Consumo global do combustível cresce, com incentivos até no Brasil; assim, ficará difícil manter meta do Acordo de Paris
O ano de 2024 ficará na história pelo paradoxo de presenciar altas da temperatura global e da demanda por carvão mineral, o mais nefasto combustível fóssil. Não espanta que caminhe de comprovar-se o mais quente já registrado.
O programa de observação do clima Copernicus, da União Europeia, já projeta que este ano desbancará 2023 como recordista do aquecimento da atmosfera. Tudo indica, ainda, que será o primeiro de muitos com termômetros marcando alta de 1,5ºC ou mais acima dos níveis pré-industriais.
Tal indicador foi a meta fixada pelo Acordo de Paris, em 2015. Cientistas calculam que seria imprudente cruzar esse Rubicão, sob pena de tornar mais frequentes os eventos climáticos extremos que já flagelam populações -como as enchentes no Rio Grande do Sul, há nove meses.
Tendo em vista que descarbonizar a economia mundial figura como objetivo desde a cúpula ambiental de 1992 no Rio, seria esperado que estivesse em retrocesso a demanda por combustíveis fósseis como petróleo, gás natural e carvão. Não é o caso.
A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a procura por petróleo seguirá em expansão, ainda que em crescimento menos acelerado. Mais aquecida ainda se mostra a demanda por gás natural, propagandeado como combustível de transição por sua queima ser algo mais eficiente que a de outros fósseis.
Mas a pior notícia é a alta do consumo de carvão, o mais poluente deles, que garante cerca de um terço da eletricidade gerada no planeta, com China à frente. A AIE anunciou neste mês que a demanda bateu recordes em 2024.
A resiliência dos fósseis está em franca contradição com o dever de neutralizar emissões de carbono até 2050 para cumprir o objetivo de Paris. É, portanto, fora de propósito investir em infraestrutura de extração e distribuição para combustíveis condenados.
No Brasil, há contrassenso similar. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se divide em relação à exploração de petróleo na orla amazônica, enquanto o Congresso envia à sanção presidencial um Programa de Aceleração da Transição Energética que mal contempla a descarbonização.
Num país que conta com uma das matrizes elétricas com menor emissão de gases do efeito estufa no mundo, a nova norma tende mais a fossilizá-la do que a seguir um caminho virtuoso. Seu fulcro está no gás natural, mas há benesses até mesmo para carvão mineral, evidenciando que lobbies setoriais e regionais falam mais alto a parlamentares que o bem-estar de futuras gerações.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/12/calor-recorde-nao-abala-carvao-na-matriz-energetica.shtml