Paul Barrett é professor da Universidde de Nova York | Imagem: Nyu/Stern
'O Vale do Silício não censura os conservadores', diz pesquisador

'O Vale do Silício não censura os conservadores', diz pesquisador

Em estudo, professor da Universidade de Nova York investigou uma das principais reclamações da direita americana

Por Tiago Aguiar - O Estado de S. Paulo

Nos últimos anos, uma reclamação comum de conservadores é de que redes sociais censuram os seus conteúdos - nos EUA, o barulho é especialmente alto entre apoiadores do ex-presidente Donald Trump. Paul Barrett, professor da Universidade de Nova York, decidiu investigar a história.

Especialista em redes sociais e política, Barret avaliou os argumentos e hipóteses de que Google, Twitter e Facebook barram o conteúdo sob determinado ângulo político. A conclusão do relatório "Falsa acusação: A alegação infundada de que empresas de redes sociais censuram conservadores" é a de que discursos de políticos de conservadores ganham mais do que perdem em termos de engajamento e atenção online - tudo isso graças aos sistemas de promoção algorítmica de conteúdo das redes sociais. Ele falou com exclusividade ao Estadão. Confira os principais trechos:

É seguro dizer que a direita - ou a extrema direita - espalha mais conteúdos que violam as regras das plataformas do que representantes da esquerda?

Vários estudos concluíram que o fluxo de informações falsas e outros conteúdos nocivos é assimétrico - que circula mais à direita do que à esquerda. Nos EUA, acho que as mesmas forças que impulsionaram o movimento Tea Party, a base de Trump e a Fox News contribuíram para uma mudança na extrema direita republicana. A transformação veio acompanhada de uma mentalidade conspiratória, que gera e consome conteúdo mais extremo em uma variedade de plataformas de mídia social.

O sr. acredita que, se as redes sociais seguirem suas recomendações, isso diminuirá a perda de usuários conservadores para plataformas como Gab e Parler?

Não sei se um número significativo de conservadores está realmente abandonando o Facebook e o Twitter. Algumas figuras importantes disseram que estão fazendo isso. Mas teremos que esperar e ver como tudo isso vai acontecer. Enquanto isso, se as principais plataformas fossem mais transparentes sobre moderação de conteúdo e checagem de fatos - uma de nossas principais recomendações -, alguns membros da direita política poderiam ter certeza de que não são vítimas de preconceitos ideológicos. Não tenho nenhuma ilusão de que nosso relatório encerrará a alegação de viés anticonservador, porque essa alegação em si é uma forma de desinformação destinada a irritar a base do Trump.

Como o sr. responde ao argumento de que a maioria dos diretores do Vale do Silício (e da mídia e de universidades, em geral) tem orientação liberal?

Como dizemos no relatório, a questão não é se os executivos e funcionários do Vale do Silício são liberais. Muitos deles são. A questão é se suas preferências políticas pessoais os levam a censurar sistematicamente os conservadores. Não há evidências para apoiar a última afirmação.

O que impede essas empresas de ter consistência, regras mais claras e maior transparência nas suas políticas?

É interesse das empresas buscar esses objetivos. Mas seria necessário esforço e algum dinheiro para estabelecer e aplicar políticas mais claras. Alcançar maior transparência contradiz o instinto das empresas de manter seu funcionamento interno em segredo dos concorrentes. E uma melhor autogovernança não contribui imediata ou diretamente para os resultados financeiros, mesmo que isso aumentasse o sucesso das empresas no longo prazo e as tornasse melhores "cidadãs corporativas".

Perfis de pessoas influentes dispostas a mentir são mais danosas do que robôs e processos automatizados com perfis falsos?

Sim, geram mais danos do que robôs ou contas falsas. Isso é ruim principalmente quando a conta desses perfis influentes é controlada por um chefe de Estado, que espalha desinformação sobre temas importantes como saúde pública e integridade das eleições e que, ao mesmo tempo, incita a violência em massa.

No debate público digital, qual é a importância da parte da mídia tradicional dos EUA ligada à direita (Newsmax, Fox News) na propagação de teorias da conspiração ou na demonização do centro e da esquerda?

Parte da cobertura de notícias da Fox News - por exemplo, entrevistas feitas por Chris Wallace - pode ser qualificada como mainstream. Mas suas figuras mais populares do horário nobre - como Tucker Carlson, Laura Ingraham e Sean Hannity - são propagandistas de direita. No geral, a Fox News e seus novos rivais na extrema direita, Newsmax e OANN, são componentes cruciais para amplificar as teorias da conspiração, que muitas vezes começam online.

Você acredita que houve arbitrariedade na decisão do Twitter de banir o ex-presidente Donald Trump poucos dias antes de ele encerrar o mandato?

Não acho que a decisão do Twitter de barrar Trump foi arbitrária. Como a empresa explicou, havia uma preocupação real de que o ex-presidente continuaria a usar o Twitter para elogiar extremistas de direita e incitá-los a cometer mais violência destinada a interferir na transferência pacífica de poder para o novo presidente. Além disso, os tuítes perigosos de Trump, que incitaram a insurreição de 6 de janeiro no Capitólio, não vieram do nada. Por meses, ele violou as regras do Twitter ao minar a validade da eleição e aplaudir a resistência armada às medidas de saúde pública relacionadas à pandemia do coronavírus. É difícil imaginar um caso envolvendo um usuário do Twitter que poderia causar danos maiores do que um chefe de Estado que se recusa a reconhecer que foi derrotado em uma eleição livre e justa e que deseja usar a plataforma para encorajar seus seguidores a interferir na conclusão do processo eleitoral.

O Estado de S.Paulo
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