Concessão no Parque Ibirapuera, cartão postal de São Paulo, é alvo de inquérito do MP paulista desde 2024 Imagem: Renato S. Cerqueira/Ato Press/Folhapress |
'Ibirapuera virou shopping center': MP aponta falhas na concessão do parque

'Ibirapuera virou shopping center': MP aponta falhas na concessão do parque

Manuela Rached Pereira


O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) concluiu, após uma vistoria técnica, que o Parque Ibirapuera, na zona sul, tem sido "descaracterizado" como espaço público e patrimônio histórico tombado desde a concessão da área à iniciativa privada. A concessionária que faz a gestão do parque nega irregularidades.

O que aconteceu

Remoção de árvores, asfaltamento de áreas verdes e preços "inacessíveis" de serviços no parque estão entre os problemas apontados em parecer técnico do MP. O documento, obtido pelo UOL, foi produzido após uma vistoria realizada em setembro no Ibirapuera por peritos do Ministério Público paulista, que investiga, desde dezembro de 2024, a gestão do parque pela concessionária Urbia.

"Ibirapuera virou shopping center", afirma o promotor Silvio Marques. Ele é o responsável pelo inquérito aberto pelo MP-SP para apurar denúncias sobre a gestão do parque. Conforme descrito no parecer, entre as supostas irregularidades investigadas, estão a "utilização predatória de espaços públicos por empresários" e a "atuação desidiosa" da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo na fiscalização do cumprimento do contrato de concessão do parque público, assinado no fim de 2019.

Urbia nega irregularidades. Em nota, a empresa afirma que lamenta a divulgação "prematura e equivocada" do parecer, que, segundo a Urbia, contém "uma série de dados inverídicos, imprecisões e interpretações distorcidas sobre a gestão do Parque Ibirapuera" (leia o posicionamento na íntegra abaixo).

A prefeitura diz que o modelo de concessões sob Ricardo Nunes (MDB) tem melhorado as estruturas e serviços à população em equipamentos públicos da capital, incluindo no Ibirapuera. Em nota, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, avalia que o parque "é um exemplo desses avanços ao registrar o maior número de visitantes dos últimos cinco anos e altos índices de aprovação nas pesquisas de satisfação" (leia mais do posicionamento abaixo).

O promotor afirma que, após a conclusão do inquérito, o MP paulista poderá abrir ação civil pública contra a Urbia. A ação, segundo Silvio Marques - que não quis entrar em detalhes sobre o processo até o encerramento da investigação -, visa a anular a concessão do parque para "proteger seu patrimônio público, social e ambiental".

O que diz o parecer

A vistoria apontou "ineficiência ambiental" na gestão do parque pela Urbia. O parecer técnico do MP-SP, assinado pela arquiteta e urbanista Luise Stabile Prates e pela bióloga Mariana Draque Vasconcelos, destaca "impermeabilizações diversas", decorrentes do asfaltamento de áreas antes ocupadas por gramados, e a remoção de árvores para construção e expansão de estabelecimentos comerciais.

O parecer lista práticas como:


  • "Remoção arbórea seguida da construção de um restaurante (churrascaria) próximo ao portão 7";
  • "impermeabilizações diversas, decorrentes, dentre outros, do asfaltamento de estacionamento, da instalação de pisos sobre os carrinhos que vendem lanches e bebidas apoiados no gramado do parque, e da construção de novos caminhos para pedestres".
  • O plano diretor do Ibirapuera e normas de tombamento proíbem a impermeabilização de novas áreas no parque, destaca MP. O plano municipal veda, entre outras práticas, "a redução na taxa de permeabilidade do parque, prevendo, se necessário, o uso de tecnologia contemporânea, sempre com o objetivo de reduzir e nunca de aumentar as áreas impermeáveis". Também a resolução estadual sobre patrimônios tombados proíbe o aumento de áreas construídas, bem como a "diminuição dos atuais espaços permeáveis e/ou cobertos por vegetação em toda área do parque".

[Obras de impermeabilização de solos no parque] reduzem a capacidade local de infiltração da água pluvial, uma vez que, conforme amplamente descrito pela literatura especializada, a infiltração de água em solos recobertos por vegetação é expressivamente maior do que aquela em solos descobertos. Também reduzem a área disponível à fauna associada ao parque (como aves, insetos e pequenos mamíferos), em aspectos como forrageio [procura de alimento] e reprodução.

Trecho de parecer do MP

Serviços a 'preços inacessíveis'


Tabela de preços para uso do chuveiro em hub esportivo gerido pela Urbia no Ibirapuera
Tabela de preços para uso do chuveiro em hub esportivo gerido pela Urbia no Ibirapuera Imagem: Reprodução / MP-SP

O parecer também destaca a cobrança de valores "inacessíveis" de serviços no parque. Ainda segundo o documento, a vistoria do MP constatou que o local onde funciona um hub esportivo "pratica política de preços inacessíveis à população geral frequentadora do parque, para prestação de serviços de vestiário, lockers, permanência no edifício, entre outros".

O valor cobrado por 10 minutos de banho ao público geral é de R$ 30. Aos associados à assessoria esportiva da Urbia a taxa é de R$ 25 pelo mesmo período. A concessionária oferece ainda combos mensais e bimestrais para o uso do chuveiro, conforme a imagem abaixo.

[Esses] Fatores se apresentam como indicativos da descaracterização do Parque enquanto equipamento público.

