O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas - Foto: Divulgação |
Após críticas por pedágios e Coca-Cola, Tarcísio vira alvo nas redes por fiscalização do ICMS sobre gorjeta de garçons; governo diz ser alvo de fake news

Após críticas por pedágios e Coca-Cola, Tarcísio vira alvo nas redes por fiscalização do ICMS sobre gorjeta de garçons; governo diz ser alvo de fake news

Levantamento exclusivo do GLOBO mostra que menções ao governador na internet 'explodiram' após tarifaço de Trump, embora ele tenha reduzido a quantidade de postagens


Por Samuel Lima e Sérgio Quintella - São Paulo

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vem sendo alvo de ataques e críticas nas redes sociais devido a recentes fiscalizações que a Secretaria da Fazenda (Sefaz) tem realizado em bares e restaurantes paulistas, gerando multas pelo não recolhimento de parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelos estabelecimentos.

A questão começou no fim do mês passado, quando a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) enviou um ofício pedindo para o governo do estado deixar de autuar as empresas que não recolhem o tributo acima de 10% de caixinha, até o limite de 15% estabelecido em lei.

- Manifestamos nossa preocupação com o entendimento adotado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, cujos fiscais se encontram exercendo fiscalização e autuando estabelecimentos do setor representado pela Fhoresp, em razão do não recolhimento do ICMS sobre o percentual de gorjeta que exceda 10% (dez por cento). Trata-se, entretanto, de evidente equívoco interpretativo, uma vez que as gorjetas voluntárias concedidas pelos consumidores de bares, restaurantes e similares não integram a receita dos estabelecimentos, destinando-se, exclusivamente, à remuneração dos trabalhadores - afirma a entidade, em nota.

O tema em questão diz respeito a um decreto de 2012, assinado pelo então governador Geraldo Alckmin, e por uma lei federal, de 2017, que regulamentou as gorjetas no Brasil. Ou seja, nenhuma das duas normas foi criada pela gestão Tarcísio de Freitas.

Além disso, o secretário-executivo da Secretaria da Fazenda, Rogério Campos, afirma ao GLOBO que a tributação incide sobre a receita bruta da empresa, não sobre o excedente da gorjeta.

- A tributação incide sobre a receita bruta do estabelecimento. E por ser um regime especial, é previsto dedução. Esse regime prevê que é possível deduzir 10% da receita bruta a título de gorjeta. Mas veja que essa mesma medida prevê uma gorjeta excepcional voluntária. Eu, Rogério, adoro o garçom Josias, aqui do Bar Brahma. Imaginamos que eu dou mil reais para ele. Isso não entra para a receita bruta do estabelecimento (...) Não existem essas regras. Pode ser 15%, 20%, pode ser 90% (a mais) - afirma o secretário-executivo.

Rogério Campos disse também que recebeu a Fhoresp para uma reunião, considerada proveitosa.

- Eles ficaram muito satisfeitos com a reunião, porque a gente esclareceu alguns pontos, eles tinham uma preocupação de haver alguma ação de fiscalização, porque alguns bares e restaurantes estavam tendo problemas. Mas a gente até conversou bastante, porque de fato nada mudou nessa matéria desde 2012, um decreto do Geraldo Alckmin que estabeleceu as regras do regime de tributação - diz Campos.

Porém, o advogado tributarista Edson Pinto, diretor-executivo da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo, autora do ofício à Sefaz, afirma que as autuações realizadas pela secretaria versam, sim, sobre o excedente das gorjetas.

- Então, assim, eu não entendi muito bem essa resposta dele (de Campos sobre a receita bruta), mas o fato é que agentes fiscais estão cobrando estabelecimentos. Alguns agentes, não é uma ação do governo, mas alguns agentes, estão cobrando essa gorjeta acima dos 10%. Eles, de forma individual, estão entendendo que os 12% ou os 15%, esses dois, ou esses três, ou esses cinco, não estão dentro da isenção dos 10%. Então, estão cobrando sim. Alguns agentes estão fazendo, isso não é sistêmico. Isso não é uma ação orquestrada do governo do Estado. São alguns agentes fiscais que estão se valendo disso - afirma Pinto, que esteve na reunião com Rogério Campos na Sefaz.

Um secretário bem próximo de Tarcísio afirma que a oposição, ao tentar "jogar no colo" do governador uma "fake news", usa as mesmas armas que diz defender.

- O governador está sendo atacado, pois é visto como o principal adversário do presidente. Isso não é novidade, ele vem sendo atacado por todos os lados, inclusive ninguém tem limite para usar informação falsa para isso - diz o secretário.

Apesar do assunto aparentemente ter se encaminhado para uma solução administrativa, a oposição ao governador tem aproveitado para criticar Tarcísio dentro e fora das redes.

