Newsletter semanal do jornalista Thiago Prado ouve presidente do Instituto Locomotiva para série de entrevistas com estrategistas e analistas políticos, avalia o papel do ministro Fernando Haddad diante dos impactos do 'tarifaço' de Trump na economia e recomenda o remake de 'Vale tudo'
Por Thiago Prado na newsletter Jogo Político
Desde que comecei a série da newsletter com estrategistas políticos e donos de institutos de pesquisa, a maioria previu dificuldades para Lula reverter a queda da popularidade - alguns já até cravaram o palpite da derrota do PT na eleição de 2026.
O nono entrevistado do "Jogo Político" vem sendo ouvido pelo Planalto após a chegada do novo secretário de Comunicação, Sidônio Palmeira, e nada contra a corrente pessimista sobre o futuro do governo Lula. Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, o presidente é o favorito para conseguir um quarto mandato na corrida ao Planalto ano que vem. Especialista nos estudos de comportamento político e de consumo das classes C, D e E, Meirelles acha que ainda há tempo para o governo virar o jogo e já vê sinais de que a mudança finalmente começou em Brasília.
Todas as entrevistas que fiz desde o fim de janeiro estão disponíveis nos links a seguir. A série está chegando ao fim, mas em breve traremos surpresas para você, leitor, que gostou de ver reflexões de profissionais que respiram política 24 horas por dia. Aguardem!
Abaixo, os principais trechos da conversa com Renato Meirelles.
Quase todos os meus entrevistados nos últimos meses previram uma derrota de Lula em 2026 depois das pesquisas mostrarem que o petista despencou em popularidade do ano passado para cá. Você tem dito que pensa o contrário nas suas apresentações e gostaria de saber o motivo de nadar contra a corrente.
Quem diz que sabe o que vai acontecer dois anos antes da eleição está mal informado ou tem má fé. Política não é ciência exata, é ciência humana. Até 2026, leis podem ser aprovadas, políticas públicas de meio de mandato estão sendo lançadas... O Brasil já teve facada, queda de avião. Dito isso, sem medo de errar, considero Lula favorito em 2026. Ele terá a máquina no ano que vem.
Seu colega Maurício Moura, fundador do Ideia, levantou que os incumbentes perderam em 17 das últimas 21 eleições pelo mundo. O poder da máquina não perdeu força?
O Brasil tem características muito próprias. Veja a eleição municipal que acabamos de vivenciar. Foi um recorde histórico de reeleições. Com toda a rejeição que teve em 2022, alguma dúvida que Bolsonaro venceria a eleição daquele ano se não fosse contra o Lula? Ele já foi preso, ganhou três vezes para o Planalto, deveria no mínimo ter o benefício da dúvida de quem analisa. Acho que haverá tempo para o Lula recuperar a perda de popularidade que ocorreu no Nordeste e entre as mulheres. Não estou dizendo que é fácil, mas são pessoas que querem gostar dele.
No entanto, segundo a última pesquisa Quaest, já chegou a 62% o patamar dos eleitores que não querem que Lula seja candidato à reeleição em 2026...
Certo, mas tão importante quanto entender as demandas dos eleitores, é preciso compreender as ofertas apresentadas. Eleição é um processo relacional. As pessoas não decidem em cima do que elas querem, mas sim do que elas não querem. Eu estou assistindo a direita cometendo os mesmos erros que a esquerda em 2018. Mesmo inelegível, Jair Bolsonaro está dizendo que vai registrar a candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assim como o Lula fez. Ou seja, mesmo sendo moderado, o candidato que a direita vai lançar precisará embarcar nessa e topar ser vice dele até a hora que o cabeça de chapa mudar? É uma cilada montada. Esse nome vai herdar a rejeição do Bolsonaro. Outro ponto: em um cenário de prisão do ex-presidente, o tal candidato da direita vai prometer anistia a ele? Isso vai virar tema de campanha. As pessoas vão votar em alguém que vai tirar o Bolsonaro da cadeia?
Não acha que está subestimando a capacidade de a prisão de Bolsonaro mobilizar as ruas?
