, fora do País, chega-se a até 8 vezes, menos a dívida. No Brasil, de acordo com um analista que acompanha o setor de infraestrutura, gira em 6 a 7 vezes. A Rumo Logística, do grupo Cosan, por exemplo, é avaliada em 5,5 vezes o seu Ebitda.

Considerando Ebitda esperado de R$ 4 bilhões para a MRS neste ano, e aplicando múltiplo de 6 vezes, estima-se um valor da concessionária de ferrovias de R$ 19 bilhões, já descontada a dívida líquida de R$ 5,3 bilhões. Se a CSN vender 10% de suas ações, obteria em torno de R$ 2 bilhões, montante que pode saltar para R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões se decidir se desfazer de toda a sua participação - 19%.

O negócio faz sentido para a CMIN, do ponto de vista operacional e estratégico, pois garante o tripé crucial de uma companhia de mineração que tem a grande parte de sua venda no mercado externo - o sistema mina-ferrovia-porto. O volume de minério no futuro, caso sejam realizados os projetos de expansão, vai atingir mais de 60 milhões de toneladas por ano, ante as atuais 44 milhões de toneladas próprias e de compra de terceiros. Aparentemente, não haveria uma grande descapitalização da mineradora, pois seu caixa é robusto.

A MRS, de janeiro a setembro deste ano, transportou 157,2 milhões de toneladas, sendo dois terços de minério de ferro e outros bens minerais. Cerca de 90% vai para o mercado externo. A receita líquida no período somou R$ 5,64 bilhões e o Ebitda, R$ 3 bilhões, com margem de 53,2%. A concessionária é uma grande geradora de caixa em suas operações.

Operação ajuda no problema de liquidez

Uma pergunta é o quanto isso será suficiente para desafogar a CSN da atual situação. Essa operação não muda a dívida líquida da CSN nem a alavancagem, diz um interlocutor que preferiu o anonimato. Ajuda a mais a resolver problemas de liquidez do que de alavancagem, porque a CSN tem dívidas, incluindo um título com vencimento em 2028, que estão na estrutura da companhia e não da mineradora. No total, são R$ 27 bilhões de 2026 a 2028.

Na avaliação da S&P, o setor siderúrgico brasileiro continua pressionado pelas importações chinesas, enquanto a CSN realiza investimentos em expansão relevantes que só trarão resultados significativos a partir de 2027/2028. No momento, destaca que a empresa de Steinbruch precisa entregar bem mais do que tem feito.

"Entendemos que uma recuperação mais acelerada nas métricas depende de eventos externos, como a venda de ativos ou uma resolução favorável do litígio com a Ternium (valor atual da Justiça é de R$ 3 bilhões), fatores que serão determinantes para a evolução do rating nos próximos meses", dizem no relatório.

A S&P projeta dívida líquida ajustada sobre Ebitda para a CSN em cerca de 5,5 vezes neste ano. E diz esperar que continue acima de 5 vezes nos próximos dois anos, se não houver venda de ativos nos próximos meses. Alerta ainda que o CreditWatch com implicações negativas indica a possibilidade de rebaixamento nos próximos 90 dias se não ocorrerem eventos que melhorem a alavancagem para próximo de 4 vezes.

Métricas diferentes

Segundo a empresa de rating, suas métricas de avaliação diferem das reportadas pela CSN. "Nossos principais ajustes são a dívida do projeto Transnordestina (ferrovia que sai do Piauí, corta Pernambuco e Ceará, até o Porto de Pecém, prevista para ficar pronta em 2027), pagamentos de planos de aposentadoria, pré-pagamentos de minério de ferro, arrendamentos, obrigações de desmobilização de ativos, risco sacado e passivos tributários. Esses ajustes somaram R$ 21,4 bilhões à dívida da CSN em setembro de 2025", afirma.

Pelos critérios da S&P, a CSN atingiu um pico de alavancagem de 7,2 vezes ao final de 2024. "Desde então, observamos melhora operacional gradual ao longo dos trimestres, com margens na siderurgia evoluindo de um patamar de 3%-4% ao final de 2023 e início de 2024 para 8%-10% em 2025. Ainda assim, esperamos dívida líquida sobre Ebitda acima de 5,5 vezes ao final de 2025 e acima de 5 vezes em 2026 e 2027".

A venda de participações ou resolução de litígios é fundamental para manutenção do rating, diz a agência de classificação de risco, que projeta geração de fluxo de caixa operacional livre (FOCF, free operating cash flow) negativo em cerca R$ 4 bilhões neste ano e praticamente neutra em 2026.

A CSN informou no fato relevante de 18 de novembro, sobre as negociações de venda das ações na MRS, que notificou no mesmo dia o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre o processo de venda em curso de suas ações na MRS.

Estadão
https://www.estadao.com.br/economia/negocios/csn-busca-capital-dentro-de-casa-para-reforcar-o-caixa-e-honrar-vencimentos-a-partir-de-2026/