Sem estudo técnico, vereadores Zoe Martinez (PL), Rubinho Nunes (União) e Thammy Miranda (PSD) incluíram na proposta de 2° turno quatro novas travessas e terrenos que poderão ser repassados à iniciativa privada. Vereadores argumentam que as ruas não têm utilidade e que a Prefeitura pode ter recursos para o Fundo de Habitação de Interesse Social.
Por Rodrigo Rodrigues, Vinicius Requena
O polêmico projeto da Prefeitura de São Paulo que pretende passar para uma construtora uma viela na região dos Jardins, na Zona Oeste, ganhou pelo menos mais quatro novas emendas.
Prestes a ser votado em 2° turno na Câmara Municipal nesta quarta-feira (3), o PL 673/2025 foi aprovado em 1° turno apenas com a autorização para que a gestão Ricardo Nunes (MDB) possa repassar à iniciativa privada a Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, nos Jardins, pelo valor de R$ 16 milhões.
Os vereadores argumentam que as ruas não têm utilidade e que a Prefeitura pode ter recursos para o Fundo de Habitação de Interesse Social.
Sem nenhum estudo técnico preliminar, os vereadores Zoe Martinez (PL), Rubinho Nunes (União Brasil) e Thammy Miranda (PL) acrescentaram quatro áreas que, se aprovadas em 2º turno, podem favorecer a iniciativa privada e construtoras, sem nenhuma discussão pública com a comunidade.
As emendas anexadas ao projeto original da prefeitura preveem o repasse à iniciativa privada das seguintes ruas e terreno:
- Emenda n° 01 - vereadora Zoe Martinez (PL): Terreno público de 140 m2 que fica na Av. Brigadeiro Faria Lima - Setor 086 - Quadra 129, entre os lotes 0157 e lotes 0024;
- Emenda n° 02: vereador Rubinho Nunes (União Brasil): Rua América Central, entre rua La Paz até a rua Ada Negri e viela adjacente - Santo Amaro
- Emenda n° 03 - vereador Rubinho Nunes (União Brasil): Rua Aurora Dias Carvalho - Itaim Bibi
- Emenda n° 04 - vereador Thammy Miranda (PSD): Rua Olga Lopes Mendonça - Vila Leopoldina
A emenda que mais chama atenção é justamente a da vereadora Zoe Martinez (PL), que pretende autorizar a alienação de um terreno público de 140 metros quadrados que fica na Av. Brigadeiro Faria Lima, uma das áreas mais valorizadas da cidade e cobiçada pelas construtoras.
Procurada, a vereadora afirmou por meio de nota que "o terreno está vazio há décadas, gera custos de limpeza e manutenção e não traz nenhum retorno para a população".
"Com a nossa proposta, o valor da venda entra no caixa da cidade e se transforma em benefício para os paulistanos, inclusive, parte do recurso será revertido ao Fundo de Habitação de Interesse Social. Não faz sentido manter dinheiro parado enquanto São Paulo precisa investir mais em saúde, educação e infraestrutura", afirmou.
O g1 e o telejornal Bom Dia SP, da TV Globo, também procuraram os vereadores Rubinho Nunes (União Brasil) e Thammy Miranda (PSD), mas não obtiveram retorno até a última atualização desta reportagem.
Parlamentares contrários
A inclusão de novos endereços no projeto original proposto pela prefeitura tem causado desconforto entre vereadores da própria base de apoio do prefeito na Câmara Municipal.
A vereadora Janaína Paschoal (PP) votou contra o projeto em 1° turno e afirmou ao g1 que vai continuar contrária à proposta, por conta da falta de transparência de como vai se dar a alienação dessas ruas e áreas para a iniciativa, principalmente em relação aos valores.
"Achei o PL estranho desde o princípio, em especial pelo fato de o vereador Paulo Frange [MDB] ter falado até o valor que pagariam pela rua [nos Jardins]. Eu o interpelei no Plenário, nesse dia. Quanto às emendas, não analisei todas detidamente. Mas se forem situações parecidas, votarei contra também", afirmou.
Na semana passada, a parlamentar que já conseguiu barrar uma viagem à Nova York que os vereadores Rubinho Nunes e Zoe Martinez pretendiam fazer com verba pública da Câmara.
