A contraofensiva de Lula para impedir a vitória bolsonarista tem uma estratégia bastante clara: se não é meu inimigo, é meu amigo. O presidente tem dito a interlocutores de sua base, em especial de seu partido, o PT, que vencer a eleição para o Senado é mais importante do que conquistar governos estaduais e que, para isso, pode ser necessário apoiar políticos de outros endereços partidários, mesmo que de centro-direita, desde que tenham compromisso com a democracia e disposição ao diálogo com eventual novo governo liderado por ele.
Para isso, é muito provável que o PT tenha de abrir mão de algo que lhe é muito caro: o protagonismo. Já fez esse movimento, é verdade, na eleição de 2024, quando abraçou Eduardo Paes no Rio de Janeiro e outros candidatos de centro e centro-direita em colégios eleitorais importantes diante do risco de uma vitória bolsonarista. Mas pode ser que essa disposição tenha de ser ampliada para 2026. O raciocínio embute, por exemplo, apoiar Arthur Lira (PP) e Renan Calheiros (MDB) em Alagoas, dois caciques com os quais Lula tem diálogo - o presidente, aliás, já disse que poderia apoiar a dupla ao Senado. Também pode incluir abrir mão de seu melhor candidato ao governo, como no Rio Grande do Sul, onde o ministro Paulo Pimenta pode ir para a disputa ao Senado. No estado, não está descartado apoiar para senador o atual governador Eduardo Leite (PSDB), eventualmente crítico ao partido, e fechar caminho a nomes da direita.
ALIADOS, TCHÊ - Paulo Pimenta e Eduardo Leite: PT cogita abraçar candidatura do governador, que é crítico ao partido (Jürgen Mayrhofer/Palácio Piratini/.) O esforço por uma "frente ampla" ao Senado terá de ser maior, provavelmente, em regiões mais bolsonaristas, como Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Um exemplo é Mato Grosso, onde o primeiro da fila de Lula é o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, senador licenciado pelo PSD, mas que terá de renovar seu mandato em 2026. Fiador do petista no mundo inóspito do agronegócio, Fávaro terá de enfrentar dois caciques do estado, o atual governador, Mauro Mendes, e o ex-governador e hoje senador Jayme Campos, ambos do União Brasil. Por esse motivo, mesmo o PT tendo chegado competitivo ao segundo turno em Cuiabá, com Lúdio Cabral, o mais provável é que o partido fique fora da disputa ao Senado. "Precisamos deixar de lado os interesses do partido e garantir o maior número de eleitos na base de Lula", diz o deputado estadual Valdir Barranco, presidente do PT no estado. Até em regiões em que o petismo é forte a sigla vai ter de abrir mão em nome de um aliado cuja vitória é mais certa. É o caso de Pernambuco, onde um dos candidatos de Lula será o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos).
PRAGMATISMO - Lula e Lira: petista acenou apoio ao cacique em Alagoas (Ricardo Stuckert/PR)
O esforço lulista tenta incluir até seu companheiro de chapa em 2022, o vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin (PSB). Uma candidatura do ex-tucano ao Senado por São Paulo resolveria dois problemas de Lula em uma só tacada: teria uma candidatura de peso no maior colégio eleitoral do país e abriria a vaga de candidato a vice-presidente em 2026 para MDB ou PSD, dois dos maiores vitoriosos nas eleições deste ano e que não escondem que sonham com o posto. Aliados de Lula, no entanto, apontam um entrave nesse cálculo: o estrago no capital político de Alckmin em São Paulo depois que decidiu apoiar o petista após décadas filiado ao PSDB. O temor é que ele tenha perdido seu eleitorado de centro e direita para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mas valeria o risco de testar isso nas urnas diante da constatação óbvia de que o PT não tem candidato ao Senado competitivo em São Paulo. "Alckmin preencheria essa lacuna porque, além de ser uma figura de confiança do presidente, tem experiência de gestão local", diz um político bastante próximo ao presidente. É claro, faltaria ainda combinar tudo isso com o próprio Alckmin e o partido dele, o PSB, que deseja manter a posição de vice de Lula em 2026.
TRUNFO - Alckmin: vice poderia ser competitivo contra a direita em São Paulo (Fernando Frazão/Agência Brasil)
A preocupação do presidente em ampliar a capacidade de sua tropa para o jogo duro faz sentido. Os partidos que mais terão de renovar seus mandatos em 2026 são da base. Somados, MDB, PSD e PT, por exemplo, terão 28 cadeiras em disputa, mais da metade do total em jogo em 2026 (veja o quadro). No Senado, essas duas siglas de centro têm parlamentares alinhados ao governo, como Renan Calheiros, Jader Barbalho e Eduardo Braga, do MDB (os três caciques têm mandato até 2026), e Eliziane Gama, Otto Alencar e Omar Aziz, pelo PSD. Quadros petistas importantes terão de renovar seus mandatos, como Randolfe Rodrigues (líder do governo no Congresso), Jaques Wagner (líder no Senado) e Humberto Costa, um dos principais dirigentes do PT.