Acho que só vai emocionar os jornais. Igual ao período em que o Lula foi preso. Claro que teremos os radicais, pode ter acampamento como em Curitiba. Mas esse tema só vai servir para colar mais ainda a rejeição do Bolsonaro ao candidato da direita.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se vende como um político da centro-direita moderada. Ele não conseguiria escapar dessa rejeição?
Enquanto Tarcísio não pontuar de maneira relevante na pesquisa espontânea, ele não pode ser considerado viável. Essa é aquela época do ano em que marqueteiros querem ganhar contas. Estão dizendo para ele que, embora seja desconhecido no Brasil, quem o conhece, o adora. É blá-blá-blá de pré-campanha. Deixa uma campanha eficiente vir e colar o Bolsonaro nele para você ver o que vai acontecer...
Afinal, por que acha que o presidente Lula perdeu popularidade nos últimos meses?
Acho que há uma dificuldade de transformar benefícios econômicos em potencial de voto. Claro que a inflação do ovo e do café tem a ver com isso, mas não é o único fator. Pontuaria dois aspectos mais profundos: o primeiro deles tem a ver com o consumo das famílias. Embora a renda das pessoas esteja crescendo, boa parte do dinheiro da economia está indo para as BETs. Acho que o governo demorou a tratar esse assunto com seriedade, são R$ 240 bilhões saindo da economia por ano. Para cada site de aposta legal, há outros três ilegais. Com isso, IPCA, PIB e CAGED, tudo ficou obsoleto para avaliar se a vida das pessoas está boa ou não. A pessoa sabe se a vida melhorou se mudou a TV da sala ou se o filho comprou um tênis novo. Está sobrando menos dinheiro para comprar essas coisas. Além disso, Lula ainda não está sendo capaz de vender um sonho para o eleitor. Bolsa-família e ProUni já viraram política de estado, seja o governo de esquerda ou de direita. Não são mais novidades.
Estão apostando muito no crédito consignado e na isenção do Imposto de renda para quem ganha menos de R$ 5 mil...
São promessas que atingem muito quem está no mercado formal, mas eu apostaria mais em outras coisas. A jornada 6x1, por exemplo. Por mais que também seja uma política de olho no trabalhador formal, esse cara provavelmente vai fazer bico com o aumento de horas vagas. Vejo com muito mais potencial de votos que a isenção do IR. É preciso olhar para o empreendedor, as pessoas sem carteira assinada. Qual a política para eles? O Planalto criou o "Acredita", renegociando dívidas de MEIs (microempreendedor individual), e não existe um cartãozinho sequer do governo dizendo que o programa é dele.
Acaba que o público MEI mais rejeita que aprova o PT por não querer tanto o estado se metendo na sua vida, não?
Não acho que seja por aí. Empreender não tem a ver com uma visão liberal, isso é o que a direita tenta passar para aumentar a sua viabilidade diante desse público. Essa turma na verdade quer um estado que cuide dos serviços e lhe dê oportunidades para abrir o seu negócio. Veja alguns números de pesquisa que tenho aqui comigo: entre bolsonaristas e lulistas, mais de 90% consideram que é responsabilidade do estado garantir saúde gratuita. Mais de 60% acreditam que o governo deveria dar mais assistência e ajuda a famílias vulneráveis. O povo. do ponto de vista do estado, está muito mais próximo do que pensa o PT do que a direita. Eu quero ver um Romeu Zema defender o estado mínimo numa eleição presidencial dentro da favela...
Ok, mas é preciso admitir que a esquerda tem dificuldades de entender as preferências de um entregador de aplicativo por uma vida mais flexível sem a CLT. Acabam julgando que estão errados por não terem benefícios como plano de saúde e outros...
A esquerda confunde emprego e trabalho, sendo que as pessoas estão preferindo a segunda opção hoje em dia. Deixo para as ciências sociais a discussão se um entregador é empreendedor ou não. O fato é que esse cara não quer mais carteira assinada, oras. Não adianta chamar ele de burro ou de precarizado. O PT, ao invés de resistir a essa realidade por sua origem sindical, deveria pensar em propostas como: obrigar empresas a criarem pontos de trabalho para esse trabalhador tomar banho e esquentar a sua marmita. Também poderia criar linhas de financiamento para a compra de bicicletas e motos.
