Mudança na Lei de Zoneamento liberou construção de prédios em quadras próximas do Jockey Club. Foto: Felipe Rau/Estadão - 24/04/2024 |
Depois de Alto de Pinheiros, Cidade Jardim também se mobiliza para barrar prédios

Depois de Alto de Pinheiros, Cidade Jardim também se mobiliza para barrar prédios

Entidades defendem que mudança no zoneamento seja suspensa pela Justiça; procurada, Prefeitura não comentou


Por Priscila Mengue

Ao menos duas associações de moradores de São Paulo estão se mobilizando para reivindicar a suspensão judicial da mudança no zoneamento de parte da Cidade Jardim, que permitiu prédios em quadras antes restritas a casas. As entidades de bairro se inspiram na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que barrou alteração semelhante em quadras de Alto de Pinheiros.

A Sociedade Amigos Colina das Flores buscou o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em abril. Segundo o MP, "o caso está em fase de instrução para propositura de Adin". A Sociedade Amigos da Cidade Jardim (SACJ) também diz questionar judicialmente a situação desde o ano passado.

Uma das mais importantes leis urbanísticas, o zoneamento determina o que pode ser construído ou funcionar na maioria dos endereços da capital. Sua nova versão entrou em vigor em abril de 2024. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a barrar a mudança na Cidade Jardim, mas a Câmara Municipal derrubou o veto.

Depois, os vereadores também tentaram liberar prédios em outras quadras, mas não conseguiram.

Procurada pelo Estadão, a gestão municipal não quis se manifestar.

O posicionamento das duas entidades, porém, não é unânime. A Associação Vizinhos do Jockey é favorável à mudança no zoneamento e, em 2024, entregou carta aos vereadores para manter as alterações.

Essa organização representa moradores de quadras mais próximas do Jockey Club, na zona sul, entre a Avenida dos Tajurás e o hipódromo. As demais entidades envolvem outros trechos do bairro.

O que mudou no zoneamento da Cidade Jardim?


A mudança envolve quadras antes demarcadas como Zona Exclusivamente Residencial (ZER). Esse é um dos tipos mais restritivos de zoneamento, que permite praticamente apenas a construção de imóveis residenciais de até 10 metros de altura.

Com a alteração na lei, parte da antiga ZER e da Zona Corredor (cinturão de comércios e serviços em imóveis de baixa estatura) passou a ser Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana (ZEM). A nova classificação permite prédios de 28 metros de altura e o dobro do volume construtivo em comparação à regra anterior.

A mudança abrange a Rua Doutor José Augusto de Queiroz, a Avenida dos Tajurás, as ruas Severo Dumont, Doutor Alberto da Silveira, Fonseca Teixeira e mais trechos de vias.

Além disso, por meio de um Plano de Intervenção Urbana (PIU), uma ZEM pode passar a ter parâmetros ainda mais flexíveis. Entre eles, estão o aval para prédios altos e o acesso a incentivos atrativos para construir - como tem ocorrido no entorno de estações de metrô.

Como o Estadão revelou no ano passado, há ao menos uma incorporadora com planos para a região.



O que dizem as associações sobre a mudança?


A Sociedade Amigos Colina das Flores preparou parecer técnico-jurídico sobre os possíveis impactos no bairro.

No documento, apresenta o caso de Alto de Pinheiros como precedente para a sua reivindicação. "As quadras da Cidade Jardim discutidas nesta representação é caso idêntico, exceto por se tratar de outro bairro", diz o documento.

"A semelhança entre os dois casos é certa e não é coincidência. Trata-se de regiões valorizadas do Município, propícias para construção de edifícios de alto poder aquisitivo, que desejam ocupar de forma exacerbada os lotes, explorar o potencial construtivo da cidade", acrescenta.

"Resolvemos entrar com a representação no Ministério Público quando todos os outros caminhos estavam esgotados. Fizemos todos os caminhos administrativos possíveis", afirma a presidente da entidade, Maria Camila Moraes.

Ela conta que a organização não identificou, até o momento, licenciamentos ou alvarás para novos prédios no entorno, mas relata demolições e casas esvaziadas.

