Governo Trump pode provocar efeitos profundamente negativos na economia dos EUA, afirma Robinson Foto: Jason Smith/Chicago University |
Governo Trump será 'absolutamente terrível' para a economia dos EUA, afirma vencedor do Nobel

Governo Trump será 'absolutamente terrível' para a economia dos EUA, afirma vencedor do Nobel

Na avaliação de James Robinson, modelo de democracia liberal parou de funcionar e americano médio não se beneficiou da globalização


Por Luiz Guilherme Gerbelli

Um dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia no ano passado e coautor do livro Por que as Nações Fracassam, James Robinson avalia que o conjunto de políticas e movimentos em curso no governo de Donald Trump será "absolutamente terrível" para a economia dos Estados Unidos.

"Eu acho que vai ser terrível. Absolutamente terrível. Eu acho a política tarifária terrível. É claro que não é apenas sobre economia, mas vai ser terrível. Pense de onde veio o dinamismo econômico dos Estados Unidos nos últimos 200 anos? As instituições sugaram talentos de todos os lugares do mundo - do Brasil, da Inglaterra, da África do Sul", disse Robinson em entrevista ao Estadão, concedida durante sua passagem por São Paulo para participar de um evento da Fin (Confederação Nacional das Instituições Financeiras).

Na leitura de Robinson, é preciso analisar os fatores que levaram Trump para o poder novamente, não apenas a personalidade do presidente dos EUA. Segundo ele, o modelo de democracia liberal, adotado pelos EUA depois da Segunda Guerra Mundial, parou "de funcionar economicamente para a maioria das pessoas", porque o americano médio não se beneficiou da globalização e do avanço da tecnologia, por exemplo.

Na leitura de Robinson, é preciso analisar os fatores que levaram Trump para o poder novamente, não apenas a personalidade do presidente dos EUA. Segundo ele, o modelo de democracia liberal, adotado pelos EUA depois da Segunda Guerra Mundial, parou "de funcionar economicamente para a maioria das pessoas", porque o americano médio não se beneficiou da globalização e do avanço da tecnologia, por exemplo.

"Eu acho que isso criou uma espécie de reação contra o sistema. E essa reação é contra todos os aspectos do sistema", afirmou Robinson, professor da Universidade de Chicago. "É contra a globalização, contra os estrangeiros vindo para os Estados Unidos, contra a ordem econômica liberal, o livre-comércio."

Em relação ao Brasil, ele aponta que o País vai precisar reconfigurar suas relações diplomáticas e econômicas e que as próximas oportunidades da economia global podem estar na África.

"E pense nas oportunidades para o Brasil. Esqueça os Estados Unidos. De repente, a África começa a crescer e vocês têm todas essas conexões", disse.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.


Qual é a avaliação do governo de Donald Trump até agora?
Não se trata apenas da administração Trump, mas da situação que deu origem à administração dele. Eu acho que as pessoas atribuem demais essa situação à pessoa do presidente Trump. E se você fizer isso, corre o risco de não ver as circunstâncias das quais ele é um sintoma. É muito difícil entender muitas das coisas que o Trump faz, mas, se você focar no que o levou a chegar ao poder, é mais fácil de entender o que está acontecendo. Esse tipo de modelo de democracia liberal - ou seja lá o que for -, que os Estados Unidos adotaram e ajudaram a espalhar pelo mundo depois da Segunda Guerra Mundial, parou de funcionar economicamente para a maioria das pessoas.

Se você olhar para os salários reais, a menos que tenha um diploma universitário - e eu acho que cerca de 40% das pessoas nos Estados Unidos têm -, você está em pior situação agora do que há 50 anos. Os salários das pessoas que não têm diploma universitário caíram nos últimos 50 anos. Nesse período, houve todo esse crescimento, a globalização, a mudança tecnológica, a disseminação dos computadores, mas o americano médio está em pior situação agora do que estava no início disso. Esse é um enorme problema. Eu acho que isso criou uma espécie de reação contra o sistema. E essa reação, é contra todos os aspectos do sistema.

O que o sr. quer dizer com isso?
É contra a globalização, contra os estrangeiros vindo para os Estados Unidos, contra a ordem econômica liberal, o livre-comércio. É contra o liberalismo social também. Pense no Kennedy (Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde dos EUA). O que ele tem em comum (com o governo)? Ele é contra o projeto liberal, vacinar pessoas, dizer às pessoas o que fazer. Por que o ataque contra Harvard e Columbia? Elas são as instituições educacionais liberais, estão criando a elite liberal. Para mim, o presidente Trump entendeu todo esse descontentamento. Os políticos tradicionais não entenderam isso.

E por que ele soube entender esse descontentamento?
Eu não sei a resposta para isso. Talvez, porque ele foi uma estrela de reality show. Ele realmente interagiu com muitas pessoas comuns de uma forma que Hillary Clinton nunca fez ou Joe Biden nunca fez. Então, de alguma forma, ele entendeu esse enorme descontentamento na sociedade e descobriu uma maneira de canalizar tudo isso.

