O ponto de partida é ignorar que o candidato precise ter um mínimo de empatia e conexão com o eleitorado
Eduardo Affonso
A arte de ganhar uma eleição não é nenhum mistério: basta convencer a maioria dos eleitores de que seu candidato seja a pessoa certa para o cargo. Perder uma eleição é mais complicado: requer empenho, prática e habilidade.
Como no caso dos aviões - que têm o hábito de não permitir que um erro sozinho os derrube -, candidaturas só se esborracham nas urnas por uma combinação de fatores. Alguns podem parecer aleatórios, mas a maioria é cultivada com afinco - não apenas, de forma ostensiva, durante a campanha, mas também na surdina, na trégua entre um pleito e outro.
O ponto de partida é ignorar que o candidato precise ter um mínimo de empatia e conexão com o eleitorado e insistir naqueles com alta rejeição. (Na falta de um candidato com alta rejeição, pode-se substituí-lo por outro com rejeição altíssima, que isso não altera a receita.)
Cultue seu líder como se ele fosse o caminho, a verdade e a vida; faça o possível e o impossível para regular os meios de comunicação; seja obcecado com organizações trabalhistas e com o controle total da economia - mas não hesite em afirmar que fascistas são os outros. Em vez de procurar saber o que querem os trabalhadores, enfie-lhes sindicatos (e impostos) goela abaixo - os autoritários nunca somos "nós". Separe as pessoas pela cor da pele - e insista que os racistas são "eles". Viva uma ideologia morta - mas dispare a pecha de "retrógrado" a torto e a direito. Em suma, passe a campanha demonizando os eleitores do adversário - afinal, quem precisa dos votos deles?
Na véspera de uma disputa apertada ou de um eventual segundo turno, sirva bolo, fale manso, deixe de lado a superioridade moral (sim, você consegue!) e exercite a condescendência. Mesmo morando no Leblon ou na Savassi, tente persuadir os paulistas a votar em quem você tem certeza de que seria o melhor prefeito para eles (não, ninguém notará que você não sabe a diferença entre paulista e paulistano). Torça para que tenham memória fraca e não se lembrem de nada do que foi dito enquanto você achava que a vitória era certa.
Se alguém sugerir prudência e autocrítica, dobre a meta e proponha radicalizar o discurso. Esqueça os rappers ("Tem que falar para uma multidão que precisa ser conquistada, senão vamos cair no abismo") - eles não entendem de povo nem de periferia - e ouça os antropólogos ("Acho justo esse tensionamento para que a esquerda se coloque mais à esquerda"). Quem garante que, quando o bacalhau está intragavelmente salgado, não é um pouco mais de sal que vá resolver?
O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/eduardo-affonso/coluna/2024/11/eleicao-revelou-a-competencia-na-arte-de-perder.ghtml