Por Rennan Setti
Muito antes de se tornar um dos banqueiros mais poderosos da Faria Lima, André Esteves era "o cara" nos bancos do Tamandaré. Em uma década de 1980 de emprego escasso, era em cursinhos como esse que as famílias da Zona Norte carioca (remediadas ou não) depositavam suas aspirações para a prole. O Olimpo era um lugar na lista de classificados dos concursos militares mais concorridos. E o tijucano de 17 anos que viria a comandar o BTG Pactual foi um dos mais bem-sucedidos na multidão que brigava por uma vaga em 1985.
Que Esteves é tijucano, todos sabiam - afinal, essa origem está no cerne da aura de self-made man em torno do hoje multibilionário -, mas a fase "concurseira" era pedaço esquecido de sua biografia. A curiosidade sobre o período foi aguçada pelo iminente lançamento do livro "De volta ao jogo: A história de sucesso, dramas e viradas do BTG Pactual", da jornalista Ariane Abdallah, previsto para 15 de maio.
Em excerto publicado pelo site Brazil Journal, na semana passada, Esteves conta como, ao terminar o colégio, foi seduzido pela "divisão mais sofisticada das Forças Armadas" - referência à Marinha Mercante, na verdade um ramo civil da Marinha - e se jogou de cabeça na preparação para o concurso. Seus resultados foram espetaculares nessa e em outras provas, a ponto de ter virado professor do cursinho em que estudara - mesmo tendo desistido da carreira naval após poucos meses de formação.
Foto no jornal
Uma fonte da coluna que competiu com Esteves naquelas fileiras lembrou-se de que seu sucesso à época chegou a ser notícia de jornal. De fato, está tudo lá na Hemeroteca Digital Brasileira, a coleção digitalizada de jornais da Biblioteca Nacional. A trajetória "concurseira" de Esteves foi acompanhada de perto pelas páginas cor-de-rosa do finado "Jornal dos Sports", que dedicava cobertura importante aos resultados de provas e vestibulares naquele tempo.
Na edição de 22 de novembro de 1985, o diário estampava, em alto de página: "André, com média 81, é o primeiro na EFOMM", a Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante.
"Com a média final 8,1, o candidato carioca André Santos Esteves ficou com o primeiro lugar no concurso de admissão à EFOMM, do qual participaram 3.634 candidatos de diferentes estados do país", dizia o texto.
Um dos trunfos de Esteves foi a matemática, "temida pela maioria dos candidatos" e responsável por eliminar de cara 79% dos postulantes. O futuro banqueiro tirou 9,6 na prova, seu melhor resultado nas disciplinas avaliadas. Foi a segunda maior nota de todos os candidatos, atrás apenas do 9,8 de um certo Francisco José Gonçalves Pereira, de Fortaleza, e empatada com a de outro carioca, Marcelo dos Santos Girão.
(O primeiro acabou seguindo carreira na praticagem; o segundo cursou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, e hoje trabalha na Alemanha como consultor de telecomunicações para uma firma internacional.)

Notícia do "Jornal dos Sports" em 1985 - Foto: Reprodução
'Só falto fazer ordem unida lá em casa'
Era uma época de competição feroz entre cursinhos. Rival histórico do Tamandaré, o Martins pagou anúncio na mesma página para publicizar a façanha do pupilo Marcelo Girão. E todos os preparatórios se estapeavam para "contratar" uma verdadeira lenda entre aqueles concurseiros: Ralph Costa Teixeira, o jovem prodígio da matemática que arrebatava ouros em sequência nas olimpíadas da disciplina e até hoje é lembrado como detentor do maior coeficiente de rendimento final na história do Instituto Militar de Engenharia (IME).
(Quem venceu a disputa para ter Teixeira entre seus alunos foi o Impacto, que completava a santíssima trindade dos cursinhos militares no Rio dos anos 1980. Depois do IME, Teixeira fez mestrado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, o Impa, e doutorado em Harvard, sob orientação de David Mumford, um ganhador da Medalha Fields. Hoje, é professor de matemática na Universidade Federal Fluminense (UFF), especializado em filões como visão computacional e geometria diferencial discreta.)
Em 1985, André Esteves também foi aprovado em concursos como o do Corpo de Bombeiros e o da Escola Naval, mas não na primeira colocação. O desempenho garantiu uma entrevista no "Jornal dos Sports", publicada em 27 de dezembro daquele ano. Assim começava o texto:
Embora aprovado em primeiro lugar no concurso de admissão à Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM), André Santos Esteves preferiu fazer o curso da Escola Naval, para a qual também foi classificado.
Justificando sua decisão, André explicou que sempre quis estudar na Escola Naval, principalmente a partir da atual crise econômica, que torna mais difícil os empregos. Com 17 anos, filho único de um técnico de contabilidade e de uma professora da Uerj, ele disse que nunca se interessou pela carreira dos pais.
- Meus pais são muito liberais e, de início, não viram com bons olhos a minha decisão de cursar a Escola Naval. Apenas minha avó, que sempre sonhou com o neto vestindo a farda branca, me apoiou - declarou André, acrescentando que somente seu entusiasmo levou os pais a mudar de ideia.
Muito organizado, "só falto fazer ordem unida lá em casa", André não estava preocupado com a disciplina da carreira militar. Admitiu, entretanto, que, se não gostasse do curso, poderia tentar o Instituto Militar de Engenharia (IME) ou o ITA, "afinal, só tenho 17 anos", como fez questão de ressaltar.

Anúncio do curso Tamandaré no "Jornal dos Sports" em 1986: André Esteves aparece na foto à direita - Foto: Reprodução
Funcionário
Apenas parte da entrevista é legível, pois a microfilmagem da página está deteriorada, mas Esteves ainda diz no texto que "sempre foi bom aluno" - antes do Tamandaré, frequentou o Colégio Cinco, no bairro do Andaraí - e que estudava das 7h às 18h no cursinho e o restante da noite em casa.
André Esteves só seria mencionado no "Jornal dos Sports" mais uma vez, no fim do ano seguinte: em 1986, conquistou novamente o primeiro lugar do Brasil na prova da EFOMM, desta vez com média 85,5. O Tamandaré pagou um anúncio com uma foto ainda maior do pupilo. Mas, àquela altura, Esteves já era funcionário do curso, dando aulas e prestando as provas com o objetivo exclusivo de projetar a marca do preparatório nos rankings de aprovados, prática comum à época.
Suas aspirações já haviam migrado para a computação, que estudaria na UFRJ. Três anos depois, entrou no Pactual como estagiário. Nunca mais prestou concurso.

André Esteves, presidente do conselho do BTG Pactual, em evento do FII Institute no Rio - Foto: Reprodução / FII Institute
O Globo
https://oglobo.globo.com/blogs/capital/post/2025/03/o-passado-esquecido-de-andre-esteves-do-btg-pactual-concurseiro-militar-de-elite.ghtml