Imagem: Amy Sussman/Getty Images |
Alê Youssef: Prêmio de Fernanda Torres é grito de esperança após trevas na cultura

Alê Youssef: Prêmio de Fernanda Torres é grito de esperança após trevas na cultura

A espetacular vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro por sua brilhante atuação na obra prima de Walter Salles, "Ainda Estou Aqui", é também uma oportunidade histórica para, enfim, colocarmos a cultura e a criatividade no eixo central de desenvolvimento econômico e social do país. Para isso, no embalo da celebração, precisamos virar a chave em direção a uma necessária atualização da nossa ultrapassada política cultural.

O feito, verdade seja dita antes de qualquer discurso ufanista, é desse grupo extraordinário, um verdadeiro timaço, que se articulou para adaptar o épico livro de Marcelo Rubens Paiva, autor símbolo de uma geração e porta-voz do espírito do nosso tempo. Diretor, produtores, técnicos e elenco enfrentaram, como todo o setor audiovisual e cultural brasileiro sempre enfrenta, os mais variados desafios, burocracias e desconfianças para levantar uma obra dessa envergadura.


O importante prêmio, que vem como um grito de vitória e de esperança após as trevas culturais do governo Bolsonaro - é fundamental frisar - também acontece em meio a muitas incertezas geradas pelo rolo compressor da reforma tributária no setor cultural e pela inaceitável morosidade para a regulamentação do VOD ( Video on Demand) e das plataformas de streaming no país, passo fundamental para verdadeira valorização do conteúdo audiovisual nacional.

Antes da vitória, a atriz deu entrevistas onde refletiu de forma brilhante sobre o isolamento cultural do Brasil derivado da língua portuguesa e uma mistura de frustração e pena pelo mundo não conhecer a fundo a beleza da nossa cultura. Para superarmos essa situação é preciso modernizar, atualizar e compreender todo o setor como indutor de uma nova matriz de desenvolvimento que pode gerar milhões de oportunidades internamente, e também projetar a imagem do país, conectando-o ainda mais com o mundo.

Nesse sentido, o exemplo sul-coreano é emblemático. Em 1998, para superar a crise asiática, o governo da Coréia ampliou o orçamento do Ministério da Cultura e criou um departamento especial dedicado à cultura popular, que em pouco tempo foi apelidado de K-Pop , preparando terreno primeiro para o "Gangnam Style" do Psy e depois para o fenômeno pop BTS, grupo musical que hoje, sozinho, movimenta mais de 3 bilhões de dólares na economia do país.

Paralelamente, o audiovisual do país foi extremamente impactado muito positivamente por essa política. As quatro estatuetas do Oscar de 2020 para 'Parasita", de Bong Joon Ho, incluindo melhor filme, e o fenômeno "Round 6", série mais vista da história da Netflix - recorde que se repete em sua segunda temporada - além do sucesso das novelas sul-coreanas em todo o mundo são exemplos dessa potência. Quanto mais dinheiro girando, mais empregos, renda e crédito para o setor cultural da Coréia do Sul.

Conversando com uma amiga produtora do audiovisual brasileiro antes do Globo de Ouro, falamos da ausência de diversas formas de financiamento cultural no Brasil como, por exemplo, uma política de crédito para produções brasileiras que realmente pudesse se agregar às formas de financiamento já existentes.

Imaginar uma política de crédito para o universo criativo brasileiro como um todo - de forma unificada para valer transversalmente para cada uma das áreas criativas, inclusive para o audiovisual - é uma das formas de buscarmos a atualização de nossa política cultural dentro do atual cenário macroeconômico.

Isso daria muita força para o conjunto da nossa classe cultural e espelharia, a partir de uma política de desenvolvimento efetiva, os impressionantes 3,11% do PIB e os 7,8 milhões de empregos que a economia criativa movimenta no Brasil. Nunca é demais lembrar que esse número é superior aos auferidos para a tradicional indústria automobilística, que movimenta 2,5% do PIB, mas é campeã em crédito e incentivo fiscais.

"Ainda Estou Aqui" aponta para formas de lidarmos com momentos difíceis e delicados que vivemos como tão bem falou Fernanda em seu lindo discurso de agradecimento. A cultura e a criatividade são geradoras de valor e oportunidades, inclusive em meio a crises globais. Que o feito desse timaço nos inspire.

Uol
https://www.uol.com.br/nossa/colunas/ale-youssef/2025/01/06/premio-de-fernanda-torres-e-grito-de-esperanca-apos-trevas-na-cultura.htm