A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, com Angra 1 e Angra 2 em operação - Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo |
Eletronuclear pede R$ 1,4 bi ao governo: veja as opções para tapar o rombo nas contas das usinas nucleares

Eletronuclear pede R$ 1,4 bi ao governo: veja as opções para tapar o rombo nas contas das usinas nucleares

Fontes ouvidas pelo GLOBO avaliam que há alternativas a repasse direto do Tesouro


Por Vinicius Neder e Geralda Doca - Rio e Brasília

Apesar do alerta de "risco de colapso operacional e financeiro", caso não receba um aporte de R$ 1,4 bilhão até o fim do ano, feito pela Eletronuclear - estatal que opera as usinas termonucleares Angra 1 e Angra 2 - há uma série de opções antes que o Tesouro Nacional tenha que fazer um aporte para reforçar o caixa da empresa, disseram fontes que acompanham o caso e pediram para falar sob condição de anonimato.

Entre as saídas estão a suspensão da cobrança pelo BNDES e pela Caixa das dívidas de longo prazo das obras de Angra 3; ampliar os atrasos nos pagamentos pelo fornecimento do urânio pela INB, a estatal responsável pelo enriquecimento do combustível; a autorização de mais um saque, de quase R$ 1 bilhão, de um fundo mantido pela Eletronuclear para desmontar as usinas atômicas quando a vida útil terminar; e um financiamento de R$ 2,4 bilhões a cargo da Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, da família Batista, que acaba de se tornar sócia da estatal nuclear.

O pedido de aporte de R$ 1,4 bilhão está em ofício enviado ao Ministério de Minas e Energia pela ENBPar - holding estatal criada para que a União seguisse com o controle da Eletronuclear e da Itaipu Binacional após a privatização da antiga Eletrobras, recentemente rebatizada como Axia Energia.

Procuradas, a Axia e a Âmbar não comentaram.

O financiamento de R$ 2,4 bilhões está previsto no acordo a que a antiga Eletrobras e a União chegaram, em ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). A operação depende da homologação final do acordo - o julgamento está na pauta da próxima sexta-feira do plenário virtual do STF.

Fatia da Axia

Mesmo após a privatização da hoje Axia, a companhia seguiu com uma participação acionária na Eletronuclear. No acordo judicial - em ação provocada pelo governo, que questionava os termos da privatização na gestão Bolsonaro - ficou previsto que a Axia poderia vender a fatia, mas assumiria o financiamento, por meio de títulos de dívida.

Neste mês, foi anunciada a venda da fatia para a Âmbar, que tem capital fechado e vem fazendo aquisições bilionárias recentemente. Conforme o comunicado que anunciou a transação, todas as obrigações do acordo com a União, inclusive o financiamento de R$ 2,4 bilhões, ficarão com a Âmbar.

A dúvida é se o STF concluirá a homologação a tempo de a Eletronuclear emitir pelo menos parte dos títulos até o fim do ano. Segundo apurou O GLOBO, como costuma acontecer com negócios do tipo, a transação é um processo que pode levar até seis meses.

Se a Eletronuclear lançar os títulos neste ínterim, a Axia seria obrigada a investir nos papéis para em seguida ser ressarcida pela Âmbar, segundo duas das fontes ouvidas pelo GLOBO.

A suspensão da cobrança das dívidas das obras de Angra 3 pelo BNDES e pela Caixa seria uma saída óbvia porque esses pagamentos, que somam cerca de R$ 800 milhões por ano, são a principal fonte de desequilíbrios da Eletronuclear e porque um aporte do Tesouro serviria para a estatal pagar outras estatais.

A dívida do BNDES foi suspensa no ano passado, mas voltou a ser cobrada em janeiro. Em fevereiro, o então presidente da estatal, Raul Lycurgo, que deixaria o cargo em meados do ano, já alertava que a indefinição sobre Angra 3 ameaçava o caixa da Eletronuclear.

Procurada, a empresa informou que "BNDES e CEF condicionam qualquer novo waiver (perdão) apenas se houver clareza sobre o futuro do projeto". O BNDES não respondeu até a publicação da reportagem.

A construção da terceira usina nuclear brasileira começou em meados dos anos 1980, mas crises econômicas e escândalos de corrupção pararam tudo mais de uma vez. O canteiro de obras parado - ao lado de Angra 1 e Angra 2, na costa fluminense -e a manutenção de equipamentos já comprados custam mais de R$ 200 milhões ao ano.

Outra saída é o saque do fundo mantido pela Eletronuclear para desmontar as usinas atômicas. Ano passado, a Eletronuclear fez uma retirada de R$ 374 milhões, que chegou a ser questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas acabou aprovada. Este ano, pediu para retirar mais cerca de R$ 900 milhões.

O tema é polêmico, porque envolve segurança e descontaminação no local das usinas daqui a algumas décadas. Uma das fontes ouvidas pelo GLOBO avalia que os saques não comprometem o objetivo do fundo, pois são apenas em valores que ultrapassem o total garantido para desmontar e descontaminar tudo.

Papel da ANSN

O pedido do saque é feito à Aneel, agência que regula o setor elétrico, e à recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), que regula a atividade e não deverá dar o aval, segundo uma fonte . Procurada, a ANSN não comentou a informação.

- Dificilmente esse saque será autorizado pela ANSN, porque, na realidade, esses recursos são para você fazer descomissionamento (desmontagem), para uma série de coisas, então, foge da propriedade - afirmou Celso Cunha, presidente da Abdan, entidade que representa a cadeia de negócios do setor nuclear.

O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2025/10/28/eletronuclear-pede-r-14-bi-ao-governo-veja-as-opcoes-para-tapar-o-rombo-nas-contas-das-usinas-nucleares.ghtml