- Tarcísio taxou até a gorjeta dos garçons. TAXÍSIO ODEIA O POVO! - postou o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). Outras manifestações, tanto de políticos quanto de internautas, também foram vistas aos montes nas páginas do governador.

A também deputada Erika Hilton (PSOL-SP) enviou na última quarta (15) uma representação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) cobrando providências sobre o assunto.

- A política tributária paulista, ao insistir nessa cobrança, esvazia o propósito da lei federal e penaliza a base do setor, especialmente garçons, cozinheiras, auxiliares e atendentes. Segundo relatos de entidades sindicais, a Fazenda paulista vem aplicando autuações retroativas e multas expressivas a estabelecimentos que não incluem a gorjeta na base do ICMS, criando um cenário de insegurança jurídica e perseguição fiscal e o resultado é perverso: empregadores repassam o custo adicional ao consumidor ou reduzem o repasse aos empregados, gerando queda direta de remuneração para milhares de trabalhadores que dependem das gorjetas - diz Hilton, no ofício.

Após a publicação da reportagem, a Secretaria de Comunicação enviou a seguinte nota:

"É falsa a informação de que a atual gestão do Governo do Estado de São Paulo passou a cobrar ICMS sobre gorjetas. A legislação em vigor é a mesma desde 2012, não tendo sido realizada absolutamente nenhuma mudança pela atual gestão. O imposto previsto neste regime incide sobre a receita bruta do estabelecimento, e não sobre a gorjeta. O regime especial foi instituído na gestão do então governador Geraldo Alckmin, em conformidade com o convênio Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), e não houve qualquer alteração por parte da atual administração".

Discursos de Tarcísio nas redes

A estratégia do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de modular o discurso, retomando o figurino de gestor estadual, não conseguiu dissuadir as redes lulistas de apontá-lo como alvo prioritário e candidato favorito de Jair Bolsonaro (PL). Levantamento realizado pela consultoria Bites, a pedido do GLOBO, mostra que Tarcísio enfrenta uma oposição ruidosa nas redes sociais e que continua em alta mesmo com a menor exposição adotada em suas próprias contas.

As menções a seu respeito explodiram a partir de 9 de julho, com o anúncio do "tarifaço" pelo presidente americano, Donald Trump. Foram registrados 6,8 milhões de conteúdos em redes como Twitter, Instagram e Facebook desde então, contra 2,3 milhões no período anterior equivalente - crescimento de quase três vezes e que eleva a média diária a quase 24 mil posts. Já a quantidade de publicações de autoria de Tarcísio caiu de 616 para 329, redução de 46,6%.

A análise aponta que, além das sanções econômicas de Trump deflagradas em apoio a Bolsonaro, assuntos como o PL anistia, os pedágios "free flow", o caso Ultrafarma, a crise do metanol, a atuação contra a MP federal dos impostos sobre rendimentos de aplicações financeiras e a cobrança de ICMS sobre gorjetas de garçons no estado renderam os principais picos de atenção nesse mesmo recorte de tempo. Com exceção da anistia, que costuma ser uma "bola dividida" em virtude das redes bolsonaristas, os demais representam reveses mais evidentes a Tarcísio.

- Na prática, em todos os casos, os principais críticos ao governador foram perfis alinhados ao governo Lula, mostrando que ele é considerado o provável adversário em 2026 - analisa o diretor técnico da Bites, André Eler.

A sucessão de polêmicas também é um sintoma observado a partir da taxa de interação dos posts do governador. Na contramão da quantidade de publicações, a média de curtidas, comentários e compartilhamentos aumentou 43% nos seus perfis oficiais. O GLOBO observou ainda que Tarcísio tem à sua disposição uma equipe disposta a fazer moderação de comentários, excluindo aqueles considerados ofensivos. Dessa forma, a taxa tende a estar subestimada no levantamento.

Por outro lado, Tarcísio aumentou o número de seguidores: 396 mil novas contas em pouco mais de três meses. Seu desempenho em angariar novos públicos foi melhor no começo de agosto, portanto, antes do julgamento e da condenação de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de estado.

Letícia Capone, que integra o grupo de pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-Rio e atua como diretora de monitoramento do Instituto Democracia em Xeque, acredita que a postura de Tarcísio em relação à corrida presidencial se justifica mais como uma tentativa de evitar o "fogo amigo" na extrema direita, notadamente o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), do que para sair da mira da esquerda.

- Esse movimento vem um pouco da falta de articulação e de apoio político dentro do próprio campo. Os perfis mais ligados a Jair Bolsonaro esperam um aceno dele para 2026, e vimos uma divisão nas manifestações de 7 de Setembro e quando ele sinalizou que iria até os Estados Unidos para negociar o tarifaço. Ele não é um nome de consenso hoje nas redes da direita.

O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2025/10/apos-criticas-por-pedagios-e-coca-cola-tarcisio-vira-alvo-nas-redes-por-cobranca-sobre-gorjeta-de-garcons.ghtml