Com seu prestígio e a força do governo, se for candidato, o petista terá um lugar garantido no segundo turno; vencê-lo são outros quinhentos. Isso dependerá do seu índice de rejeição
Papel, caneta e tinteiro sobre a mesa, Getúlio Vargas escolhia com cuidado as palavras que escreveria na carta endereçada ao presidente Washington Luís em 10 de maio de 1929, para sepultar todas as desconfianças que o Palácio do Catete nutria a seu respeito: "Pode Vossa Excelência ficar tranquilo de que o Partido Republicano do Rio Grande do Sul não lhe faltará com seu apoio no momento preciso", garantiu ao presidente da República, a propósito da sucessão presidencial.
Dias depois de entregar a carta, Getúlio fez a bancada gaúcha encenar um beija-mão de apoio ao presidente Washington Luís e aproveitou um portador para lhe enviar de presente um caixote de linguiças, salsichas e enlatados de Olderich, prestigiada marca gaúcha, como cesta de ano-novo. Com três anos de mandato pela frente no governo do Rio Grande do Sul, dissimulava sua oposição à candidatura de Júlio Prestes, o candidato de preferência dos paulistas. Toda vez que alguém questionava a lealdade de Getúlio, o presidente da República exibia a carta do político gaúcho.
O sinal de que a "política café com leite" havia se esgotado viria num encontro do jornalista Assis Chateaubriand com o mineiro Antônio Carlos, na ceia de Natal, em Belo Horizonte. Minas não aceitaria Júlio Prestes de jeito nenhum e poderia apoiar um líder gaúcho, fosse Borges de Medeiros ou Getúlio. A oposição mineira a Júlio Prestes seria decisiva para a tomada de posição de Getúlio, ex-ministro da Fazenda de Washington Luís, que aguardava, porém, o apoio de Medeiros. O resto da história quase todos conhecem: para "tirar as meias sem tirar o sapato", Getúlio enrolou o presidente da República enquanto pôde, se tornou o candidato da Aliança Liberal, perdeu a eleição no bico de pena e, depois, liderou a Revolução de 1930, que destituiu Washington Luís. Governou por 15 anos, oito dos quais durante o Estado Novo, uma ditadura de inspiração fascista.
A nova pesquisa Quaest, divulgada nesta quinta-feira (5), mostra que 66% dos brasileiros são contra a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à reeleição em 2026, enquanto 65% dizem que Jair Bolsonaro (PL) também deveria desistir de concorrer e apoiar outro candidato. Lula aparece tecnicamente empatado com diversos candidatos da direita em simulações de segundo turno, indicando uma disputa aberta e sem favoritos claros até o momento.
Nos cenários simulados de segundo turno, Lula empata tecnicamente com Tarcísio de Freitas (Republicanos): 41% para Lula e 40% para Tarcísio; com Michelle Bolsonaro (PL): 43% a 39%; e Ratinho Junior (PSD): 40% a 38%; e Eduardo Leite (PSD): 40% a 36%. Embora Jair Bolsonaro esteja inelegível até 2030, o petista aparece empatado com o ex-presidente, ambos com 41%. Lula sai do empate técnico contra Eduardo Bolsonaro (PL): 44% a 34%; Romeu Zema (Novo): 42% a 33%; e Ronaldo Caiado (União): 43% a 33%.
A esfinge do Bandeirantes
O cenário para as eleições de 2026 permanece indefinido, com a liderança de Lula sendo desafiada pela oposição e sem um nome expressivo que possa lhe substituir na disputa. A alta rejeição tanto ao atual presidente quanto ao ex-presidente Bolsonaro sugere um eleitorado em busca de novas alternativas e torna a disputa aberta e imprevisível. Com Bolsonaro inelegível, nomes como Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro ganham destaque como potenciais representantes da direita bolsonarista.
Mas lambari é pescado, o jogo é jogado. Lula tem experiência consolidada e forte legado social dos governos anteriores, a capilaridade partidária e militância ativa do PT, o reconhecimento de setores populares e progressistas e a capacidade de fazer alianças. Seu maior problema é a crise de imagem, muito desgastada. São sinais de fadiga política após três mandatos e uma crise fiscal que fragiliza o governo junto à classe média e ao setor produtivo, mais até do que ao mercado financeiro. Lula dificilmente manterá o apoio dos partidos do Centrão que participam de seu governo.
Com seu prestígio e a força do governo, porém, Lula terá um lugar garantido no segundo turno se for candidato; vencê-lo são outros quinhentos. Isso dependerá do seu índice de rejeição até lá e do adversário apoiado por Bolsonaro, que tem cacife para emplacar um candidato com seu sobrenome no segundo turno, seja Michelle, seja Eduardo. Esse é o melhor cenário para Lula, porque afastaria o adversário mais competitivo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Carioca, o atual ocupante do Palácio dos Bandeirantes tem imagem de gestor técnico e disciplinado, com boa avaliação em São Paulo; é leal a Bolsonaro, mesmo não sendo do clã. Falta-lhe carisma e projeção nacional fora do Sudeste. Sua ligação com Bolsonaro atrai tanto os votos da extrema-direita como parte da rejeição ao bolsonarismo. Tarcísio não tem experiência de uma disputa eleitoral de caráter nacional. Muito pressionado para que seja candidato, é o único nome capaz de unir o centro e a direita na disputa, removendo outras candidaturas; refuga, porém, e diz que apoia Bolsonaro.
A "sobra de futuro" do governador paulista é muito maior do que a de Bolsonaro e de Lula: pode disputar a reeleição e esperar 2030. Entretanto, Tarcísio é uma esfinge no Palácio dos Bandeirantes: decifra-me ou te devoro. Mais ou menos como Getúlio em 1930.
Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/rejeicao-a-lula-e-bolsonaro-deixa-eleicao-aberta-aos-demais-candidatos/