NÃO DEU - Randolfe Rodrigues: líder do governo tentou mudar as regras do jogo (Saulo Cruz/Agência Senado)
Não será mesmo uma batalha fácil impedir a direita de aumentar seu peso no Senado em 2026. Ciente disso, aliados do governo tentaram mudar a regra do jogo. Randolfe Rodrigues apresentou um projeto de lei para alterar a forma como os senadores são escolhidos. Em vez de dois votos, como é hoje, o eleitor teria direito a apenas um - os dois candidatos mais votados seriam eleitos. A ideia era reduzir a possibilidade de o eleitorado ativo da direita eleger os dois representantes em cada estado. "É ilusório acreditar que, tendo que votar em dois candidatos ao Senado, ele dedique o mesmo grau de atenção e cuidado naquela que constitui sua segunda escolha", disse o líder do governo na justificativa do texto, que provocou enorme gritaria à direita. Uma semana depois, recuou e retirou a proposta.
Do outro lado da trincheira, Bolsonaro dá mostras de que vai usar tudo o que tem à disposição para construir maioria no Senado, inclusive a família. O ex-presidente deve escalar para a disputa a ex-primeira-dama Michelle e os filhos Carlos, Eduardo e Flávio - este último terá de renovar o mandato obtido em 2018, provavelmente em dobradinha pelo PL com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro. Por isso, Carlos terá de buscar a vaga por outro estado - já se falou de Goiás e Santa Catarina. Michelle tentará o posto pelo Distrito Federal, que deu um mandato em 2022 à ex-ministra Damares Alves (Republicanos), companheira quase inseparável e provável cabo eleitoral da ex-primeira-dama. Já Eduardo, que tem um histórico recente de campeão de votos em São Paulo, vai tentar a vaga pelo estado, a não ser que se transforme no plano B do pai para a corrida ao Palácio do Planalto em 2026 - o que é uma probabilidade a não ser descartada. Bolsonaro também deve apostar em aliados como os ex-ministros Marcelo Queiroga e Gilson Machado. Também terá nas suas fileiras alguns radicais de direita que foram bem nas urnas nas últimas eleições municipais, como Cristina Graeml (Curitiba), André Fernandes (Fortaleza), Fred Rodrigues (Goiânia) e Alberto Neto (Manaus) - os três últimos de seu partido, o PL.
FAMÍLIA UNIDA - Clã Bolsonaro: filhos do ex-presidente e Michelle devem disputar o Senado em 2026 (./Reprodução)
Para levar seu plano adiante, no entanto, o ex-presidente precisa combinar a estratégia com os partidos aliados. Isso é cada vez mais um desafio, já que boa parte das legendas que sustentaram candidaturas bolsonaristas tem se aproximado do governo Lula, com a promessa de ministérios e cargos. É o caso do PP de Ciro Nogueira, que tem três dos seis senadores com mandatos para vencer - incluindo o de seu cacique, que já andou de mãos dadas com Lula em outras épocas. Mesmo assim, Ciro está confiante em deixar o Senado mais à direita. "Vamos eleger uma quantidade significativa de senadores conservadores, algo em torno de quarenta das 54 vagas", projeta, incluindo na conta siglas como PL, União Brasil, PSD e Republicanos. O PL de Bolsonaro já desistiu de seu projeto de ter a maior bancada da Casa (é a segunda) e passou a focar em tentar reeleger seus senadores (cinco dos treze terão de ir às urnas), e não faz questão que seus eleitos sejam bolsonaristas.
TROPA DE CHOQUE - Damares e Marcos Pontes: cinco ministros de Bolsonaro se elegeram em 2022 (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
A fixação de Bolsonaro com o Senado vai além das importantes atribuições que a Casa tem para a direita. Passa também pelas dores de cabeça que o então presidente teve ao longo do mandato. Foi o Senado que lhe criou algumas de suas maiores dificuldades, como a CPI da Pandemia, que fustigou seu governo durante boa parte da crise sanitária. A comissão, de maioria oposicionista, colocou no banco de depoentes muita gente ligada a seu governo, como os ministros da Saúde, Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga, e terminou com vários indiciamentos, de crimes de responsabilidade a crimes contra a humanidade. A CPI serviu de munição para Lula, que centrou fogo na gestão desastrosa da pandemia. Em 2022, Bolsonaro viu a situação melhorar na Casa com a chegada de um contingente alinhado a ele, como os ex-ministros Damares Alves, Jorge Seif, Marcos Pontes, Rogério Marinho e Tereza Cristina, e seu vice, Hamilton Mourão.
REFORÇO - Mourão: senador ajudou a aumentar presença da direita na Casa (Pedro França/Agência Senado)
Uma das mais antigas instituições do país em funcionamento, o Senado nasceu em 1824, ainda na monarquia, quando reunia gente ligada à nobreza (barões, condes ou marqueses). Com a República, ganhou mais protagonismo, sendo responsável pela aprovação de legislações fundamentais, como o Código Civil. Considerada a casa revisora do Congresso, tem um perfil mais moderado, com políticos experientes (o termo "Senado" vem de "sênior"), inclusive muitos ex-governadores e até ex-presidentes, como José Sarney e Fernando Collor. Ao contrário da Câmara, que tende a ser um local de mais agitação e radicalização política por ser a representação proporcional da população, o Senado sempre foi o ponto de moderação e de garantia de equilíbrio da federação, com três representantes por estado, independente do peso econômico e demográfico de cada um. "O Senado sempre teve uma composição mais conservadora. Isso fez com que a esquerda nunca tenha conseguido dominar a Casa", diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. Uma radicalização política, à direita ou à esquerda, portanto, afetaria a capacidade moderadora do Senado e o papel fundamental que tem para um país que anseia por equilíbrio.
Veja
https://veja.abril.com.br/brasil/lula-coloca-em-marcha-plano-para-impedir-dominio-bolsonarista-no-senado/