Por que mesmo assim temos a impressão que "o Brasil dobrou à direita", expressão usada pelo cientista político Jairo Nicolau em livro que analisou a eleição de Bolsonaro em 2018?
O Brasil é muito menos de direita do que a extrema direita quer fazer parecer. Embora seja mais conservador em assuntos como o aborto, há perguntas que faço em pesquisas que mostram o espaço para outras posições mesmo em pautas de costumes. Exemplo: 60% dos meus entrevistados consideram que a sociedade pode prosperar mesmo se o casamento não for uma prioridade. Esse grau de polarização afetiva que muito se comenta não é tão grande no Brasil de hoje. A calcificação sairá de cena se tiramos do processo eleitoral o presidente Lula e o ex-presidente Bolsonaro. A oposição hoje consegue ser bem sucedida não por ser de direita, mas por ser antissistema.
E como a esquerda pode reagir a isso?
Empoderando a população com cidadania. Vou dar um exemplo de política pública: em aplicativos como iFood, Uber e Mercado Livre, é possível dar nota para o prestador de serviços, não é mesmo? Imagina se o governo federal cria um QR Code, coloca em unidades estaduais de saúde e as pessoas passam a poder avaliar o serviço de administrações estaduais e municipais pelo Brasil? É uma forma que o Planalto teria de enfrentar a maré antissistema. Lula deixaria de ser vidraça, e passaria a ser pedra.

Haddad, a imprensa e o que por aí na economia mundial. Marolinha ou tsunami?
Em entrevista publicada hoje pelo jornal Folha de S. Paulo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez questão de pontuar críticas ao trabalho da imprensa em três momentos da conversa com a colunista Mônica Bergamo. É uma postura parecida àquela adotada nos tempos de prefeitura de São Paulo, quando perdeu popularidade a ponto de ser derrotado por João Dória no primeiro turno das eleições de 2016. Ficou marcado na história o artigo "Vivi na pele o que aprendi nos livros", que escreveu para a revista "Piauí", em 2017, com críticas ao trabalho de jornalistas que cobriram o seu governo. "A abordagem destes três grupos de comunicação - Globo, Folha e Abril - em relação à minha administração oscilou da indiferença à tentativa de desconstrução das políticas públicas em curso", escreveu.
Na entrevista publicada hoje, Haddad reagiu quando questionado se um crescimento de 2,5% para a economia este ano não seria baixo: "Quando crescemos muito, a imprensa diz que estamos crescendo acima das nossas possibilidades". Depois, alfinetou ao comentar sobre o ajuste fiscal do governo: "A mesma mídia que defende corrigir as contas públicas defende também os seus privilégios. Ok, esse é o Brasil". Mais à frente, mais uma cutucada: "O curioso é que quando uma agência de risco melhora a nossa nota de crédito, a imprensa faz editorial criticando a agência de risco. É algo particular do Brasil, né?"
No fim de março, pesquisa da Quaest contratada pela Genial apontou que agentes do mercado estavam desaprovando a gestão de Haddad. Para fazer o levantamento, foram ouvidos 106 fundos de investimentos com sede em SP e no RJ, justamente um público em que o ministro foi bem avaliado no início do governo Lula.
Em sua newsletter semanal, o jornalista Thomas Traumann, autor de "O pior emprego do mundo", maravilhoso livro sobre a cadeira elétrica que é o cargo de ministro da Fazenda no Brasil, escreve sobre a possibilidade de Haddad ter um ano bem difícil esse ano com o cenário internacional em ebulição pós-tarifaço do presidente Donald Trump: "Eleito com a intenção de trazer de volta os bons tempos, Lula da Silva parece alheio à dimensão do tsunami que se aproxima. Desta vez, não será marolinha. Afastado do núcleo duro do Planalto, Fernando Haddad terá que ser o gerente da crise".
O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/04/09/jogo-politico-lula-e-favorito-para-2026-e-quem-defender-anistia-para-bolsonaro-sera-rejeitado-diz-renato-meirelles.ghtml