Entidades defendem que mudança no zoneamento seja suspensa pela Justiça; procurada, Prefeitura não comentou
Por Priscila Mengue
Ao menos duas associações de moradores de São Paulo estão se mobilizando para reivindicar a suspensão judicial da mudança no zoneamento de parte da Cidade Jardim, que permitiu prédios em quadras antes restritas a casas. As entidades de bairro se inspiram na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que barrou alteração semelhante em quadras de Alto de Pinheiros.
A Sociedade Amigos Colina das Flores buscou o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em abril. Segundo o MP, "o caso está em fase de instrução para propositura de Adin". A Sociedade Amigos da Cidade Jardim (SACJ) também diz questionar judicialmente a situação desde o ano passado.
Uma das mais importantes leis urbanísticas, o zoneamento determina o que pode ser construído ou funcionar na maioria dos endereços da capital. Sua nova versão entrou em vigor em abril de 2024. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a barrar a mudança na Cidade Jardim, mas a Câmara Municipal derrubou o veto.
Depois, os vereadores também tentaram liberar prédios em outras quadras, mas não conseguiram.
Procurada pelo Estadão, a gestão municipal não quis se manifestar.
O posicionamento das duas entidades, porém, não é unânime. A Associação Vizinhos do Jockey é favorável à mudança no zoneamento e, em 2024, entregou carta aos vereadores para manter as alterações.
Essa organização representa moradores de quadras mais próximas do Jockey Club, na zona sul, entre a Avenida dos Tajurás e o hipódromo. As demais entidades envolvem outros trechos do bairro.
O que mudou no zoneamento da Cidade Jardim?
A mudança envolve quadras antes demarcadas como Zona Exclusivamente Residencial (ZER). Esse é um dos tipos mais restritivos de zoneamento, que permite praticamente apenas a construção de imóveis residenciais de até 10 metros de altura.
Com a alteração na lei, parte da antiga ZER e da Zona Corredor (cinturão de comércios e serviços em imóveis de baixa estatura) passou a ser Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana (ZEM). A nova classificação permite prédios de 28 metros de altura e o dobro do volume construtivo em comparação à regra anterior.
A mudança abrange a Rua Doutor José Augusto de Queiroz, a Avenida dos Tajurás, as ruas Severo Dumont, Doutor Alberto da Silveira, Fonseca Teixeira e mais trechos de vias.
Além disso, por meio de um Plano de Intervenção Urbana (PIU), uma ZEM pode passar a ter parâmetros ainda mais flexíveis. Entre eles, estão o aval para prédios altos e o acesso a incentivos atrativos para construir - como tem ocorrido no entorno de estações de metrô.
Como o Estadão revelou no ano passado, há ao menos uma incorporadora com planos para a região.
O que dizem as associações sobre a mudança?
A Sociedade Amigos Colina das Flores preparou parecer técnico-jurídico sobre os possíveis impactos no bairro.
No documento, apresenta o caso de Alto de Pinheiros como precedente para a sua reivindicação. "As quadras da Cidade Jardim discutidas nesta representação é caso idêntico, exceto por se tratar de outro bairro", diz o documento.
"A semelhança entre os dois casos é certa e não é coincidência. Trata-se de regiões valorizadas do Município, propícias para construção de edifícios de alto poder aquisitivo, que desejam ocupar de forma exacerbada os lotes, explorar o potencial construtivo da cidade", acrescenta.
"Resolvemos entrar com a representação no Ministério Público quando todos os outros caminhos estavam esgotados. Fizemos todos os caminhos administrativos possíveis", afirma a presidente da entidade, Maria Camila Moraes.
Ela conta que a organização não identificou, até o momento, licenciamentos ou alvarás para novos prédios no entorno, mas relata demolições e casas esvaziadas.
A Sociedade Amigos da Cidade Jardim disse ao Estadão estar mobilizada para a proteção do bairro e a defesa de seus interesses. "Os moradores estão envolvidos e empreendendo esforços para tanto", afirma uma das representantes da organização, Solange Menendez.