E pense no comentário de Hillary Clinton sobre os "deploráveis". Ela disse que os apoiadores do presidente Trump eram um cesto de deploráveis. Você sabe por que esse ataque à cultura woke? Porque isso também faz parte dessa ideologia liberal. Nós dizemos que todos deveriam ser a favor do casamento gay, e se você não é, você é uma pessoa má. E as pessoas não gostam de ser chamadas de más, não gostam de ser chamadas de uma pessoa imoral. Isso também faz parte da reação.

E qual será a consequência de tudo isso para a economia?
Eu acho que vai ser terrível. Absolutamente terrível. Eu acho a política tarifária terrível. É claro que não é apenas sobre economia, mas vai ser terrível. Pense de onde veio o dinamismo econômico dos Estados Unidos nos últimos 200 anos? As instituições sugaram talentos de todos os lugares do mundo - do Brasil, da Inglaterra, da África do Sul. De onde é o Musk? África do Sul. De onde era a família de Steve Jobs? Síria. Se isso se inverter, haverá efeitos profundamente negativos na prosperidade econômica dos Estados Unidos. Pense no ataque às universidades, à ciência. Isso vai ter efeitos econômicos terrivelmente negativos.

Como combinar todas essas questões que surgem e manter uma economia aberta?
Precisa haver muito mais tolerância com as opiniões de outras pessoas. Eu acho que muitos americanos não concordam com essa agenda woke e esse liberalismo social agressivo. Eu pessoalmente posso concordar com isso, mas entendo que há muitas pessoas religiosas que não concordam. A América é um lugar muito diverso e eu acho que essa agenda tem sido um desastre.

A agenda woke foi um desastre?
Sim, absolutamente. Tem sido um desastre. É contra a liberdade acadêmica. Eu acho que simplesmente não é certo condenar pessoas que têm crenças diferentes das suas como sendo imorais ou deploráveis. De acordo com o liberalismo, você é livre para acreditar no que quiser, desde que não interfira na minha liberdade. Então, você pode acreditar na Bíblia, pode acreditar que Deus acha que o aborto é pecaminoso, a homossexualidade é pecaminosa. Eu, pessoalmente, discordo de você, mas tenho de respeitar sua opinião, tenho de respeitar seu direito de acreditar nisso.

Para mudar isso, nós temos de deliberar, discutir na sociedade, pensar nas consequências, mas você não pode simplesmente começar a impor isso. Os Estados Unidos são um país muito heterogêneo, com muitas pessoas e com crenças muito diferentes. Eu trabalho muito em países em desenvolvimento, trabalho muito na África, e você tem de entender que as pessoas simplesmente pensam de forma diferente e têm crenças diferentes sobre o mundo. Se você vai fazer qualquer coisa, tem de começar respeitando isso, mesmo que não concorde.

Na avaliação do sr., por que há pouca oposição ao presidente Trump?
Em primeiro lugar, eu acho que os efeitos econômicos negativos ainda não apareceram. Tem muitas coisas acontecendo. Ao mesmo tempo em que você tem essas tarifas, está ocorrendo um enorme boom de investimentos em IA e em data centers. Você tem efeitos contracionistas na demanda agregada, mas tem esses efeitos expansionistas enormes. São bilhões de dólares. No setor privado, eu acho que as empresas estão tentando meio que esperar, pensando que isso vai passar, então não vão aumentar preços, vão apenas tentar manter as coisas.

Uma coisa que também torna muito difícil para a oposição se articular é que a coalizão política do presidente Trump é heterogênea. São pessoas diferentes que parecem não ter nada em comum, tipo Elon Musk, o Kennedy. O que essas pessoas têm em comum? O que elas têm em comum é que odeiam o sistema. De certa forma, o presidente Trump consegue manter todas essas pessoas felizes e acho que isso torna muito difícil formar uma oposição. Ao que exatamente você se opõe? A quais partes você se opõe?

O Partido Democrata está dividido e com falta de ideias. O presidente Trump tem uma ideia. Ele tem uma interpretação do problema nos Estados Unidos e precisa de uma ideia para derrotar uma ideia. Isso é o que o presidente Biden não entendeu. O presidente Biden achava que poderia vencer a eleição subsidiando carros elétricos, subsidiando a indústria ou perdoando empréstimos estudantis. Não é sobre economia, é sobre ideias. E os democratas não parecem ter uma estratégia. Não há uma ideia alternativa.

