Em parte do encontro acompanhada pela imprensa, momento mais político foi uma crítica do brasileiro ao tarifaço de Trump
José Henrique Mariante
Moscou
Em encontro na tarde desta sexta-feira (9) no Kremlin, Luiz Inácio Lula da Silva e Vladimir Putin afirmaram que as boas relações entre Brasil e Rússia se devem também às relações pessoais entre os dois presidentes.
"Tenho boas lembranças de nossas conversas anteriores, tanto na Rússia quanto no Brasil. Elas foram realizadas em uma atmosfera muito amigável e de maneira profissional. Conseguimos melhorar significativamente as relações entre nossas nações, em grande parte graças aos nossos contatos pessoais", declarou o presidente russo, logo no começo da bilateral.
Lula concordou. "Sempre me lembrarei da maneira atenciosa com que o presidente Putin abordou nossas discussões, bem como do valioso diálogo entre nossos ministros das Relações Exteriores", disse, citando os nomes de Mauro Vieira e Sergei Lavrov, presentes no encontro. "Estamos tratando de questões de grande importância para nossas duas nações."
Em dez minutos de reunião aberta à imprensa, os dois recordaram que há 15 anos Lula esteve em Moscou para os 65 anos de aniversário da vitória soviética na Segunda Guerra. Classificando a atual festa, de 80 anos, de extraordinária, Lula passou longe de qualquer referência à Guerra da Ucrânia, que rendeu pesadas críticas a Putin nesta semana, notadamente de líderes europeus.
Assim como a China e a Índia, o Brasil não participa do esforço liderado pela União Europeia para isolar Putin. Desde a invasão da Ucrânia, o apoio, sobretudo da China, tornou-se uma linha vital para a economia russa. Lula e o líder chinês, Xi Jinping, usaram o multilateralismo para justificar a presença em Moscou durante as celebrações de Putin que marcaram os 80 anos do fim da Segunda Guerra na Europa. Na noite de quinta-feira (8), eram os principais convidados do líder russo a um jantar oferecido no Kremlin.
O momento mais agudo do presidente brasileiro no encontro foi quando comentou as tarifas defendidas por Donald Trump, que "colocam por terra o livre comércio" e podem afetar "o respeito à soberania de alguns países". O discurso de Lula chegou ao presidente americano após recordar que o mundo projetado após a Segunda Guerra, calcado no multilateralismo e no fortalecimento da ONU, não estava se tornando realidade.
O presidente brasileiro também colocou Rússia e Brasil como parceiros do chamado Sul Global, em uma manifestação que concorre com o diálogo da véspera entre Xi e Putin. O líder chinês e o anfitrião também fizeram coro à atitude americana hostil e defenderam o papel da ONU. "Tanto a Rússia quanto a China acreditam que a ONU e seu Conselho de Segurança devem continuar desempenhando o papel central nos assuntos globais", declarou o presidente russo.
Lula lembrou da relação comercial entre os dois países, de US$ 12 bilhões, "amplamente favorável à Rússia", notou o presidente com um sorriso, sobretudo pela compra de petróleo do Brasil. Aproveitou a deixa para introduzir Fernando Queiroz, CEO da Minerva, que faz parte da delegação brasileira e estava na reunião. O intuito, segundo Lula, era incentivar a importação de carne pela Rússia, com a introdução na conversa do principal exportador do produto para o país.
Também defendeu convênios nas áreas de ciência e tecnologia. Segundo a imprensa russa, o Brasil pretende promover parcerias na área de energia. "Temos muito interesse em estabelecer a relação com a Rússia nas pequenas usinas nucleares", declarou Lula, exatamente no momento em que os jornalistas eram retirados da sala em que ocorria a reunião. É um projeto discutido entre os países desde 2023.
Lula se encontrou na sequência com Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia, outra figura controversa do cenário europeu. O populista foi o único líder da União Europeia a comparecer no evento organizado por Putin. Países europeus, que comemoram a rendição da Alemanha nazista no dia 8, não economizaram críticas ao presidente russo, classificando-o de agressor e acusando-o de instrumentalizar o evento histórico para justificar a invasão à Ucrânia.
A viagem internacional do presidente brasileiro prossegue neste sábado (10), quando embarca para a China, onde cumpre visita oficial nos dias 12 e 13.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/05/lula-e-putin-prezam-relacoes-pessoais-em-reuniao-bilateral-no-kremlin.shtml