Por fim, a Associação Vizinhos do Jockey destaca que já há uma edificação em uma das quadras mais próximas do hipódromo. Dessa forma, argumenta que a mudança no chamado "Bolsão 1" do bairro garante "mesmo tratamento sob a perspectiva urbanística". O "Bolsão 1" fica entre a Avenida dos Tajurás e o Jockey, mas é uma divisão informal do bairro, sem desenho específico.
"Isso elimina situações estranhas como a que era vigente antes, onde uma pequena rua podia ter prédio de um lado e não podia ter do outro lado dessa mesma rua", aponta Sandra Maria Lima de Oliveira, presidente da entidade.
"Os moradores do Bolsão 1 entendem que isso equilibra melhor o valor dos imóveis deste bolsão, evitando desvalorizações com a insegurança jurídica como havia antes da regulamentação", completa.
Em Alto de Pinheiros, a Adin foi movida pelo MP-SP após ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), que contestava a mudança de zoneamento que liberava prédios em áreas antes restritas a casas e estabelecimentos de baixa estatura. A nova classificação foi suspensa pela Justiça no ano passado.
Um dos entendimentos do Ministério Público é de que a alteração favoreceria especialmente uma igreja, que tem planos de construir um megatemplo em parte que recebeu novo zoneamento e chegou a demolir casas vizinhas após a revisão da lei. A Prefeitura, a Câmara e a Igreja Presbiteriana de Pinheiros negaram irregularidades.
Prefeitura disse que mudança poderia 'descaracterizar' Cidade Jardim
Parte dos especialistas considera a mudança no zoneamento da Cidade Jardim como ilegal. Também avalia que está em desacordo com o que foi tratado na revisão do zoneamento: de que não seriam feitas alterações nas zonas exclusivamente residenciais.
Apontamentos semelhantes foram feitos pelos próprios técnicos da Prefeitura, o que embasou o veto de Nunes derrubado pelos vereadores. O prefeito justificou, nas razões de veto, que "o incremento de adensamento não condiz com o entorno predominantemente residencial, pois acabaria descaracterizando-o".

Alteração no zoneamento envolve quadras próximas do Jockey Club, na zona sul de São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 28/06/2024
À época da mudança na lei, o Estadão procurou o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), e a presidência da Câmara - então de Milton Leite (União Brasil). Em nota conjunta, defenderam que a aprovação da lei ocorreu de "forma democrática, legal e com ampla aprovação do plenário".
Também salientaram que a alteração ocorreu após o recebimento de "sugestões acolhidas durante todo o processo de revisão".
Até a revisão do zoneamento, a lei proibia a demarcação de uma ZEM na chamada Macroárea de Urbanização Consolidada. Essa área abrange distritos com urbanização estabelecida, como a maior parte de Perdizes, Alto de Pinheiros, Morumbi, Vila Mariana e Jardim Paulista.
Anteriormente, as ZEMs eram permitidas só em locais com boa infraestrutura e subutilizados, como antigas áreas industriais. Há mais de uma década, esse tipo de demarcação abrange, por exemplo, trechos dos distritos Lapa, Santo Amaro e Belém.
Zoneamento do Jockey Club também mudou
Além das áreas de ZER, a revisão do zoneamento alterou a classificação do Jockey. O local passou a ser Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), porque passou a constar na lista de parques municipais com criação proposta no Plano Diretor.
Prefeitura e Jockey disputam o destino do hipódromo na Justiça. A principal proposta de Nunes é criar um parque. Como o Estadão mostrou, contudo, essa é uma postura nova: o Município se manifestou contrariamente a um parque no local em 2021, chamando então a iniciativa de "inviável".
Estadão
https://www.estadao.com.br/sao-paulo/depois-de-alto-de-pinheiros-cidade-jardim-tambem-se-mobiliza-para-barrar-predios/