Newsletter semanal do jornalista Thiago Prado detalha o que motivou Eduardo Paes e João Campos a defenderem uma candidatura do ex-deputado à Câmara em 2026 e recomenda o filme 'O agente secreto'
Por Thiago Prado na newsletter Jogo Político
Principal nome da esquerda na corrida ao Senado do Rio em 2022 - embora derrotado por Romário -, o ex-deputado Alessandro Molon (PSB) perdeu o apoio de duas das principais figuras que sustentavam o seu sonho de repetir a candidatura no ano que vem. Como o tema violência tomou conta do debate público após a operação policial que matou 121 pessoas no Complexo do Alemão, o presidente do PSB, prefeito do Recife, João Campos, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), passaram a defender que Molon desista do projeto e se candidate apenas a deputado federal.
O ex-parlamentar tem um calcanhar de aquiles, e os aliados Paes e Campos não estão dispostos a arcar com o ônus da fragilidade. Em 2019, ele fez o PSB fluminense, sigla que comanda, entrar com uma petição chamada 'ADPF das Favelas' no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a letalidade policial nas comunidades do Rio. A ação - que levou a Corte a impor limites e exigências para operações nas favelas - virou um dos principais argumentos da direita brasileira para defender que 'a esquerda defende bandidos'. O processo também tornou-se a alegação preferida do governador Cláudio Castro (PL) para justificar o fortalecimento do crime organizado no estado.
Há duas semanas, a ADPF das Favelas gerou um estresse entre João Campos e Molon. O advogado Daniel Sarmento, que atua em nome do PSB fluminense, se manifestou na ação pedindo para a Polícia Federal investigar a operação no Alemão. A petição irritou Campos por criticar a atuação policial na favela, o que Eduardo Paes tem evitado nas últimas semanas devido ao crescimento da popularidade de Cláudio Castro. Cobrado, Molon afirmou em uma primeira conversa para Campos que não sabia do movimento do advogado do partido. Depois, admitiu um 'ruído de comunicação' e que havia recebido uma mensagem de Whatsapp de Sarmento avisando da petição crítica à polícia no STF.
Desde janeiro, quando se manifestou contra a ADPF das favelas, Paes já vinha achando que o assunto tornara-se uma cilada para Molon ser o seu candidato ao Senado. Agora, com a operação do Alemão e seu o amplo apoio popular, o prefeito considera que outra candidatura da esquerda ao Senado está comprometida: a da deputada federal Benedita da Silva (PT), que subiu no plenário da Câmara para criticar a operação e visitou a família das vítimas na favela carioca.
João Campos e Eduardo Paes ainda não conversaram com Molon sobre o fim do sonho ao Senado de 2026 porque há no horizonte um golpe ainda mais duro por vir contra o ex-deputado: a retirada do comando do PSB fluminense, sigla que lidera desde 2018.
Sensação de popularidade no Nordeste, o prefeito do Recife assumiu a presidência do PSB em junho depois do partido passar dez anos sob o comando do advogado Carlos Siqueira com desempenhos eleitorais ruins. Na eleição de 2022, os socialistas elegeram apenas 14 deputados para a Câmara, dez a menos que a bancada de quatro anos antes.
Incomoda a Campos o fato da nominata montada por Molon na última eleição ter sido vitoriosa com apenas um federal - o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira Mello. Em 2022, o mal-estar com a forma como Molon conduz o diretório no Rio já havia sido exposta pelo jornalista Marcos Uchôa, possível puxador de votos da sigla naquela ocasião. Uchôa reclamou da falta de repasse de recursos do diretório estadual para a sua campanha ("Aí eu pensei, isso não é sério", disse em entrevista ao GLOBO em agosto daquele ano anunciando a desistência da candidatura).
