- Eles afirmam que situação chegou no limite com operação policial que deixou 121 mortos
- Carta elogia o ministro Ricardo Lewandowski e diz que Rio recusa apoio da pasta por 'razões ainda insondáveis'
Mônica Bergamo
Cinco ex-ministros da Justiça escreveram uma carta aberta ao presidente Lula recomendando que, "no limite a que chegamos", ele "assuma o comando, pessoal e diretamente", de ações para "liderar a desconstrução da situação de crise engendrada" pela Operação Contenção, do Rio de Janeiro -a mais letal da história do país.
Eles afirmam que isso poderia ser feito "através de uma Secretaria Especial da Presidência da República" dirigida por alguém com "prerrogativas ministeriais".
O ex-ministro da Justiça Tarso Genro, que ocupou o cargo no segundo governo de Lula, afirma que ela poderia funcionar nos moldes da que foi criada pelo petista para atuar no Rio Grande do Sul quando o estado foi devastado por enchentes, no ano passado. Ou seja, organizando as ações e a implantação de programas de diversos ministérios.
"O objetivo de tal Secretaria seria coordenar, com a sua autoridade [de Lula], todas as instâncias de Polícia, de inteligência, de informações e de competência operacional da União, para ajudar a debelar a crise do Rio", diz o texto.
Eles afirmam que a secretaria poderia também "iniciar a formatação institucional do Ministério de Segurança Pública no país, que é proposta contida em seu Programa de Governo".
A carta é assinada pelos ex-ministros Aloysio Nunes Ferreira, José Carlos Dias, Miguel Reale Jr. e Nelson Jobim, que atuaram no governo de Fernando Henrique Cardoso, e por Tarso Genro. Tem ainda o endosso de personalidades como Benedito Mariano, José Dirceu, Lenio Streck, Luiz Eduardo Soares, Nélio Machado, Oscar Vilhena, Técio Lins e Silva e Vicente Trevas.
No documento, os ex-ministros elogiam o "meritório esforço estratégico que vem sendo feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública", comandado por Ricardo Lewandowski. E afirmam que o apoio oferecido pela pasta, "por razões ainda insondáveis, não tem sido requisitado pelo Governo do Rio, que resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas -ainda não aferíveis- para a República e a Democracia em nosso país".
Eles criticam a operação do governador Cláudio Castro, que resultou na morte de 121 pessoas.
"Mal preparada e mal explicada, foi realizada uma operação de guerra, colocando as estruturas de Polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente e não somente com os grupos de faccionados que controlam grande parte daqueles territórios e que também disputam, entre si, o poder de fato na região", dizem os ex-ministros.
"Chegou-se, com esta política de guerra, a um novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas (117 civis e 04 policiais, segundo dados oficiais). Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham antecedentes, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas. O fato de ter antecedentes, de outra parte, não expressa -num Estado Democrático de Direito- licença sumária para eliminação de qualquer indivíduo., seguem eles.
"Incursões policiais sistemáticas já se mostraram, ao longo de décadas, uma forma inadequada para enfrentar as facções criminosas, porque colocam em risco toda a população que vive sob o domínio tirânico do crime organizado tirânico e igualmente porque vulneram a segurança dos próprios policiais, empenhados na missão de enfrentá-lo. A sequência destas operações, na verdade, tem resultado no reforço dos poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder", analisam.
Leia, abaixo, a íntegra da carta:
"Exmo. sr. presidente da República Luís Inácio Lula da Silva
Os signatários reunidos nesta Carta, atentos aos dramáticos eventos relacionados com a Segurança Pública no Rio de Janeiro, bem como considerando as importantes manifestações de Vossa Excelência, chamando para si a condução institucional da crise ali desatada, vêm lhe apresentar uma sugestão concreta e colaborativa, no debate sobre o tema que já está em curso em todo o país.
Estamos remetendo a Vossa Excelência a presente "Carta Aberta", que, após o envio, será tornada pública. Ela traduz uma preocupação com a estabilidade do país e com a firme sustentabilidade institucional do seu Governo, face aos desdobramentos da operação de alta letalidade procedida pelas forças de Segurança, nos complexos da Penha e do Alemão, matando mais de uma centena de moradores -com e sem antecedentes criminais- bem como policiais que ali estavam convocados para cumprir seu dever.
Mal preparada e mal explicada, foi realizada uma operação de guerra, colocando as estruturas de Polícia do Estado do Rio de Janeiro em confronto com a totalidade da população ali residente e não somente com os grupos de faccionados que controlam grande parte daqueles territórios e que também disputam, entre si, o poder de fato na região.
