Com demanda em alta por causa da pandemia, faltam componentes para as bikes; previsão é que a normalização só venha em um ano
Márcia De Chiara, O Estado de S.Paulo
Usadas como meio de transporte para escapar de aglomerações nos ônibus e metrô, em serviços de entregas, no lazer e na prática de esportes por quem quer evitar a academia, as bicicletas viraram símbolo de mobilidade e ganharam espaço na pandemia. As vendas de bikes no mundo experimentam um boom desde março do ano passado e no Brasil não tem sido diferente.
O volume comercializado de bicicletas fabricadas aqui, importadas e montadas localmente atingiu 6 milhões de unidades em 2020. O crescimento foi de 50% em relação ao ano anterior, segundo a Aliança Bike, associação que reúne 75% do mercado. A estimativa mais recente da entidade é que a venda e a montagem de bikes movimentem R$ 10 bilhões por ano no País.
Esse forte crescimento, porém, fez surgir um problema (também enfrentado por outros setores): a falta global de peças, componentes e matérias-primas para produção, boa parte deles importados. Em épocas normais, a indústria nacional trabalhava com dois meses de estoques de insumos e de produtos acabados. Mas, atualmente, os volumes de ambos são para duas semanas, diz Cyro Gazola, vice-presidente para o segmento de bicicletas da Abraciclo e presidente da Caloi, a maior fabricante do País. "Qualquer atraso de um fornecedor complica tudo."
Nos últimos três a quatro meses, tem sido comum a indústria interromper a linha de produção de dois a três dias no mês por falta de peças, diz Gazola. "Não posso produzir uma bicicleta sem roda, sem guidão." Segundo ele, a demanda por bikes está entre 15% a 20% acima da oferta, porque a cadeia de produção está travada. O executivo acredita que demore entre nove meses e um ano para que o ritmo de produção se regularize.
Isacco Douek, sócio da Isapa, uma das maiores distribuidoras de peças, componentes e acessórios nacionais e importados, com mais de dez mil clientes no País, e também fabricante de bikes com a marca Oggi na Zona Franca de Manaus, conta que normalmente trabalhava com 90 dias de estoques na distribuidora. Mas, desde julho do ano passado, quando as vendas dispararam, os estoques sumiram. Atualmente a distribuidora opera "da mão para boca": as peças chegam e acabam.
"Temos feito pedidos hoje de peças que serão embarcadas em outubro e novembro e só vão chegar ao País no ano que vem", diz. Por isso, ele não acredita que a oferta se normalize até o início do próximo ano.
Descompasso. Segundo Daniel Guth, diretor da Aliança Bike, o descompasso entre a oferta e a demanda por bicicletas é global, porém mais acentuado no Brasil por duas razões. Uma delas é que, pressionados pela forte demanda mundial, os países asiáticos, os grandes fornecedores, estão priorizando os pedidos de mercados consolidados e que pagam mais. O segundo ponto é que, além da alta da matéria-prima cotada em dólar e também valorizada pela alta do câmbio, como o aço e o alumínio, o preço do frete marítimo quintuplicou no último ano.
O resultado concreto desse descompasso bateu no bolso do consumidor. Nos últimos 12 meses até abril, o preço da bicicleta subiu quase 20% e os gastos com conserto de bikes, 16,2%, enquanto o IPCA, a inflação oficial do País, foi de 6,76%.
Mesmo mais caras, a procura pelas bikes segue firme. Guth diz que recente pesquisa feita pela entidade com varejistas revela que, para contornar a falta de produto, as lojas começaram a vender bicicletas de segunda mão e fazer lista de espera para atender a demanda.
A varejista Decathlon, por exemplo, confirma que há fila de espera, algo que não era comum. O diretor de produto Marcello Toshio explica que a demanda por bicicletas está tão forte que não é possível manter estoque de segurança.
O Estado de S.Paulo
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