Maconha apreendida em maio pela PRF em caminhão que transportava doações para o Rio Grande do Sul | Imagem: Divulgação/PRF
A PEC da Segurança Pública é adequada? SIM, por Pierpaolo Cruz Bottini

A PEC da Segurança Pública é adequada? SIM, por Pierpaolo Cruz Bottini

Alicerce constitucional facilitará ações conjuntas de prevenção e repressão

Pierpaolo Cruz Bottini
Advogado e professor de direito penal da USP

O crime organizado é apontado como uma das principais preocupações da população brasileira, em todas as classes sociais. Não é para menos. Estudo do Esfera Brasil e do Fórum Nacional de Segurança Pública apontou a existência de 75 facções no território nacional, com conexões na América Latina, África e Bálcãs, atuando em diversos setores, como tráfico de drogas, roubo de cargas, mineração e comércio ilegal de madeira, dentre outros.

Para além de afetar a vida e patrimônio de milhares de brasileiros, a atividade criminosa custa cerca de 1,7% do PIB para empresas, em segurança privada e seguros.

Enfrentar essa situação exige mais do que as propostas usuais de aumentar penas, endurecer prisões e ampliar o efetivo policial. O Brasil conta com 820 mil pessoas sob custódia estatal, um crescimento de 44% nos últimos dez anos, e 796 mil profissionais de segurança, sem grandes avanços nesse setor.

Combater o crime organizado exige inteligência e organização. O Brasil tem 1.595 órgãos de segurança que pouco trocam informações. Há polícias militares, civis, federais, rodoviárias, municipais, judiciais, penais -cada uma com dados importantes sobre os crimes que enfrentam, mas não compartilhados com as demais. Inexistem números seguros sobre delitos e sua distribuição geográfica. As operações integradas são pautadas por experiências isoladas, incapazes de orientar taticamente ações contra facções sofisticadas, espalhadas por todo o território nacional. É necessário organizar esse rico acervo de dados, coordenar atividades, somar a excepcional experiência de cada agência em um sistema integrado e eficiente, que preserve a autonomia dos estados, mas garanta uma soma de esforços, uma cooperação eficaz.

Por lei, a União tem o dever de definir diretrizes para a segurança pública e gerir um sistema nacional de inteligência. Na prática, o ente carece de instrumentos para isso. A única forma de garantir a implementação de um sistema único de segurança pública é por meio de uma alteração constitucional, como aquela apresentada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que garanta à União instrumentos para impor regras gerais sobre coleta de dados, estatísticas, registros de ocorrências, operações integradas e sistema prisional. Não se trata de alterar a formatação das polícias estaduais ou reduzir sua autonomia, mas de estabelecer padrões e garantir o repasse de informações relevantes em um sistema de cooperação efetiva, capaz de fazer frente ao crime organizado.

Delitos como o tráfico de armas, os loteamentos de terra clandestinos e o desmatamento ilegal exigem uma abordagem integrada, que envolva os diversos entes federados. Para ficar no último exemplo, combater o corte ilegal de madeira implica investigar a grilagem de terras, o desmatamento em si, o transporte da mercadoria por ferrovias ou hidrovias e o seu comércio, que muitas vezes ocorre a quilômetros de distância do local do crime, em portos e aeroportos. É preciso averiguar registros de imóveis, licenciadoras de madeira e agências de exportação situadas em diversos estados. Isso só é possível por meio de um sistema coordenado, no qual as diversas agências compartilhem experiências e dados colhidos ao longo do tempo, sem que barreiras corporativas ou federativas impeçam estratégias comuns de atuação.

A PEC em discussão é um passo em direção ao futuro, um alicerce constitucional que permitirá superar obstáculos jurídicos e facilitar ações conjuntas de prevenção e repressão ao crime organizado que assombra a maior parte da população brasileira.

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/08/a-pec-da-seguranca-publica-e-adequada-sim.shtml