Texto prevê tratamento mais rigoroso a membros de facções criminosas do que a autores de crimes hediondos.Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados |
Câmara aprova relatório de Derrite para o PL Antifacção

Câmara aprova relatório de Derrite para o PL Antifacção

Projeto que regulamenta instrumentos de enfrentamento ao crime organizado foi aprovado sem apoio do governo.


A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (18) o texto-base do projeto de lei 5.582/2025, relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que estabelece o novo Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, conhecido como "PL Antifacção". Apesar de ser de autoria do Ministério da Justiça, o projeto passou por uma série de modificações ao longo da tramitação, recebendo orientação contrária do governo: foram 370 votos favoráveis e 110 contrários.

O projeto original previa a criação de novos instrumentos de investigação contra facções criminosas. Ao assumir a relatoria, Derrite incorporou trechos da Lei Antiterrorismo para criar um tratamento jurídico próprio aos faccionados, que passam a receber tratamento mais rigoroso do que o atribuído a crimes hediondos. O projeto será enviado ao Senado após a votação dos destaques, ainda em andamento.

Parecer do relator


O texto prevê a tipificação de novos crimes relacionados ao domínio territorial, sabotagem de serviços públicos, ataques a forças de segurança e uso de armamento pesado. A proposta estabelece penas de 20 a 40 anos para líderes dessas organizações, além de impedir benefícios penais como indulto, anistia, graça e liberdade condicional.

Outro eixo da proposta trata de medidas patrimoniais e financeiras. O projeto permite o bloqueio, sequestro e perda de bens adquiridos por meios ilícitos, inclusive por interpostas pessoas, além de prever ações civis de perdimento de bens paralelas à esfera penal. Empresas utilizadas pelo crime poderão ser alvo de intervenção judicial.

A proposta também reforça a execução penal, estabelecendo que líderes de facções cumpram pena em presídios federais de segurança máxima, exigindo o cumprimento de até 85% da pena antes da progressão de regime.. Estabelece ainda que dependentes de membros dessas organizações não poderão receber o auxílio-reclusão. O uso de drones e equipamentos de contrainteligência para facilitar crimes será considerado causa de aumento de pena.

Entre os dispositivos adicionais, o projeto prevê a criação de um banco nacional de dados sobre membros de organizações criminosas ultraviolentas, com interoperabilidade entre Estados. Também estabelece conceito legal para essas organizações e prevê participação do Ministério Público em forças-tarefa de investigação. Ativos poderão ser perdidos automaticamente na fase de inquérito se não houver comprovação de origem lícita e risco de dissipação.

"Diante do exposto, o objetivo deste relator é simples e direto: restringir o espaço de atuação do crime organizado, impedir sua reprodução econômica e restabelecer o poder do Estado sobre o território nacional", sintetizou Derrite.

Atrito com o governo


Em sua versão final, o relator manteve os dois pontos de maior divergência com o governo. O primeiro é a divisão de bens apreendidos pelas forças de segurança entre os entes federados que participaram da operação, alterando a regra atual, que é de entrega à União. O Ministério da Justiça considera que essa divisão pode comprometer o orçamento da Polícia Federal, que depende dos fundos abastecidos por essas apreensões.

Também foi excluída do texto a criação de um novo tipo penal voltado aos membros de facções criminosas. O Executivo teme que na forma final, com múltiplos tipos, possa-se criar uma insegurança jurídica favorável aos faccionados com processos judiciais em curso. "Nós estamos aqui com um projeto que cria uma confusão jurídica para definir o que é o crime de facção. (...) Aqui eles criam uma verdadeira miríade para favorecer o crime organizado", afirmou Erika Kokay (PT-DF), vice-líder do PT.

O governo também alega que, na forma do parecer, ficaram enfraquecidos os instrumentos de apreensão de bens de grupos criminosos, comprometendo a própria oferta de recursos para novas investigações.

Deputados governistas tentaram adiar a votação, primeiro com um requerimento de retirada de pauta, e depois com um de adiamento de discussão. Os dois foram rejeitados. A bancada ainda apresentou um destaque para que fosse votado o texto original do Ministério da Justiça, proposta também rejeitada.

Apoio do coautor


O projeto de Derrite incorporou partes do projeto de lei 1.283/2025, que equipara facções criminosas a grupos terroristas. Apesar de não ter adotado a equiparação, o autor do projeto, Danilo Forte.congressoemfoco.com.br/parlamentar/162881 (União-CE), elogiou o parecer.

"O trabalho que o deputado Derrite fez foi exatamente o de encontrar denominações em comum para que o nosso projeto da tipificação do crime organizado como terrorista pudesse ter validade no aumento das penas, no fim da audiência de custódia, no fim do indulto, no fim da evolução da pena que muitas vezes se transforma até em um estímulo [aos criminosos]", declarou.

Destaques suprimidos


Durante os debates, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) informou que não seriam submetidos à apreciação destaques que pudessem implicar em mudanças na Lei Antiterrorismo. A orientação partiu da Secretaria-Geral da Mesa, que alertou sobre o risco de nulidade do projeto caso fosse incorporada alguma mudança nesse sentido, por se tratar de matéria estranha ao escopo do projeto.

Na prática, a decisão enterrou um destaque apresentado pela bancada do PL, que previa exatamente a equiparação expressa entre facções criminosas e grupos terroristas.

Congresso em Foco
https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/114004/camara-aprova-relatorio-de-derrite-para-o-pl-antifaccao