Trecho de parecer do MP-SP

O que dizem a Urbia e a prefeitura

Urbia diz que suas ações são pautadas por "estrita legalidade", "compromisso de revitalização e sustentabilidade", em conformidade com contrato de concessão e plano diretor do parque. "Em cinco anos de gestão, a Urbia investiu e continua investindo mais de R$ 300 milhões em melhorias nas instalações para garantir à população um espaço seguro e bem equipado para lazer, esportes e acesso à cultura", diz a empresa, em nota.

Concessionária afirma que o parecer apresenta "erros, inverdades e equívocos factuais". Tais pontos, diz a Urbia, "serão esclarecidos oportunamente no prazo corrente" para manifestação. "Desde o início de sua gestão, a Urbia, na verdade, aumentou as áreas permeáveis do Parque em mais de 24 mil m², o que foi possível com a remoção de asfaltos e calçadas em determinados locais, a exemplo dos caminhos secundários, assim como o aumento das áreas ajardinadas", acrescentou em nota.

Empresa também nega remoção de árvores para realização de construções. "Todas as supressões e podas realizadas foram estritamente motivadas pelo estado fitossanitário das espécies e foram autorizadas pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Inclusive, a Urbia recuperou mais de 70 mil m² de áreas verdes e plantou mais de 600 mudas de árvores nativas", afirma.

Urbia ressalta que o contrato de concessão confere à empresa o direito de obter receitas comerciais. Ela pontua que os rendimentos permitidos podem advir da "cessão do direito de uso das áreas concedidas, parcerias comerciais e serviços adicionais fornecidos aos usuários, todas elas em estrito atendimento à legislação e com o devido recolhimento de impostos". E completa: "Essa prerrogativa é uma importante fonte de receita da modelagem da concessão e essencial para atingir o resultado econômico equilibrado e obter recursos para fazer frente às obrigações financeiras e operacionais, garantindo a manutenção da gratuidade integral do acesso ao Parque".

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente diz que cumpre papel de fiscalizar ações da Urbia. A pasta afirma ainda que "as intervenções realizadas no parque são submetidas à aprovação técnica dos órgãos reguladores competentes, garantindo a preservação ambiental, qualidade do equipamento público e o bem-estar dos visitantes".

Sobre o parecer do MP paulista, a secretaria diz que se manifestará dentro do prazo legal. Ressaltou, por fim, que "algumas questões já foram respondidas em ofícios anteriores", sem especificar quais.

Leia a nota da Urbia na íntegra


A Urbia lamenta a divulgação prematura e equivocada de um relatório que contém uma série de dados inverídicos, imprecisões e interpretações distorcidas sobre a gestão do Parque Ibirapuera. Desde o início da concessão, todas as ações da Urbia têm sido pautadas pela estrita legalidade, pelo compromisso de revitalização e sustentabilidade do Parque, em conformidade com o Contrato de Concessão e o Plano Diretor. Em cinco anos de gestão, a Urbia investiu e continua investindo mais de R$ 300 milhões em melhorias nas instalações para garantir à população um espaço seguro e bem equipado para lazer, esportes e acesso à cultura. É fundamental esclarecer que o documento apresenta erros, inverdades e equívocos factuais que serão esclarecidos oportunamente no prazo corrente para nossa manifestação. Desde o início de sua gestão, a Urbia, na verdade, aumentou as áreas permeáveis do Parque em mais de 24 mil m², o que foi possível com a remoção de asfaltos e calçadas em determinados locais, a exemplo dos caminhos secundários, assim como o aumento das áreas ajardinadas. Da mesma forma, não houve qualquer remoção de árvores para realização das construções; todas as supressões e podas realizadas foram estritamente motivadas pelo estado fitossanitário das espécies e foram autorizadas pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA). Inclusive, a Urbia recuperou mais de 70 mil m² de áreas verdes e plantou mais de 600 mudas de árvores nativas. Quanto às estruturas mencionadas no documento, a Urbia informa que todas as intervenções realizadas estão em conformidade com o Plano Diretor e com o Contrato de Concessão. Por fim, por ser sua lógica principal, o Contrato confere à Concessionária o direito de obter receitas comerciais advindas da cessão do direito de uso das áreas concedidas, parcerias comerciais e serviços adicionais fornecidos aos usuários, todas elas em estrito atendimento à legislação e com o devido recolhimento de impostos. Essa prerrogativa é uma importante fonte de receita da modelagem da concessão e essencial para atingir o resultado econômico equilibrado e obter recursos para fazer frente às obrigações financeiras e operacionais, garantindo a manutenção da gratuidade integral do acesso ao Parque. Além do mais, há a desoneração da Prefeitura em quase R$ 2 bilhões, em 35 anos, sendo o Parque, ainda, uma fonte de receitas para a Prefeitura, que é remunerada trimestralmente mediante o recebimento de outorga variável paga pela Urbia, gerando caixa para investimentos do Poder Público. As receitas do projeto ainda beneficiam outros cinco parques municipais em regiões periféricas da cidade, oferecendo lazer gratuito e de alta qualidade às zonas urbanas carentes de espaços verdes. A Urbia reafirma a legalidade e compromisso com os usuários do parque.

Uol
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/11/17/ibirapuera-virou-shopping-conclui-mp-apos-vistoria-em-parque-de-sp.htm