Depois de um bate-boca público com Zoe Martinez que chamou a atenção da imprensa, os quatro vereadores que formariam a comitiva que iria visitar a Times Square anunciaram desistência da viagem (veja mais aqui).
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As vereadoras Luna Zarattini (PT), Janaína Paschoal (PP) e Luana Alves (PSOL). - Foto: Montagem/g1/Reprodução/Rede Câmara de SP
Outra vereadora que se posicionou contrária às emendas foi a líder do PT, Luna Zarattini.
"Estas emendas mostram como o mercado imobiliário atua fortemente na Câmara em prol dos seus interesses. Precisamos ocupar e valorizar os espaços públicos", afirmou.
A vereadora Luana Alves (PSOL) afirmou que a oposição já esperava surpresas de última hora no PL 673/2025 nesse 2° turno e chamou de contrassenso as emendas sugeridas pelos colegas de Câmara.
"A gente já estava prevendo que esse projeto vinha com alguma alteração, no sentido de tentar facilitar essa desencorporação por parte de alguns vereadores. Como sempre, esse tipo de projeto sempre é para transferir bens ativos públicos para a iniciativa privada, sem nenhum tipo de análise prévia ou conversa com a população do território, para ver se tem algum plano para aquele local. Se os moradores gostariam que aquele terreno ou área fosse destinada para a iniciativa privada", afirmou.
"É mais uma iniciativa que não leva em consideração o interesse público, mas sim os interesses de meia dúzia de empresários. O projeto já está ruim originalmente e ficou ainda pior. Na semana que instalamos a CPI das fraudes nos imóveis de interesse social, é um contrassenso entregar mais áreas públicas da cidade para a especulação imobiliária", declarou a vereadora.
Além das três vereadoras, o urbanista Nabil Bonduki - vereador do PT e professora da FAU-SP - também se declarou contrário às emendas de última hora dos parlamentares da base e disse vai votar contrário, caso o projeto seja mantido como está na votação que deve acontecer na parte da tarde.
Travessa nos Jardins
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Travessa deve ser privatizada para a construção de condomínio de luxo - Foto: Reprodução
O PL 673/2025, proposto pela gestão Nunes, já nasceu polêmico por autorizar a incorporação da Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, localizada entre a Alameda Lorena, a Rua Pamplona e a Avenida Nove de Julho, para a construção de um condomínio de luxo de altíssimo padrão.
A incorporadora já comprou e demoliu todos os imóveis da antiga vila que ocupava o local.
Porém, a viabilização do negócio passa pela alienação da travessa. É isso o que propõe um projeto de lei enviado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara Municipal, aprovado em 1° turno em 24 de julho, por 34 votos favoráveis e quatro contrários.
Se a aprovação for sacramentada em segundo turno, por maioria simples, a travessa deixará de ser, na prática, parte de uma vila aberta, passando a ser considerada área privada.
Parte da rua já está fechada para o público, devido a um pedido da incorporadora feito em 2023. Trata-se de uma das regiões mais valorizadas da cidade.
Célia Marcondes, advogada, ambientalista e vice-presidente da Sociedade de Amigos e Moradores do Cerqueira César, que inclui área dos Jardins, lamenta pela transformação prestes a ocorrer na travessa da região.
"É interesse para atender alguém privado, o lucro imobiliário". "Essa região já é sufocada de prédios e condomínios", afirma Marcondes.
Ela reforça que a estrutura do bairro não avançou na mesma proporção que as construções.
O que diz a Prefeitura de SP
A Prefeitura de São Paulo afirma que o projeto de construção do condomínio passou por avaliação técnica e jurídica.
Informou ainda que a proposta de venda da travessa foi enviada à Câmara Municipal devido ao "caráter local" da rua, que não se conecta com outras vias e, assim, sua transformação não impactaria o trânsito.
A Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), comandada por Bete França, por sua vez, concluiu que a área não poderia ser utilizada de forma isolada, enquanto a Procuradoria Geral do Município (PGM) entendeu que o projeto é viável.
G1
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2025/09/03/ruas-a-venda-vereadores-incluem-mais-4-enderecos-em-projeto-da-prefeitura-que-quer-repassar-viela-dos-jardins-a-condominio-de-luxo.ghtml