Para Pedro Turqueto, Operação Carbono Oculto mostrou esquema em postos de combustível com alto potencial de ser replicado; ANP diz que não ficou claro como possíveis alterações trariam risco de entrada de facções criminosas nesse mercado
Por Roseann Kennedy
CEO da Copa Energia, uma das maiores companhias de gás GLP do País, dona das marcas Copagaz e Liquigás, Pedro Turqueto teme que mudanças na regulação do setor facilitem a entrada do crime organizado nesse mercado. Ele já havia feito o alerta à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em meio às discussões da Análise de Impacto Regulatório este ano. Mas, após a Operação Carbono Oculto, na última semana, o executivo afirma que a preocupação aumentou.
"A preocupação que temos é que o modus operandi que eles usaram no mercado de combustível, diesel e gasolina, é altamente replicável no mercado de GLP, se houver afrouxamento de regras", destacou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão.
Procurada, a ANP confirmou estar revisando o marco regulatório da distribuição e revenda de gás liquefeito de petróleo (GLP), mas disse que não ficou claro como possíveis alterações trariam risco de entrada de facções criminosas nesse mercado. Também afirmou que fará audiências públicas sobre o tema, e que a conclusão do processo só ocorrerá em abril de 2026. (Confira nota abaixo).
O que preocupa o setor de gás e gera temor de avanço do crime organizado
Dois pontos em debate na ANP preocupam mais os grandes empresários do setor de gás. Um permite que qualquer empresa possa encher o botijão de outras marcas; o outro autoriza o envase fracionado dos botijões.
Embora não esteja explícito ainda no texto em debate na Agência que o enchimento poderá ser feito nos postos de gasolina, Pedro Turqueto avaliou que "está subentendido". E que poderia ser feito em qualquer pequeno estabelecimento também. Motivos pelos quais o executivo questiona a segurança à população e a capacidade de fiscalização dos órgãos do Estado.
"Hoje a ANP não consegue fiscalizar se eles fazem a mistura do etanol, se a gasolina está batizada, se a bomba está regulada. A ANP tem sérias dificuldades com contenções de custos e está falando em fazer a gestão de 130 milhões de botijões em tempo real, Brasil afora. Inimaginável que ela consiga fazer isso", observou.
A Operação Carbono Oculto, a maior já realizada no País no combate à infiltração do crime organizado na economia formal, expôs como o crime organizado se infiltrou por meio de postos de combustíveis, fintechs e fundos de investimento, envolvendo bilhões de reais em fraudes e lavagem de dinheiro. Uma das frentes da operação investigou uma rede de 300 postos de combustíveis controlada pelo PCC.
"No setor de gasolina eles abriam CNPJ com baixíssimo investimento, tinham faturamento enorme, sonegavam impostos. Em algum momento, os órgãos competentes fechavam esse CNPJ. Aí eles abriam outro do lado, faziam a mesma coisa e assim seguiam. O que está acontecendo no mercado de GLP é o seguinte: sob pretexto de ter mais competidores, estão abaixando a régua, para permitir que, com baixíssimo investimento, entre nesse mercado. Para mim o paralelo é muito claro", comparou o CEO da Copa Energia.
Investigados da Operação Carbono Oculto circularam pelo setor de gás
O CEO da Copa Energia, Pedro Turqueto, observou que dentre os presos na Operação Carbono Oculto, há nomes que foram vistos circulando em eventos e tentando aproximação nas discussões do mercado de gás."Obviamente que eles não aparecem donos da sociedade, mas aparecem influenciando ações ou inações, ou se portando como proprietários de empresas que tentaram atuar no mercado em brechas de lei. O crime organizado entra com fuzil em algumas localidades, mas estamos vendo que entra, principalmente, em brechas regulatórias ou por falta de fiscalização. Se não queremos que crime organizado entre nos negócios lícitos, quem está fazendo política pública tem que agir de forma preventiva e fazer regulação factível", reforçou.
Crise financeira e redução de pessoal dificulta trabalho operacional da ANP
Na avaliação de Pedro Turqueto, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis não teria condições de fazer o acompanhamento in loco de todos os estabelecimentos que viessem a ser autorizados para envase de gás fracionado. A agência tem enfrentado encolhimento dos seus quadros e corte de gastos.Em julho, por exemplo, como mostrou o Estadão, a agência dispensou 41 terceirizados que atuavam no apoio administrativo de seu escritório central, no Rio de Janeiro. A agência informou que fecharia as portas durante três dias por semana para economizar recursos e tentar chegar até o final do ano.
