Desigualdade social e democracia, a educação ameaçada no Brasil

Desigualdade social e democracia, a educação ameaçada no Brasil

Para Cristovam Buarque, é preciso criar um pacto na sociedade, com todos unidos na ideia de que a educação é que traz progresso. Ricardo Henriques não fala mais em crise, mas em decadência da educação no Brasil, um país que corre o risco de ficar fora da sociedade do conhecimento.


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A noite desta sexta-feira, dia 17/9, marcou a realização do terceiro debate do seminário "Novos Rumos para o Brasil", coordenado pelo ex-ministro e ex-governador do Rio, Moreira Franco. Com o tema "Desigualdade Social e Democracia", especialistas e políticos trocaram opiniões mediados pelo moderador José Mendonça Filho, ex-ministro da Educação. Entre uma e outra passagem das falas, ele destacou a necessidade de priorizar uma agenda que atenda a área de educação, beneficiando pontos cruciais como alfabetização, política de formação de professores e boas condições de estudo (instalações, materiais, etc.). A seguir, um resumo das conversas:

Ricardo Paes de Barros (prof. do Insper e pesquisador do IPEA por mais de 30 anos) - Ele concentrou sua fala na questão da erradicação da pobreza: "O fim da pobreza não é um problema tão difícil de resolver. Temos 30 milhões de estudantes que estão numa faixa mais baixa de renda. A gente gasta 27% do nosso PIB para o social. Só que não gasta com os realmente mais pobres. Nosso problema é a falta de prioridade dos recursos. Temos que focar os recursos com aqueles que mais precisam; identificar, dar um atendimento personalizado aos mais pobres; CRAS, Centro de Referência ao Atendimento Social - transformação para ter um outro profissional, o agente de atendimento, que conheça as famílias da sua área e a infraestrutura da região, que possa instruir as famílias sobre como aproveitar as oportunidades locais. O CRAS se transforma assim no Centro de Referência da Política Social. O Sistema S tem que oferecer formação para essa população mais pobre"

Ricardo Henriques (pesquisador especializado em temas como educação, desigualdade e distribuição de renda) - "Política social é tradicionalmente fragmentada, sobreposta entre as esferas. Nosso pacto federativo não prioriza as áreas. Cegueira de diálogo entre as áreas de saúde e educação; entre as esferas municipal, estadual, federação. E nossa cultura de descontinuidade, cada governante que chega quer fazer tudo diferente. A gente precisa de um pacto na sociedade para colocar a política social em condição de ambivalência com a política econômica. Uma questão do período pandêmico foi o real reconhecimento por toda a sociedade da importância do papel do Estado, assim como ver o tamanho da desigualdade do Brasil. A década perdida foi a de 70, não a de 80. Tínhamos a oportunidade de investir em educação básica. O país fez uma opção de uma educação por exclusão. Massificou o ensino básico sem referência de qualidade. Nós produzimos um arranjo educacional excludente. A continuar essa estrutura, o Brasil estará fora do jogo do processo de conhecimento. Será apenas um parceiro, que assistirá o jogo de fora. Não temos uma estratégia de equidade, pouquíssimas vezes colocamos em nossos diagnósticos a equidade como parâmetro fundamental. Nossa escola não somente tem desigualdades pretéritas como aumenta essa desigualdade. Das crianças negras, só 53 em cada 100 concluem o ensino médio. Será que a sociedade brasileira encara a educação como prioridade? Deixo essa pergunta. Os partidos políticos têm que ser atores nesse pacto de educação pública de qualidade. Concluo com uma frase 'subdesenvolvimento não se improvisa, subdesenvolvimento é uma obra de séculos', por Nelson Rodrigues."

Cristovam Buarque (professor universitário, educador, ex-senador, ex-ministro da Educação) - "É preciso algo para quebrar o círculo vicioso da pobreza. Nós já vivemos um processo de decadência, nem é mais de pobreza. Nós incineramos florestas e cérebros. Com a renda que temos (para a educação), nada florescerá. Nós temos vocação para o futebol, mas não para o conhecimento, para as olimpíadas de Estocolmo. Ambição pela qualidade e proposta para a equidade. O acesso tem que ser igual. Enquanto a escola for privada, não teremos essa equidade, que só alcançaremos com uma boa escola pública, que tem que ser de melhor qualidade. Romper com a municipalização. Os municípios não são iguais. Os municípios pobres não tem a cultura, não tem gestão para a educação. O governo federal teria que assumir isso, no longo prazo de 15, 20 anos, adotar essas escolas. Para ao final de 30, 35 anos, estar com um programa implementado em todos os cantos do país. (Cristovam Buarque falou de como deve ser a formação do professor e os custos para isso e os salários que deveriam ganhar). Para tirar o país da pobreza, só através da escola. Por isso precisaríamos de um pacto nacional. Não há democracia sem igualdade de oportunidades. Unidos na ideia de que a educação é que traz progresso. 'Se o Brasil adotasse uma geração de brasileiros, essa geração adotaria o Brasil em seguida", disse uma vez a ex-senadora Heloisa Helena. Hoje temos o analfabetismo contemporâneo, o aluno passa de ano com aprovação automática".

Pedro Cunha Lima (deputado federal -PSDB-PB) - "Eu escuto o prof. Cristovam Buarque falando, e percebo há quanto tempo ele fala isso. Eu estive no interior da Paraíba, e pensei, será que só dinheiro resolve? Gestão, carreira do professor. Que tal o governo federal cuidar pelo menos até a alfabetização? Insisto nessa proposta. A melhor notícia para os alunos é a chegada da telefonia G5, que é uma ação do Ministério das Comunicações, não da Educação".

Walter Vicioni Gonçalves (deputado estadual MDB-SP) - "Câmara Cascudo dizia que o Brasil não tem problemas, mas soluções adiadas. Investir muito na formação do profissional da educação. Acredito que há bons projetos para a Educação, mas que caem numa estrutura que não é fértil, que não funciona. O sistema S precisa "subir o morro". Atender as pessoas que mais necessitam do processo de capacitação profissional"

Comte Bittencourt (ex-deputado estadual e ex-secretário estadual de educação - Cidadania/RJ) - "Prioridade do município é atender a educação infantil, mas não consegue atender isso. É preciso fazer o pacto que Cristovam Buarque propõe. Perto dos 100 anos do educador Paulo Freire, ainda temos um grande contingente de 50% de crianças na faixa dos oito anos sem conhecimentos básicos de matemática. Não há como pensar em entrar na área do conhecimento sem ter uma escola pública com qualidade."