Historicamente, a relação de Molon com a esquerda tem momentos conturbados. Em 2015, o ex-deputado deixou o PT rumo à Rede Sustentabilidade com críticas aos escândalos de corrupção envolvendo o partido. Dois anos depois, chegou a posar para uma foto histórica com artistas como Caetano Veloso e Christiane Torloni em ato de desagravo ao então juiz Marcelo Bretas, um dos símbolos da operação Lava-Jato no Rio. Na última eleição, ele e Marcelo Freixo, candidato derrotado a governador pelo PSB, evitaram agendas de campanha. Os dois não se bicam - e a política do Rio adora se divertir com o que classifica ser uma guerra de egos incontornável.
Derrotado ao Senado, Molon voltou a atuar na iniciativa privada e adotou o silêncio público. A última postagem no seu perfil do Instagram para 280 mil seguidores é de 23 de janeiro de 2023 sobre meio ambiente. A interlocutores, jura não ter interesse em voltar a ser deputado federal, como João Campos e Eduardo Paes agora desejam.
Recomendo
"O agente secreto"
O filme que pode representar o Brasil no Oscar novamente no ano que vem corre o risco de virar refém exatamente desta premissa. Se você, leitor, comparar o trabalho de Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura com o de Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello em 'Ainda estou aqui', vai se decepcionar. São jeitos de fazer cinema completamente diferentes.
'Ainda estou aqui' é uma história linear, de atuações espetaculares, com início, meio e fim. "O agente Secreto" é outro tipo de acontecimento cultural. Em artigo no jornal 'O Estado de S. Paulo' hoje, Eugênio Bucci definiu: "O roteiro nem sempre se acomoda bonitinho sob todos os passadores: não cumpre o itinerário protocolar e não obedece às fórmulas narrativas do cinemão comercial. Aqui e ali, passa por fora, deriva, desvia, suprime escalas. Nem tudo é explicado didaticamente, mas tudo flui magistralmente. Você não vai desgrudar o olho da tela'.
O filme é uma experiência que se mantém após o final, está interessante demais ler textos e ouvir podcasts produzidos sobre o longa nos últimos dias. "O resultado é ambicioso, popular, pulsante e cheio de camadas para o público discutir incansavelmente após as sessões. São conversas que podem ir da política ao afeto, do suspense à deslumbrante ambientação de Recife", escreveu o colega André Miranda na crítica para O GLOBO.
Sem spoiler, uma rápida explicação sobre o enredo do filme: o personagem de codinome Marcelo (interpretado pelo espetacular Wagner Moura), um professor que retorna à sua cidade natal em busca de refúgio político, é acolhido em uma casa de refugiados, onde tenta recomeçar a vida e se esconder do seu passado. Com o tempo, Marcelo é surpreendido ao ser novamente procurado por antigos inimigos.
Aprendi com "O agente Secreto" o divertido enredo da perna cabeluda, uma lenda urbana criada em Recife, na década de 1970, pelo escritor e jornalista Raimundo Carrero, na época redator do Diário de Pernambuco. Ela era um membro inferior que se movia sozinho pelas ruas de Recife, sem nenhum corpo o sustentando, atacando pessoas. Suas histórias passaram a ser publicadas no jornal em 1976, e estudiosos interpretaram a lenda durante anos como uma resposta simbólica à violência urbana da época. Em 2019, em entrevista ao portal Aventuras na História, Raimundo Carrero comentou sobre o verdadeiro motivo para o mito ser criado: "Como vivíamos sob a Ditadura Militar e muito conteúdo não podia ser publicado devido à censura, o então editor do Diário de Pernambuco e hoje ministro do Superior Tribunal da Justiça, Og Marques Fernandes, incumbiu a mim uma coluna policial com casos tidos como absurdos. Surgiu aí a história da Perna Cabeluda". Ou seja, a lenda surgiu para preencher espaços vazios nos jornais que não podiam escrever sobre os abusos do regime militar.
O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/11/13/jogo-politico-a-implosao-da-candidatura-molon-ao-senado-com-a-adpf-das-favelas-e-a-crise-no-psb-do-rio-pos-alemao.ghtml