"A ANP está passando pela pior crise dos últimos 20 anos. Sou concursado há 20 anos e nunca vi uma crise tão grave", disse o superintendente Luciano Lobo, na ocasião.
A crise na agência reguladora, que também vem sendo percebida em outras similares, é consequência de sucessivos cortes de orçamento. Diante da limitação de recursos, a ANP já cortou a fiscalização da qualidade de combustíveis e reduziu a pesquisa de preços nos postos de abastecimento, entre outras medidas.

Pedro Zahran Turqueto, CEO da Copa Energia Foto: Copa Energia/Divulgação
Como ANP atuou na Operação Carbono Oculto
Na Operação Carbono Oculto, a Agência disse que realizou apoio técnico nas etapas de busca e apreensão, bem como coleta de produtos para análise laboratorial. "A ANP continuará prestando todo o apoio necessário ao MP, inclusive com resultados das análises laboratoriais, dados de movimentação de produtos, entre outros", ressaltou em seu site.A despeito dos problemas orçamentários, afirmou na nota sobre a megaoperação que "vem aprimorando ferramentas de inteligência e intensificado a investigação e mapeamento de grupos econômicos que atuam no mercado de combustíveis suspeitos de irregularidades".
Afirma, ainda que, com base nessa atuação, já realizou diversas autuações, interdições e revogações de autorização de agentes regulados, incluindo atividades de importação, produção, formulação, distribuição e revenda de combustíveis, biocombustíveis e outros produtos.
Para ANP, não está claro como mudanças no setor de gás abriria portas ao crime organizado
Procurada pela Coluna do Estadão, a ANP confirmou que está revisando o marco regulatório da distribuição e revenda de gás liquefeito de petróleo (GLP), previsto nas resoluções ANP nº 957 e nº 958/2023. A agência afirmou que "ainda não há mudanças previstas", mas sim "possíveis alternativas".
"As propostas de mudança estarão disponíveis na minuta de resolução em preparação, que ainda será submetida a consulta e audiência públicas. Caso seja aprovada pela Diretoria da ANP, a nova resolução será publicada no Diário Oficial da União e entrará em vigor".
A ANP explicou que a Análise de Impacto Regulatório (AIR) é um estudo que identifica e avalia as alternativas normativas e não normativas, bem como analisa sua efetividade para solucionar a questão apresentada e, de maneira ampla, suas potenciais consequências. "Uma futura minuta de resolução poderá ou não contemplar as propostas que constam do relatório de AIR".
A agência disse que o debate inclui condições "para que os agentes realizem as atividades, de forma a garantir a segurança, o investimento e a rastreabilidade dos botijões" e destacou que o relatório foi objeto de ampla participação social, com 75 dias de consulta prévia, "durante a qual recebeu contribuições do mercado e da sociedade".
A ANP afirmou que não está claro como as mudanças poderiam abrir portas ao crime organizado.
"Não ficou claro como possíveis alterações, caso sejam as alternativas definidas, trariam risco de entrada de facções criminosas nesse mercado, considerando que as atividades seriam realizadas por agentes autorizados e fiscalizados pela ANP. Além disso, para o caso do enchimento fracionado, a ANP optou por realizar uma avaliação de riscos, comparando o enchimento de recipientes em bases de distribuição e o enchimento parcial de vasilhames em instalações destinadas a este fim, conforme proposto".
A agência ressaltou, ainda, que "no Brasil, já ocorre o enchimento de vasilhames fora de bases de distribuição". Disse que, para a avaliação de riscos, coletou informações dos seis distribuidores com maior participação de mercado e concluiu que "a implementação do modelo de enchimento fracionado não aumenta o risco no enchimento de vasilhames de GLP de 13kg (P13) em comparação ao modelo de distribuição atual".
Ainda destacou que a fiscalização incluiria um rastreamento, inexistente no modelo atual.
Já sobre o enchimento por outras distribuidoras/marcas, disse que "os distribuidores de GLP com maior participação de mercado já envasam botijões que não estampam a sua marca".
Estadão
https://www.estadao.com.br/politica/coluna-do-estadao/crime-organizado-invadira-setor-de-gas-se-anp-permitir-envase-fracionado-teme-ceo-da-copa-energia/