Denny Militello: 'A lei não prevê a possibilidade de associação fazer uso da recuperação' - Foto: Divulgação |
TJSP suspende recuperação judicial do Jockey Club de São Paulo

TJSP suspende recuperação judicial do Jockey Club de São Paulo

Decisão é do desembargador Carlos Alberto de Salles, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial


Por Marcela Villar, Valor - São Paulo

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) suspendeu a recuperação judicial do Jockey Club de São Paulo, deferida no dia 22 de setembro. O desembargador Carlos Alberto de Salles, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, acatou o argumento de um credor de que não há respaldo legal para uma associação sem fins lucrativos se beneficiar do instituto.

A decisão, contudo, ainda é provisória e manteve o stay period - período de proteção que evita as ações de cobrança e execução contra a devedora. Na prática, o Jockey Club continua protegido até a análise do mérito do recurso, sem data para julgamento. A dívida é de, pelo menos, R$ 38 milhões (apesar de só ter listado R$ 19 milhões na petição inicial), além de passivo R$ 634 milhões não submetido ao processo, de acordo com relatório da administradora judicial, a AJ Ruiz.

A discussão se baseia na possibilidade de associação sem fins lucrativos pedir recuperação judicial. Pela de Lei de Recuperação Judicial e Falência, a nº 11.10, de 2005, só podem fazer o pedido empresários e sociedades empresárias. Segundo advogados, a maior parte dos precedentes em São Paulo veda a proteção para essas entidades, mas há decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que flexibilizam a regra.

Uma delas foi um acórdão da 4ª Turma do STJ, em 2022, no caso do Grupo Educação Metodista. Mesmo sendo entidade sem fins lucrativos, os ministros consideraram que é possível o pedido de reestruturação, pois sua atuação tem finalidade econômica (TP 3654). Já a 3ª Turma, em 2024, entendeu o contrário, vedando uma interpretação extensiva da lei (REsp 2026250). Para cooperativas médicas, foi permitido (REsp 2183710).

No processo do Jockey Club, o desembargador deu o efeito suspensivo "para obstar, por ora, a prática de atos processuais na recuperação judicial", pois "as associações civis sem fins lucrativos não possuem legitimidade para o pedido de recuperação judicial". Salles manteve a suspensão das cobranças "apenas para evitar expropriação judicial de bens e ativos financeiros antes de se dar oportunidade de oitiva da parte contrária" (processo nº 2317187-40.2025.8.26.0000).

A decisão acatou um pedido feito pelo empresário Ricardo Vidigal Monteiro de Barros, ex-vice-presidente do Jockey Club, a quem é devido R$ 19 milhões por um empréstimo. O credor tenta cobrar a dívida desde 2018 e a execução estava em fase avançada, já com leilão agendado para vender uma unidade de Campinas (SP), o Hipódromo Boa Vista, e quitar a dívida. Mas o certame foi suspenso por conta da recuperação judicial.

Para o advogado Denny Militello, do escritório FreitasLeite Advogados, que representa o credor no caso, a reestruturação não deve ser concedida. "A lei não prevê a possibilidade de associação fazer uso [da recuperação judicial]. Durante a reforma, em 2020, se debateu no Congresso Nacional a respeito disso e a proposta de emenda para que se estendesse para outras entidades empresariais foi rejeitada", afirma.

O Judiciário, acrescenta, "não pode sobrepor algo que foi discutido e rejeitado na reforma da lei". Na visão dele, a decisão do desembargador de suspender o processo é positiva. "Preserva o regramento da lei." Além da falta de previsão legal, diz, não há efetiva atividade empresarial que pudesse justificar a reestruturação.

A advogada Joana Bontempo, consultora e head de reestruturação de empresas de CSMV Advogados, afirma que a decisão é peculiar, pois suspende a recuperação, mas mantém o stay period. "Faz sentido para proteger o caixa da empresa e a possível venda do imóvel, que era a principal preocupação. Mas, da perspectiva dos credores, deixa nesse limbo e tira toda a lógica do processo de recuperação", diz.

Com a suspensão dos atos da recuperação, tudo está suspenso e não será possível fazer a verificação dos créditos, apresentar divergência, convocar assembleia ou apresentar plano. "Pode haver um descasamento dos prazos processuais e pode acontecer o que a gente tem visto em outros casos, que são as recuperações se alongando", completa Joana.

Ela reforça que o Congresso Nacional, ao discutir a reforma da lei de insolvência, optou por deixar de fora as associações. "Se foi opção legislativa não incluir, não cabe ao Poder Judiciário fazer uma interpretação diferente da lei", acrescenta.

A recuperação judicial do Jockey Club foi deferida por decisão do juiz Jomar Juarez Amorim, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, em setembro deste ano, seis meses após o pedido. Na decisão, ele diz que "não parece razoável excluir a entidade, enquanto agente econômico gerador de riqueza, do regime recuperatório".

"Os elementos trazidos com a petição inicial evidenciam a relevância econômico-social da atividade desenvolvida pelo Jockey Club, para além do seu valor histórico, justificando o acesso ao processo recuperacional", afirma o juiz, na decisão de setembro.

No pedido, o clube, de 150 anos, alega que a crise financeira começou no período de pandemia da covid-19 e com suposta dívida de IPTU - de mais de R$ 500 milhões, segundo relatório da AJ. O clube ressalta que realiza atividades econômicas empresariais, como locação de espaços para restaurantes, para eventos de entretenimento e a prestação de serviços médico-veterinários, o que também foi incluído no relatório da AJ Ruiz.

Procurada pelo Valor, a defesa do Jockey Club informou que não comentaria a decisão.

Valor
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/10/14/tjsp-suspende-recuperacao-judicial-do-jockey-club-de-sao-paulo.ghtml