A Sociedade Amigos da Cidade Jardim disse ao Estadão estar mobilizada para a proteção do bairro e a defesa de seus interesses. "Os moradores estão envolvidos e empreendendo esforços para tanto", afirma uma das representantes da organização, Solange Menendez.

Por fim, a Associação Vizinhos do Jockey destaca que já há uma edificação em uma das quadras mais próximas do hipódromo. Dessa forma, argumenta que a mudança no chamado "Bolsão 1" do bairro garante "mesmo tratamento sob a perspectiva urbanística". O "Bolsão 1" fica entre a Avenida dos Tajurás e o Jockey, mas é uma divisão informal do bairro, sem desenho específico.

"Isso elimina situações estranhas como a que era vigente antes, onde uma pequena rua podia ter prédio de um lado e não podia ter do outro lado dessa mesma rua", aponta Sandra Maria Lima de Oliveira, presidente da entidade.

"Os moradores do Bolsão 1 entendem que isso equilibra melhor o valor dos imóveis deste bolsão, evitando desvalorizações com a insegurança jurídica como havia antes da regulamentação", completa.

Em Alto de Pinheiros, a Adin foi movida pelo MP-SP após ser procurado pela Associação de Amigos de Alto dos Pinheiros (SAAP), que contestava a mudança de zoneamento que liberava prédios em áreas antes restritas a casas e estabelecimentos de baixa estatura. A nova classificação foi suspensa pela Justiça no ano passado.

Um dos entendimentos do Ministério Público é de que a alteração favoreceria especialmente uma igreja, que tem planos de construir um megatemplo em parte que recebeu novo zoneamento e chegou a demolir casas vizinhas após a revisão da lei. A Prefeitura, a Câmara e a Igreja Presbiteriana de Pinheiros negaram irregularidades.

Prefeitura disse que mudança poderia 'descaracterizar' Cidade Jardim


Parte dos especialistas considera a mudança no zoneamento da Cidade Jardim como ilegal. Também avalia que está em desacordo com o que foi tratado na revisão do zoneamento: de que não seriam feitas alterações nas zonas exclusivamente residenciais.

Apontamentos semelhantes foram feitos pelos próprios técnicos da Prefeitura, o que embasou o veto de Nunes derrubado pelos vereadores. O prefeito justificou, nas razões de veto, que "o incremento de adensamento não condiz com o entorno predominantemente residencial, pois acabaria descaracterizando-o".

Alteração no zoneamento envolve quadras próximas do Jockey Club, na zona sul de São Paulo
Alteração no zoneamento envolve quadras próximas do Jockey Club, na zona sul de São Paulo Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 28/06/2024

À época da mudança na lei, o Estadão procurou o relator da revisão do zoneamento, Rodrigo Goulart (PSD), e a presidência da Câmara - então de Milton Leite (União Brasil). Em nota conjunta, defenderam que a aprovação da lei ocorreu de "forma democrática, legal e com ampla aprovação do plenário".

Também salientaram que a alteração ocorreu após o recebimento de "sugestões acolhidas durante todo o processo de revisão".

Até a revisão do zoneamento, a lei proibia a demarcação de uma ZEM na chamada Macroárea de Urbanização Consolidada. Essa área abrange distritos com urbanização estabelecida, como a maior parte de Perdizes, Alto de Pinheiros, Morumbi, Vila Mariana e Jardim Paulista.

Anteriormente, as ZEMs eram permitidas só em locais com boa infraestrutura e subutilizados, como antigas áreas industriais. Há mais de uma década, esse tipo de demarcação abrange, por exemplo, trechos dos distritos Lapa, Santo Amaro e Belém.

Zoneamento do Jockey Club também mudou


Além das áreas de ZER, a revisão do zoneamento alterou a classificação do Jockey. O local passou a ser Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), porque passou a constar na lista de parques municipais com criação proposta no Plano Diretor.

Prefeitura e Jockey disputam o destino do hipódromo na Justiça. A principal proposta de Nunes é criar um parque. Como o Estadão mostrou, contudo, essa é uma postura nova: o Município se manifestou contrariamente a um parque no local em 2021, chamando então a iniciativa de "inviável".

Estadão
https://www.estadao.com.br/sao-paulo/depois-de-alto-de-pinheiros-cidade-jardim-tambem-se-mobiliza-para-barrar-predios/