Chegou-se, com esta política de guerra, a um novo limite de enfrentamento armado e de perdas de vidas (117 civis e 04 policiais, segundo dados oficiais). Muitas das pessoas que foram abatidas não têm antecedentes criminais e, quanto às que tinham antecedentes, não se tem clareza sobre as circunstâncias em que foram mortas. O fato de ter antecedentes, de outra parte, não expressa -num Estado Democrático de Direito- licença sumária para eliminação de qualquer indivíduo.
Incursões policiais sistemáticas já se mostraram, ao longo de décadas, uma forma inadequada para enfrentar as facções criminosas, porque colocam em risco toda a população que vive sob o domínio tirânico do crime organizado tirânico e igualmente porque vulneram a segurança dos próprios policiais, empenhados na missão de enfrentá-lo. A sequência destas operações, na verdade, tem resultado no reforço dos poderes paralelos instaurados nas regiões, que sempre se alimentam da violência para exaltar e propagar o seu poder.
O meritório esforço estratégico que vem sendo feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública -combinado com a disponibilidade do apoio que o Ministério oferece a todos os Estados- por razões ainda insondáveis, não tem sido requisitado pelo Governo do Rio, que resolveu agir de forma isolada, provocando uma catástrofe de dimensões históricas e consequências negativas -ainda não aferíveis- para a República e a Democracia em nosso país.
O limite a que chegamos recomenda que V. Exa. assuma o comando, pessoal e diretamente, através de uma Secretaria Especial da Presidência da República -dirigida por um(a) ecretário(a) de Estado com prerrogativas Ministeriais, e estreitamente ligado(a) à sua liderança e direção. Tal Secretaria poderia se encarregar de liderar a desconstrução da situação de crise engendrada pelas ações ocorridas no Rio de Janeiro. Enfatizamos, senhor Presidente, que esta situação poderá se disseminar para outros Estados da União, o que clama por estratégias especiais focadas, preditivas e antecipatórias.
O objetivo de tal Secretaria seria coordenar, com a sua autoridade, todas as instâncias de Polícia, de inteligência, de informações e de competência operacional da União, para ajudar a debelar a crise do Rio, de forma conjugada com o Governo Estadual e também para iniciar a formatação institucional do Ministério de Segurança Pública no país, que é proposta contida em seu Programa de Governo.
V. Exa. está atento para estabelecer um Programa Nacional de Enfrentamento às Facções Criminosas, visando, nos curto e médio prazos, retomar os territórios hoje dominados por criminosos, que impõem sofrimento e medo nas periferias. De igual forma, é necessário planejar outras operações de estrangulamento econômico do crime, à luz da Operação Carbono Oculto. É sabido que os grandes líderes das facções não habitam nas periferias, mas nelas promovem violência para manter o controle dos seus interesses criminosos.
Um novo Projeto Nacional de Segurança Pública, que seria elaborado pela nova Secretaria e estaria em sintonia com a PEC apresentada pelo Ministério da Justiça, pautado na democracia, na cidadania, na inteligência policial, no antirracismo e na valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública, teria o objetivo de enfrentar as facções criminosas nas suas várias modalidades, o que só seria possível num governo que valoriza a democracia, a soberania nacional, a cidadania e o estado democrático de direito. Estes valores norteiam o governo de Vossa Excelência.
O crime organizado não colocará em xeque a democracia brasileira, mas só pode ser desconstruído mediante as estratégias e metodologias corretas e inteligentes de enfrentamento. O senhor possui legitimidade e apoio popular plenos para liderá-las."
Subscrevem, ex-ministros da Justiça
E mais:
Alfredo Attié Junior
Benedito Mariano
Cristina Vilanova
Daniel Cerqueira
Flavio Wolf de Aguiar
José Dirceu
José Geraldo Souza Junior
Judith Martins Costa
Julita Lemgruber
Lenio Streck
Ligia Daher Gonçalves
Luiz Eduardo Soares
Miriam Krezinger
Meire Silva
Nélio Machado
Oscar Vilhena Silvia Ramos
Técio Lins e Silva
Vicente Trevas
com DIEGO ALEJANDRO, KARINA MATIAS e VICTÓRIA CÓCOLO
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2025/11/ex-ministros-da-justica-pedem-a-lula-que-assuma-o-comando-e-recrie-o-ministerio-da-seguranca.shtml





