Uso de estratégias digitais para a integração de políticas públicas na primeira infância apresenta um potencial enorme
Por Priscila Cruz
Poucos dias antes do Natal, fui ao Recife para o lançamento da Caderneta da Criança, iniciativa do município que utiliza tecnologia, incluindo inteligência artificial, para a integração de dados intersetoriais e serviços para a primeira infância. Lembrei-me do que escutei um dia do professor Vital Didonet:
- Os serviços para a primeira infância (creche, espaços para brincar e acesso a "contação" de histórias, bebeteca e teatro infantil, vacinação, proteção contra diferentes formas de violência, entre outros) são, na medida do possível, integrados, só que pelas mães, não pelo poder público.
São três as ideias importantes nessa afirmação: criar bem uma criança, da gestação aos 6 anos de idade, exige necessariamente a integração de uma série de cuidados. A integração demanda um esforço monumental, especialmente das mães; e há uma oportunidade de ouro, pois essa fase de desenvolvimento, a mais importante da vida, pode ser impulsionada caso os governos estejam ao lado das famílias, dando apoio.
Uma das primeiras falas no Recife foi a do então secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Rafael Bezerra, que sintetizou perfeitamente a ideia de que o poder público deve fazer a sua parte não apenas oferecendo políticas públicas voltadas ao melhor desenvolvimento infantil das crianças do município, mas também sendo proativo ao apoiar as mães e famílias nesse cuidado:
- A bronca é nossa!
É do interesse de toda a sociedade que todas as crianças sejam bem alimentadas, estimuladas, protegidas e cuidadas. Todo mundo ganha com isso. Trata-se de um dos investimentos mais estudados e um dos com maiores retornos à sociedade em termos econômicos e sociais. Sem falar dos impactos significativos na trajetória educacional futura de uma criança. Não há dúvida de que cuidar da primeira infância é uma estratégia inteligente para o país. Assim, também não deveria haver dúvida de que a tarefa de cuidar das crianças não pode recair exclusivamente sobre as mães.
Hoje, temos condições tecnológicas para a integração de bases de dados, de utilização de inteligência artificial e de disponibilização de serviços em meio digital para as famílias. Alguns países já começaram a trilhar esse caminho, como Estônia, Canadá, Finlândia, Índia e Chile. E o Brasil pode tornar-se referência em governo digital para a primeira infância. Vale observarmos as iniciativas que começam a surgir em âmbito estadual, como no Piauí, e municipal, como no Recife, que está desenvolvendo uma plataforma digital que integra informações e serviços de saúde, educação e assistência social, como vacinação, agendamento de consultas médicas, manifestação de demanda por vaga em creche, entre outros.
No aplicativo desenvolvido em código aberto pela gestão recifense será possível fazer campanhas de conscientização, orientações sobre como promover o desenvolvimento dos filhos nas diferentes dimensões e até enviar notificações diretamente para as famílias:
- Parabéns, amanhã o Mateus completa 1 aninho e já pode tomar a vacina tríplice viral. Veja aqui os postos de saúde mais próximos da sua casa.
A utilização de estratégias digitais para a integração de políticas públicas na primeira infância apresenta um potencial enorme para melhorar a vida das crianças e suas famílias. As ferramentas digitais podem e devem servir como aliadas na construção de um mundo onde todas as crianças tenham suas necessidades atendidas e atinjam seu pleno potencial. Precisamos ser corajosos e intencionais, encarando essa bronca de uma vez.
*Priscila Cruz é presidente e cofundadora do Todos Pela Educação
O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/e-preciso-usar-tecnologia-para-cuidar-das-criancas.ghtml