Cyro Fiuza
A explosão do turismo no atual verão europeu iniciou, ou fez aumentar em algumas localidades, as discussões em torno do alto número de visitantes em pontos conhecidos do velho continente. Embora haja um aumento de faturamento por parte do setor hoteleiro, restaurantes e bares, a reclamação das populações locais recai sobre a infraestrutura que acaba não suportando tanta gente. Algo que, alegam moradores, afeta o trânsito, a qualidade de vida e sobretudo os preços dos alugueis.
Problemas como esses tendem a aumentar, como se vê no relato de alguns casos. Em Sintra, uma das cidades mais visitadas na região de Lisboa, quando o alerta laranja para o excesso de movimento acende na administração da cidade, o trânsito é fechado a automóveis que não sejam autorizados, ou de residentes, na Serra de Sintra. Como há riscos de incêndio na floresta, a ideia é que o espaço fique livre para os veículos da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros.
Moradores se queixam da falta de estrutura, da perturbação da vida cotidiana e do que chamam de especulação imobiliária. Nem os turistas saem totalmente satisfeitos. Sintra tem 337 mil habitantes e recebe até quatro milhões de visitantes por ano. Eles se queixam-se da confusão e da espera de mais de uma hora para visitar, por exemplo, o Palácio da Pena. Não por acaso, há outdoors pelo caminho lembrando que Sintra não é a Disney, como recorda recente reportagem publicada pelo jornal Valor.
A especulação nos alugueis é sentida pelos portugueses e também por brasileiros que moram em Lisboa ou em outras cidades. O advogado paulista Marcel Menezes mudou-se com a família há um ano, e mora em um prédio localizado entre a capital e as cidades turísticas de Estorial e Cascais.
Empresário do setor de mobilidade urbana, ele dirige um dos carros de sua frota durante todo o dia pela região e conta que o trânsito é cada vez mais pesado nos horários de pico. Acusa também aumentos dos produtos nos supermercados, mas a questão do aluguel é a que mais tem afetado o orçamento familiar
"Conseguimos um apartamento pelo valor de mil euros mensais, mas o proprietário, influenciado pelas altas do mercado, exigiu dois meses adiantado mais dois de caução. A situação ficou difícil para os próprios portugueses. Muitos deles, que trabalham em Lisboa, não têm mais condições de arcar com esses custos", relata Menezes.
Uma das indústrias que mais crescem no mundo, o turismo tornou-se aposta para o crescimento econômico e geração de empregos. Dados do site Statista mostram um aumento de 9,1% no setor no ano passado, quando as receitas do segmento ficaram próximas dos US$ 10 trilhões. A previsão para este ano é de crescimento de 10,1%, e o ritmo anual deve se manter na casa dos dois dígitos até 2034, para quando o portal de dados projeta um crescimento ainda maior, de 11,4%.
Um dos points favoritos de turistas de todo o mundo é a panorâmica cidade de Barcelona, que recebe mais de 27 milhões de visitantes anualmente e tem uma população de 1,62 milhão. Recentemente, emissoras e sites mostraram manifestações locais contra a presença dos turistas, inclusive molestando clientes em restaurantes, algo impensável de se ver um dia em uma cidade que não tem indústrias e vive justamente do setor turístico.
Moradores de La Salut, um subúrbio catalão, tentaram resolver o problema eles próprios: a rota de ônibus local foi retirada dos mapas da Apple e do Google. O motivo: não muito distante dali está o emblemático Parque Güell, segunda atração mais popular da cidade, depois da monumental igreja da Sagrada Família. Os locais esperam, assim, garantir assento nos ônibus para os idosos que deles dependem para locomover-se.
Amsterdã tomou medidas para conter Airbnb
Em Maiorca, nas Ilhas Canárias, a sensação é ainda mais incômoda. A lha espanhola, destino preferido de muitos europeus, tenta encontrar maneiras de conter as multidões de turistas. Na alta estação, pedestres, ciclistas, motociclistas, veículos de passeio, ônibus de turismo e carros-pipa (a água não é suficiente para todos no período) dividem espaço nas estradas estreitas e sinuosas, sobretudo aquelas que levam às belas praias.
Em manifestações recentes, os habitantes foram às ruas da capital Palma para protestar: "Maiorca não está à venda". Mas não é o que parece diante das inúmeras vitrines com anúncios de imóveis de todos os tamanhos nas agências imobiliárias espalhadas pela ilha. Quem tem um imóvel disponível, ou principalmente mais do que um, parece mais preocupado em aproveitar o "boom" turístico...
Alguns estudos apresentados na reportagem do Valor mostraram que destinos badalados como esses podem representar 10% do Produto Interno Bruto de um país. Na Espanha, chegam a 13% do PIB, e podem girar em torno de 50% do PIB nas pequenas ilhas do Caribe ou do Pacífico. O dilema se apresenta justamente aí. Não se pode abrir mão destas receitas nos dias de hoje - europeus e outros povos terão que encontrar um meio-termo para resolver suas brigas com os turistas.
Em Veneza, desde abril, instituiu-se a cobrança de taxa diária de três a 10 euros por visitante que passa o dia na cidade. A tarifa é aplicada em dias de maior movimento, como feriados e fins de semana específicos entre abril e julho. Navios de cruzeiros, que antes atracavam na cidade, desde agosto de 2021 enfrentam restrições para ancorar.
Em Amsterdã, na Holanda, reduziu-se o limite de diárias para o Airbnb, de 60 para 30 dias por ano. E tornou-se obrigatório o registro dos imóveis para aluguel de curto prazo. A cidade também vem incentivando os turistas a visitarem locais fora das áreas centrais, aumentando as taxas de hotelaria e introduzindo um imposto para turistas que desembarcam de navios de cruzeiro.
A taxa, ou imposto para turistas, é uma medida que vem ganhando força em Veneza, Amsterdã, Osaka, no Japão, e Ilha de Bali, na Indonésia. Em Portugal, onde começa esta reportagem, o jornal Público divulgou semana passada que já são 38 os municípios que cobram taxas dos visitantes, em torno de dois euros (quatro, em Lisboa).
A vez do turismo no Brasil
O Brasil não está alheio a essa discussão. Ao contrário, há tempos que existem restrições para os visitantes da ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco. O ingresso para o Parque Nacional de Fernando de Noronha adquirido eletronicamente é pessoal, intransferível, vale por 10 dias seguidos a partir do seu primeiro acesso no parque e custa R$ 97,16 por dia.
Diante desse impasse que vivem algumas cidades europeias e mesmo de outros países, como Japão e Indonésia, a lembrança de Fernando de Noronha nesta reportagem serve para colocar o Brasil na rota dos principais roteiros de turismo do mundo, com suas praias de Norte a Sul, paisagens diversas e exuberantes no interior do país e festas regionais que atravessam o ano todo.
A exemplo do que fez a Colômbia, antes um destino marcado pela violência do narcotráfico e hoje país muito requisitado pelo turismo mundial, o Brasil também pode enfrentar a violência urbana, melhorar sua infraestrutura e se beneficiar de um momento em que destinos tradicionais europeus parecem se mostrar saturados, não oferecendo mais as melhores condições para turistas durante a temporada de verão.