Industria ferroviária: muitas promessas, poucas encomendas

Industria ferroviária: muitas promessas, poucas encomendas

A aprovação do marco geral, no final de 2021, animou o setor. Mas os projetos não saíram das pranchetas, dando origem às chamadas "ferrovias de papel". Sem encomendas, fabricantes de trens vivem de exportações eventuais, da receita de serviços, e ainda temem a concorrência chinesa


"A indústria ferroviária brasileira está praticamente parada", alertam em recente matéria empresários ouvidos pelo jornal Valor.

Sem grandes encomendas por parte dos operadores de cargas e passageiros, os fabricantes de trens instalados no país estão vivendo de eventuais exportações e das receitas das áreas de serviços, incluindo reformas e modernizações de equipamentos já em uso.

Não era para ser assim. No final do ano passado, o marco geral das ferrovias foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A principal novidade da Lei das Ferrovias (Lei 14.273/21), era facilitar investimentos privados na construção de novas linhas férreas, com base na autorização e não mais apenas sob o regime de concessão.



O projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), foi aprovado pelo Senado, em que pese o Governo Federal ter atropelado o processo dois meses antes; um "passa-moleque" travestido de MP e patrocinado pelo então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.

Na época, o senador interino José Anibal (PSDB-SP), que substituía o titular Serra, denunciou a manobra, junto a outros parlamentares, e avisou que as obras anunciadas por todo o Brasil pelo ministério não passavam de "ferrovias de papel". Anibal questionava o real "poder de fogo" dos empresários indicados pelo governo interessados em buscar recursos de posse das autorizações, no país e no exterior.

Passaram-se alguns meses, e a reportagem do Valor apurou: no segmento de passageiros, a ociosidade na fabricação de trens (considerando que cada trem é composto por uma locomotiva e oito carros) está em 80%. Na área de cargas, incluindo locomotivas e vagões, chega a quase 100%.

Após um 2015 considerado excepcional, com a produção de 4,7 mil vagões, 129 locomotivas e 322 carros de passageiros, o setor começou a desacelerar devido à crise econômica que marcou os anos seguintes e a expectativa de uma década melhor foi adiada em pelo menos dois anos, pelos efeitos da pandemia de Covid-19 no segmento de passageiros e do adiamento de investimentos em material rodante pelos operadores de cargas.

A pandemia reduziu drasticamente a receita das companhias de trens urbanos e metrôs, afetando a capacidade de investimento dessas empresas. Já no transporte de cargas houve um aumento de demanda nesse período, mas isso não se refletiu em encomendas até agora.

O presidente da Abifer, Vicente Abate, revelou à reportagem as dificuldades na produção e prospecção de clientes, mas manteve-se otimista, acreditando no crescimento do transporte de cargas nos próximos dois anos. Há uma tendência de fortalecimento do transporte ferroviário e isso vai repercutir na indústria. O objetivo é que em 2035 a participação da ferrovia como modal de carga passe dos atuais 20% para 40%. Já em relação aos passageiros, Abate vê espaço para trens intercidades e interestaduais, além do aumento da malha de metrôs e VLTs.

A concorrência chinesa é vista com temor pelo dirigente setorial. Ele alerta que a redução de Imposto de Importação pode ampliar ainda mais as dificuldades para o setor produtivo local. O imposto de 14% pode sofrer cortes e cair para até 8,4%, sendo que os chineses não têm intenção de produzir no país.

Para Michel Boccacchio, diretor-geral da Alstom América Latina e presidente do grupo francês no Brasil, não falta demanda para transporte de passageiros no Brasil. O que falta são recursos para os Estados investirem em trens urbanos e metrôs, disse na reportagem. De acordo com ele, São Paulo, que planeja um trem intercidades entre a capital e Campinas (e num segundo momento, com extensão para Santos), acertou em buscar parcerias com a iniciativa privada para seus projetos.