Qual é o futuro da economia global?
A economia mundial está meio que se reequilibrando. Você poderia perguntar quanto tempo isso vai durar nos Estados Unidos. Uma visão meio otimista seria que isso vire um enorme alerta para a sociedade americana e para os políticos tradicionais, e eles têm de apresentar novas ideias e haverá uma reconfiguração da política como houve nos anos 1930. Mas eu não vejo isso no momento, na verdade. O que eu vejo é que a coalizão do presidente Trump está ganhando tração. O que me surpreende é que há pouca oposição a todo o projeto. Então, se você vai me perguntar o que eu vejo daqui a 10 anos, talvez teremos alguma grande coisa como o New Deal e tudo será reorganizado, mas se você quiser uma previsão no momento, eu diria que é muito mais provável que isso seja o novo normal, significando que esse é o equilíbrio em que os Estados Unidos vão estar.

Como fica o Brasil nesse cenário?
Vai ter de reconfigurar seus relacionamentos, suas relações diplomáticas, suas relações econômicas. O Brasil já estava tentando fazer isso. Todo esse negócio do Brics foi uma tentativa. E isso realmente vai acontecer, porque os EUA vão entrar em um modo muito diferente. Vão se contrair diplomaticamente, economicamente. Vai ser um país muito diferente.

O Brasil tem se aproximado da China. Ela pode ocupar o lugar dos EUA?
Eu não sou otimista. Na minha visão, o poder tende à corrupção. Pensa quando o presidente Putin e o presidente Xi disseram que vão viver até 150 anos. Eles se veem no poder nos próximos 50 anos. Primeiro de tudo, não há dinamismo econômico na Rússia. A Rússia é apenas sustentada pela riqueza de recursos naturais. Não há dinamismo econômico ou empreendedorismo. Na China, existe. Mas isso vai durar? Eu não acho. Como eu digo, o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente, e é isso que você tem na China. Eu não posso te dizer como vai dar errado, mas eu acho que vai dar errado. Como será essa nova ordem mundial? Eu não sei. É muito difícil de prever, mas eu acho que é muito difícil ver a China como o novo foco de tudo isso. Mas talvez isso seja bom.

Por que pode ser bom?
Talvez, (o mundo) seja muito mais diversificado. Por exemplo, pegue o Banco Mundial. O presidente Trump não retirou o dinheiro americano do Banco Mundial, e você sabe por quê? Porque se ele tirasse o dinheiro, o Banco Mundial teria de sair de Washington e se mudar para o Japão, porque a constituição do Banco Mundial diz que sua sede está localizada no país que dá mais dinheiro. E depois dos Estados Unidos, é o Japão. Então, coisas assim começam a acontecer. O Banco Mundial se muda para o Japão, as Nações Unidas se realocam para Paris. Eu acho que isso deve acontecer.

James A. Robinson / Nobel. Foto:  Jason Smith/Chicago University
Mundo pode ficar mais diversificado, avalia James Robinson Foto: Jason Smith/Chicago University

O sr. está otimista com algum país ou região ou o mundo está mudando muito e é impossível traçar um cenário?
Pense no momento que estamos vivendo. Ninguém antecipou isso. Quando eu estava fazendo meu PhD nos Estados Unidos, eu tinha amigos que estudavam a União Soviética. Eles falavam russo, escreviam em russo. Eles iam passar a vida estudando a União Soviética. De repente, não havia União Soviética. Eles passaram anos vivendo na Rússia e não anteciparam o que ia acontecer. Eu trabalho muito na África. Se há um país no mundo grande o suficiente e que eu possa imaginar crescendo 10% ao ano pelos próximos 50 anos, é a Nigéria.

Por que a Nigéria?
Há 200 milhões de pessoas na Nigéria. Você vai para a Nigéria e ela está cheia de talento e energia, mas não tem foco, tem corrupção, tem conflito. Se o País pudesse começar a se mover na direção certa... E o que precisa para isso acontecer? Pense na China. A China é muito diferente da Nigéria, mas Deng Xiaoping meio que colocou as coisas em movimento na China. Ele não resolveu todos os problemas institucionais. Só resolveu algumas coisas. Mas viu que estava funcionando e decidiu ampliar o que funcionava. Essa foi a primeira coisa que ele fez. Eu acho que é preciso alguém com visão na Nigéria. Mas há coisas na Nigéria que estão funcionando, a propósito.

Se você olhar as projeções da população mundial, no ano 2100, 40% de todas as pessoas no mundo serão africanas. Na Nigéria, há milhões, dezenas de milhões de pessoas basicamente não fazendo nada. Era exatamente assim na China, na Coreia ou em qualquer um desses milagres econômicos. Havia apenas milhões de pessoas não fazendo nada, tipo, na agricultura, não produzindo nada. Se realocar essas pessoas, há enormes aumentos de produtividade. Isso está por toda a África. E pense nas oportunidades para o Brasil. Esqueça os Estados Unidos. De repente, a África começa a crescer e vocês têm todas essas conexões - em Angola, as pessoas falam português.

Estadão
https://www.estadao.com.br/economia/governo-trump-sera-absolutamente-terrivel-para-a-economia-dos-estados-unidos-afirma-premio-nobel/