Não se deve partidarizar a defesa da democracia, por Luiz Carlos Azedo

Não se deve partidarizar a defesa da democracia, por Luiz Carlos Azedo

Lula descerá a rampa do Palácio do Planalto para um ato simbólico na Praça dos Três Poderes, onde participará do "Abraço da Democracia", com presença do público e autoridades

O dia 8 de janeiro de 2023 deve sempre ser lembrado como uma data em que os democratas derrotaram o golpismo, mais ou menos como em 1961, na posse do presidente João Goulart, que só ocorreu graças à Campanha da Legalidade, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Foi um dos episódios mais tensos da história política brasileira.

Naquele momento, a ampla cadeia de rádio que se formou para informar a população foi decisiva para garantir a democracia no Brasil, durante a crise política gerada pela renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto (Dia do Soldado) de 1961, e a resistência dos setores militares e conservadores à posse de Goulart.

O vice-presidente João Goulart, o Jango, como era popularmente conhecido, havia sido eleito porque a escolha de presidente e vice era separada, e um movimento articulado por sindicalistas de São Paulo, intitulado "Jan-Jan", desequilibrou o jogo e elegeu um presidente de direita e um vice de esquerda.

À época, como no 8 de janeiro de 2023, setores militares e governistas, frustrados pela renúncia, temiam que Jango implementasse uma política reformista, com propostas como a nacionalização das empresas estrangeiras e uma ampla reforma agrária, o que n]ao é bem o caso agora. Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Jango, mobilizou as forças políticas e sociais em defesa da Constituição de 1946, a partir da Rádio Guaíba, em Porto Alegre, que transmitiu mensagens e convocou o apoio popular à legalidade.

Após intensas negociações e a pressão popular, foi aprovada uma solução de compromisso: o sistema parlamentarista. Esse modelo reduziu os poderes de Goulart como presidente, transferindo parte da autoridade executiva para o primeiro-ministro. Esse acordo permitiu que Goulart assumisse a presidência em 7 de setembro de 1961.

No entanto, o parlamentarismo foi revogado em 1963, após um plebiscito, e Jango retomou plenos poderes como presidente, em meio à radicalização política que culminaria no golpe militar de 1964. Esses episódios, do ponto de vista histórico, são muito importantes para compreender o processo político brasileiro subsequente e o comportamento da nossa esquerda brasileira, com reflexos ainda hoje. O filme Ainda estou aqui, com o qual Fernanda Torres conquistou o Globo de Ouro de melhor atriz, em Holllywood, é um retalho dramático e familiar do que ocorreu após o golpe que destituiu Jango.

Aquele abraço


Entretanto, não basta a repulsa à ditadura, é preciso compreender aquele processo para não repetir os mesmos erros. Dois deles foram decisivos: primeiro, subestimar a força da oposição na sociedade e romper com setores liberais; em segundo, subordinar a questão democrática às reformas de base, sobretudo à nacionalização das empresas estrangeiras e à reforma agrária "na lei ou na marra", o que legitimou a aliança dos Estados Unidos com os golpistas, em suposta defesa da democracia.

Brizola, já então deputado federal eleito pela antiga Guanabara, pretendia disputar a Presidência ("cunhado não é parente"). O líder comunista Luís Carlos Prestes conspirava para que Jango se candidatasse à reeleição. Liberais, como Ulysses Guimarães e Juscelino Kubitschek, foram empurrados aos braços da oposição liderada pelos governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto.

Juscelino era atacado pela esquerda por "conciliar com o imperialismo", sua candidatura era vista como um "retrocesso" pela esquerda. Lacerda era o líder furioso da direita brasileira, sendo o seu desentendimento com Jânio Quadros uma das causas da renúncia do presidente eleito em 1960. Ambos acreditavam que os militares manteriam as eleições previstas para 1965. Pura ilusão. Tantos anos depois, o que essa história tem a ver com as comemorações desta quarta-feira? Muita coisa, que até merecem outra coluna.

O Palácio do Planalto preparou uma série de eventos em lembrança aos dois anos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 - quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e provocaram destruição nas sedes dos Três Poderes em Brasília. Pela manhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio do Planalto, promoverá a reintegração de importantes obras de arte, incluindo um relógio do século XVII.

Essas obras foram vandalizadas no 8 de janeiro de 2023. O relógio, que pertenceu a Dom João VI e veio para o Brasil em 1808, foi consertado na Suíça, sem custos ao governo. Também haverá o descerramento da obra As mulatas, de Di Cavalcanti, rasgada durante os atos de vandalismo, que foi restaurada. Depois, Lula participará de uma cerimônia com a presença de autoridades dos Três Poderes e descerá a rampa do Palácio do Planalto para um ato simbólico na Praça dos Três Poderes, onde participará do "Abraço da Democracia", com presença do público e de autoridades.

O ato deveria reunir os presidentes dos Três Poderes no Palácio do Planalto, porém, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não participará das cerimônias, porque está viajando. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também não confirmou presença. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, será representado pelo ministro Luiz Fachin, vice-presidente da Corte. Alguma coisa está errada aí.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nao-se-deve-partidarizar-a-defesa-da-democracia/