O dólar, entre o populismo e o patrimonialismo, por Luiz Carlos Azedo

O dólar, entre o populismo e o patrimonialismo, por Luiz Carlos Azedo

Assistimos um reality show de populismo e patrimonialismo, cujo resultado foi um grande estresse cambial, com a disparada do dólar, que continua acima dos R$ 6

O populismo sustenta-se no tripé liderança carismática, promessas além do exequível e críticas às elites. Não se pode dizer, porém, que o populismo seja o principal responsável pelas nossas desigualdades sociais e que, necessariamente, derive para o autoritarismo. Esse tipo de narrativa, ao contrário, justificou retrocessos políticos como o regime militar implantado a partir da destituição de João Goulart, em 1964.

Nosso populismo surge com Getúlio Vargas, a partir da Revolução de 1930, como resposta à república oligárquica. Sua retórica voltada ao trabalhador foi amparada por direitos sociais que incluíram os trabalhadores assalariados na vida política nacional, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e o reconhecimento dos sindicatos. Ao mesmo tempo, o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo, consolidou a tese de que o populismo deriva para o autoritarismo, o que viria a ser desmentido pelo próprio Vargas, após voltar ao poder pelo voto, na crise que o levou ao suicídio, em 1954.

Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros também recorreram a narrativas populistas para mobilizar apoio e chegar ao poder, bem como Fernando Collor de Mello, em 1989. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também adotaram narrativas populistas, amparadas por programas de inclusão social, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. Lula teve êxito ao enfrentar as elites do país; Dilma fracassou, ao adotar uma estratégia nacional-desenvolvimentista anacrônica diante da globalização e perdeu o poder. Nenhum dos cinco confirma a tese de que seu populismo desaguaria no autoritarismo.

Quem tentou esse caminho foi Jair Bolsonaro, que chegou ao poder pedalando o triciclo do carisma, do apelo às massas e do confronto com as elites. Depois de Jânio Quadros, é o maior representante do populismo de direita no Brasil, com retórica antissistema, apelo nacionalista e bandeiras reacionárias. Defendeu a volta do regime militar e os costumes tradicionais, para "salvar" a pátria e a família unicelular patriarcal.

Nosso populismo amálgama o mito "sebastianista" do salvador da pátria. Morto D. Sebastião em Alcácer Quibir, aos 24 anos, e tendo sido anexado pela Espanha em 1580, Portugal perdeu a opulência e a grandiosidade do início daquele século, juntamente com o melhor da sua juventude e do seu Exército. Como o corpo do rei nunca foi encontrado, o mito de que D. Sebastião estava vivo e voltaria um dia alimentou o nacionalismo português e o messianismo no Brasil. Teria aparecido durante a batalha que expulsou os franceses no Rio de Janeiro, em 1565; no reino Encantado da Pedra Bonita (1834-1836), em Pernambuco; e em Canudos (1893-1897), com Antônio Conselheiro.

Patrimonialismo


As promessas de reformas rápidas e profundas, com soluções simples para problemas estruturais complexos, hoje, são narrativas populistas anabolizadas pelas redes sociais. Fomentam a polarização e a desconfiança nas instituições democráticas; a tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário; a divisão profunda da sociedade, a descontinuidade de projetos estruturais e políticas de clientela; e, consequentemente, a instabilidade econômica e volatilidade do mercado.

O outro lado dessa moeda é o patrimonialismo, mais vivo do que nunca. Por definição, é um tipo de dominação tradicional na qual o governante utiliza o poder como extensão de sua própria casa. Como o Estado brasileiro antecedeu a nação, a administração pública colonial e imperial foi moldada por um sistema onde cargos públicos e privilégios eram concedidos como favores pessoais. Isso promoveu uma cultura que está em contradição com o regime republicano.

Fenômeno já muito estudado, o patrimonialismo brasileiro nasceu associado à figura do "homem cordial" e destaca o papel das relações pessoais e afetivas na dominação do espaço público, uma herança ibérica avessa à formalidade institucional, que mistura o público e o privado. O poder centralizado e burocrático serve a interesses privados e sustenta uma elite dirigente que controla o Estado em benefício próprio, a partir de uma estrutura patrimonialista herdada de Portugal.

Essa característica também marcaria o desenvolvimento capitalista e a modernização do país, sobretudo o nosso capitalismo de Estado, ou "de laços" visíveis a olho nu. O sociólogo Luiz Werneck Vianna, recentemente falecido, destacava o papel dessas raízes históricas (colonização portuguesa) e culturais (laços familiares e paternalismo) na resistência às relações institucionais impessoais e ao funcionamento do sistema político e administrativo em bases democráticas e modernas.

Nas últimas semanas, assistimos a um reality show de populismo e patrimonialismo, cujo resultado foi um grande estresse cambial, com a disparada do dólar, que continua acima dos R$ 6. A promessa de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, feita pelo governo, e a gana pelo dinheiro das emendas parlamentares, de parte do Congresso, criaram um ambiente de incerteza econômica muito além do que seria razoável diante da realidade econômica do país.

Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-dolar-entre-o-populismo-e-o-patrimonialismo/